sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

CATACLISMO OU LIMIAR DA EPOPEIA?


Estamos em 1959. Toda a África está em convulsão. Em Accra, tem lugar a “conferência dos povos de África”. Em Angola, as forças nacionalistas, aproveitam o evento, para com o apoio das populações dos musseques de Luanda se manifestarem nas ruas. Português de nacionalidade, Angolano de coração, o Henrique, que frequenta o 2º ano da Faculdade de Direito não aceitava estas “lutas de libertação”. Dirá, quarenta anos mais tarde, (1999, um ano antes de ser eleito, pela primeira vez, Provedor de Justiça”): “Havia que libertar-se os povos negros evidentemente (…) Mas que não se atrevessem a fazer obstáculos àquilo que para mim era evidente – Angola independente, com negros, brancos, mestiços, católicos, protestantes, animistas.(…) E, sobretudo, se era uma questão de liberdade, jamais se poderia colocar como se colocava, o problema em termos de comunismo versus capitalismo.(…) Envolvi-me nessa independência de Angola. Estudei, reflecti, fiz parte de grupos, declarei que as coisas não podiam continuar assim.(…)”
Estudou, reflectiu, fez parte de grupos, declarou, por escrito, que as coisas não podiam continuar assim. Estávamos em 1959. O nosso Ouvidor tem uns verdes 18 anos mas avisa, e, recomenda:
O problema africano está a assumir uma importância tal que a não o tomarmos, já, como o alvo dos nossos melhores esforços, corremos o desagradável risco de, quando o quisermos fazer, estarmos em condições francamente desvantajosas. Por isso mesmo, uma coisa não me levanta dúvida nenhuma: nós temos de agir, já, antes que as circunstâncias se venham sobrepor aos nossos desejos. Agir - mas com eficiência, decisão inabalável e conhecimento de causa. É um ponto que não deveria admitir contestação, quando, por toda a África, se está estendendo um precipitado movimento contrário à permanência europeia.
Outrora, fomos o primeiro povo a lançar até aos recônditos dos sertões ignorados, uma grande cruzada humanitária: hoje – porque não dizê-lo? - de  pouco nos valerá, na prática, arrimarmo-nos a tão brilhante passado histórico, se o não conseguirmos repetir perante os condicionalismos actuais. Não podemos pensar, por mais optimistas que o sejamos, na obtenção de um êxito total para semelhante empresa, se ao nosso ultramar não formos dedicando, tanto mais rapidamente quanto é necessário toda a nossa capacidade. Nele existe, sem dúvida, o mais auspicioso potencial de engrandecimento pátrio, razão de onde deriva a necessidade imperiosa de a nossa política ultramarina se dever revestir de um acentuado cuidado e necessitar por isso de uma realização urgente."

Lisboa 21  Fevereiro de 1959 In “ Diário da Manhã”