Domingo, 11 de Abril de 2010, foi o teu último dia
de vida. Foi há muito? Há pouco tempo? Só sinto o hiato, a ausência. Não o tempo. Sinto os sonhos, as angústias, os fracassos, os sucessos. As memórias e a
saudade. As escolhas e as renuncias. Releio uma das primeiras cartas que me escreveste. Tu, estavas ainda
em Angola. Eu, preparava-me, em Coimbra, para o exame de aptidão à Faculdade de
Medicina.
Angola 19 de Setembro
de 1957
“Terminei
há três dias os meus exames de aptidão à Faculdade. Francamente, não me
correram bem, e, como se tanto não bastasse, ainda li no jornal que o maior
número de reprovações nos exames de admissão em Lisboa, se verifica
precisamente em Direito. Tudo isto me atemoriza um pouco. Reprovar agora, depois
de ter ficado com média 15 no 7º ano! Enfim, esperemos com calma e fé nos
resultados que só devem sair lá para Outubro.
Sigo
viagem no “Uíge” juntamente com a Maria Helena, e com mais malta de Sá da
Bandeira e Luanda. Que saudades eu já sinto. Creio que deixo em Angola todos os
meus sonhos e esperanças de rapaz! Tenho a impressão de que me não adaptarei à
vida social Lisboeta, o que me custa imenso, pois necessito, de qualquer modo,
de vir a criar ambiente para o meu curso. Vai ser difícil! Em Direito, segundo
informações que me têm dado, é necessário, sobretudo saber falar e escrever
bem, e usar de diplomacia. E se à primeira condição eu posso dizer que estou
apto a enfrentá-los, já o mesmo não acontece para a segunda, por causa deste
meu feitio abrupto e demasiadamente sincero. Veremos, contudo, se eu consigo
captar a excelsa simpatia da Faculdade de Direito não logo no 1º ano (se eu
passar) mas lá para o 2º ou 3º, embora tal me custe.
Sabes bem o que são vésperas de partida e por aí
deduzirás o estado, não só de espírito como de tempo em que te estou a
escrever.”