Um dia, há mais de meio século, o Henrique
escreveu: “Eu deixaria de ser eu se fosse
derrotado. Nunca me darei por vencido. Essa hipótese põe-se-me tão improvável
como se eu pudesse trazer a lua dentro do bolso do meu casaco; e se a vida me
for adversa, tudo o que de mau há nela terá de me derrubar e passar sobre mim
para que eu renuncie. Mas para que ela passe sobre mim, será necessário que eu
já não tenha forças para passar eu por cima dela. Só nesse dia, porventura,
terei desistido de sonhar.”
Retomamos mais um trecho da carta enviada ao
Senhor Presidente da Assembleia da República:
“ Vossa Excelência teve a amabilidade de me
transmitir ter dado conhecimento dessa minha comunicação à Conferência de
Líderes parlamentares e de ter renovado o apelo para a apresentação de
candidaturas ao cargo de Provedor. Estas só vieram a ter lugar mais tarde e,
infelizmente, sob um enquadramento de ruptura negocial, por natureza avessa aos
compromissos político-partidários democráticos que seriam necessários; mas
gostaria de aqui expressar o meu maior respeito pelo alto sentido cívico
emprestado pelos candidatos ao processo eleitoral de substituição do Provedor
de Justiça, que culminou com a votação da última sexta-feira.
A
partir daqui já não seria curial, Senhor Presidente da Assembleia da República,
forçar mais a minha consciência e degradar ainda mais as minhas delicadas
condições de saúde – que há longos meses se foram deteriorando – com um
prolongamento de mandato cujo fim alguns Senhores Deputados anunciam só poder
ter lugar na próxima legislatura, ou, para ser mais rigoroso, talvez no início
do próximo ano.” (…)
Quem o acompanhou depois deste «acto de
liberdade» sabe bem que o Henrique não se sentiu derrotado, não foi derrubado pela
adversidade, nem deixou de sonhar. Basta recordar a alegria, a felicidade do
seu rosto nesse último encontro com o seu grande amigo Defensor del Pueblo de
Espanha . Era o dia 9 de Junho de 2010, poucas horas antes de ser surpreendido
pela morte. Só então desistiu de sonhar.