O Henrique sentiu, desde muito cedo, necessidade de intervir, publicamente, em áreas relacionadas com os direitos humanos, justiça social, equidade, solidariedade. É esse sentimento que determina e norteia o seu percurso de vida. Primeiro o Direito, depois, a área Sindical e do Trabalho, a Cooperação com África, o Conselho Económico e Social e, finalmente, a Provedoria de Justiça. A criança, o jovem o Homem que sempre foi, nunca poderia ter tido outro percurso. Querem saber porque o afirmo? Leiam o texto que escreveu em Lisboa quando tinha 17 anos.
"Que culpa tenho eu de que não haja uma Universidade em Angola? Será justo tirarem um rapaz do seu lar, da sua terra, do seu ambiente e obrigarem-no a vir estudar para um sítio imensamente diferente daquele a que estamos habituados? Angola, já há muito que vem dando a Portugal a paga do que ele gastou com ela; seria justo fundarem lá uma Universidade. E, mesmo para além da ordem económica ou política, há a ordem sentimental, muito mais valiosa. Nós, os ultramarinos, estamos, neste aspecto, em plano de inferioridade, não o merecendo. Os rapazes de cá não são obrigados a ir estudar para lá, e nós somos obrigados a vir estudar para cá, a abandonar o lar, os pais, os amigos, tudo o que nos é querido, para termos um mísero “canudo”, tirado sei lá com que esforço, sem amparos, sem os incitamentos a que estamos habituados, sem alegria, sem nada. E das duas, uma: ou temos força de vontade e continuamos a ser os mesmos; ou desnorteamos e imbuimo-nos dos defeitos da juventude de cá, sem lhe aproveitarmos as virtudes. Tu não sabes as dificuldades inumeráveis que atravessam, cá alguns rapazes de Angola. Não sabes e praza a Deus que nunca o saibas. Não falo por mim, que eu sou dos mais felizes e nada no aspecto material me tem faltado. Falo, porque, conheço inúmeros casos, qualquer deles o mais decepcionante. Há moços que chegam a passar fome em Lisboa, que vivem pior do que em Angola, porque, infelizmente não têm meios. Uns aguentam-se, sofrem em silêncio, mas continuam a ser os mesmos. Esses rapazes é que me merecem admiração; ao pé deles, eu não passo de um felizardo, a quem Deus tem dado todas as facilidades para vencer e seria injusto e desprestigiante que eu não vencesse. Mas outros, outros perdem a cabeça, deixam esquecidos os princípios que lhes ensinaram e, no meio de um ambiente em que não podem contar com ninguém, aprendem a viver, servem-se de todos ilícitos de que Lisboa é pródiga – e eu compreendo estes casos, mas para mim esses moços deixaram de ser angolanos! Não é preciso contarem-nos – basta verificar um certo número de coisas e adivinhar o que por detrás verdadeiramente se passa.
Se algumas vezes eu falo com mais rancor – com mais entusiasmo, é porque vejo que isto não é justo, porque os rapazes ultramarinos não merecem esta situação que só gravíssimas consequências trará para Angola e muito mais para Portugal. Pudesse eu ter um nome feito e ser já um homem que lutaria para melhorar este estado de coisas. Não o posso fazer por ora; limito-me, portanto, a não ser um revoltado e a esperar, com fé que Deus faça o milagre de tornar a minha terra uma verdadeira terra de Paz e de Trabalho. E que Deus não se esqueça destes rapazes, porque serão eles os futuros homens de Angola e para Angola valer é preciso que eles valham alguma coisa."
Lisboa 1958