Transcrevo,
com a devida vénia, um excerto do editorial
do Expresso de dia 21 de Fevereiro de 2009.
“ Por vezes,
em pequenos sinais a que nem damos importância, vemos o desprezo com que a
classe política é capaz de tratar os direitos constitucionais dos cidadãos.”
“(…) Vejamos,
por exemplo, o que se passa com o provedor de Justiça. A figura do provedor,
prevista na Constituição – a lei fundamental do nosso país – é, por definição,
o defensor dos cidadãos perante os abusos do Estado. A sua função é obrigar o
Estado a rodear-se dos cuidados necessários para não atropelar a autonomia e os
direitos próprios dos indivíduos. Num Estado democrático, a figura do provedor
deveria ser encarada como fundamental. Mas não o é no nosso. Mais de sete meses
depois de expirado o mandato do provedor actual, Henrique Nascimento Rodrigues,
PS e PSD não encontram o nome de um
substituto. E não encontram, porque a guerra ou birra partidária se
sobrepõe à própria concepção do que deve ser o Estado de Direito. Nesse
sentido, os cidadãos são tratados como
súbditos de um regime de partidos que não consegue gerar um consenso
aparentemente tão simples como nomear uma figura íntegra e séria que esteja
envolvida na defesa dos direitos individuais contra os abusos do Estado, do
Governo, das regiões, das autarquias. E, apesar de incapacidade tão confessa,
sabendo-se perfeitamente que sem um entendimento entre os dois partidos não
haverá possibilidades de eleição de um novo provedor, não se vislumbra, em boa
verdade, nem da parte do PS nem da do PSD, qualquer remorso ou desculpa que
redima essa falha. Os dois partidos procedem com toda a calma do mundo, como se o interesse do Estado fosse
coincidente com os seus interesses. Como
se, ao fim e ao cabo, o Estado
fossem ‘eles’.
Na agenda
mediática, esta história surge com um pormenor. Por um lado, porque em Portugal
tudo o que diz respeito à defesa de direitos individuais, sobretudo se o
opositor é o Estado, é visto com certo desdém. Por outro, porque o provedor-cessante não é dado a grandes
mediatismos, nem a punch lines que
encham manchetes de jornais e aberturas de noticiários.
No entanto,
para quem quiser uma prova cabal do menosprezo com que são tratados assuntos da
mais fulcral importância na nossa ordem constitucional, não poderia encontrar
melhor exemplo. Um órgão que visa – com se escreve na Constituição – “tratar as
queixas que os cidadãos apresentam por acções ou omissões dos poderes públicos”
não é importante… Pode ir com calma…”