sábado, 12 de janeiro de 2013

EM TUA MEMÓRIA



São terríveis estes tempos, de dificuldade, medo, indecisão, descrença. Falta-nos o “humos da coesão nacional”. Faz-nos falta a tua inteligência, a tua percepção dos movimentos sociais, a tua clarividência política. A nós, como família. Mas mais importante, Henrique, é a falta que fazes a Portugal.


O desmoronar de regimes totalitários, que muitos visionaram utopicamente como a alvorada de um mundo novo, veio obrigar as democracias  representativas  a olhar para o seu próprio espelho.
E o rosto que esse espelho faz luzir revela sombras que preocupam. Não tenhamos receio de o afirmar.
Não existe riqueza de uma nação com ambiente de degradação social!
Como, porém, resolver o conflito de objectivos, que se traduz na crise dos défices públicos, na necessidade de as empresas serem competitivas sem se transformarem em «vulcões de despedimentos», na obrigação de o Estado garantir segurança e justiça sem se tornar omnipresente, burocrático e castrador das pessoas e da própria sociedade civil?
Como deixar desenvolver-se a liberdade realizadora de cada um, quando, afinal, o individualismo crescente dos cidadãos, gerado pela perda de valores de autêntica solidariedade social, exige «mais e mais» do Estado, de quem, aliás, imediatamente desconfia, critica e foge – para, a seguir, lhe exigir mais prestações?
Como afirmar a autonomia vivificante das instituições, organizações e associações privadas de representação de interesses, que são o rosto do corpo social, quando, não raras vezes, estão dependentes também de subsídios e apoios do Estado e, não pouco frequentemente, reclamam deste intervenções em favor dos sectores e grupos que representam, mas cujos custos oneram inevitavelmente os orçamentos públicos?        
O problema coloca-se também, porventura timbrado por outras causas, por exemplo, a dívida externa, a pobreza endémica. Numa palavra, a insegurança de quem começa a perder a memória das suas raízes e não descortina o norte que delas deve brotar.
(…) A abordagem, a discussão e as soluções desta questão têm de passar pela decisão dos homens e das mulheres, dos jovens e dos idosos, dos empresários e dos trabalhadores, dos profissionais liberais e dos quadros técnicos – ou seja, por cada um de nós. Repito e sublinho: por cada um de nós.
(…) Eis-nos defrontados com o nó górdio de produzir uma mudança cultural. Sem esta, não haverá solidariedade social no respeito pela liberdade.
Eu preferiria dizer de outro modo: liberdade significa solidariedade social, a solidariedade social significa liberdade. A mudança cultural implica assumir conscientemente e praticar responsavelmente os valores implícitos nesta visão.
Não o conseguiremos ser, porém, se não formos lúcidos na percepção das causa de crise social, sapientes na reflexão e ponderados nas propostas, numa palavra, agentes credíveis nos processos de mudança de que todos somos co-responsáveis.
Nesta co-responsabilização de todos está a chave do sucesso deste enorme desafio. Porque é ela, essa responsabilidade individual e solidária, o húmos da coesão nacional, sem a qual não haverá progresso económico, justiça social, bem estar para todos. Uma coesão nacional mas não nacionalista, não proteccionista, não xenofobista – pelo contrário, uma coesão nacional solidária com os outros e, portanto, exigente de uma fraternidade e de uma partilha equilibrada dos benefícios e dos sacrifícios que se impõem a todos os homens do nosso planeta, a todos os povos, a todos os Estados. (…)
           

H. Nascimento Rodrigues Assembleia da República, Sala do Senado. Lisboa, Maio de 1995.