"Foi esta a primeira vez que passei o Natal sozinho. Ontem à
noite custou-me um pouco, mas hoje, 25, passei o dia bastante distraído. No
meio de tudo, não é talvez, a falta determinada disto ou daquilo que eu mais
profundamente sinto; é, antes, a certeza, que se avoluma, de estarem ficando
para trás, eternamente, os meus tempos de criança, os meus encantos pelo Natal, as minhas reacções e tudo isso
que faz a maravilha da petizada nesta época. Tenho um medo tamanho de deixar de
ser sensível a mil pequenos nadas, de passar a ser inteiramente Homem, de
deixar de sonhar e de sentir o que só um coração jovem pode sentir e sonhar.
Porque isso é maravilhoso! É maravilhoso sentirmo-nos crianças e vermo-nos
acarinhados, abrir os olhos deslumbrados e sonhar com uma infinidade de
centelhas mágicas. Esta vida que se leva na Metrópole em nada é propícia a
sonhos! E ai do dia, eu sei-o perfeitamente, em que eu deixe de ser assim um
quase nada criança, porque então não terei sonhos por que lutar denodadamente e
com fé para os alcançar. Tu, Senhor, faz com que, para todo o sempre, possa
arquitectar acriançadamente, os meus próprios ideais, para poder ser alguém na
vida. Não creio que o possa ser sem ter sonhos e ideais. Por isso te peço
Senhor, mais este favor: deixa-me continuar a ser criança."
Lisboa 25 de Dezembro de 1958