(…) “Antes de mais, tenha-se presente o histórico
pano de fundo sob que brotam e em que desembocam as experiências de concertação
social: nas sociedades com regimes políticos que superam o modelo
liberal-individualista, sem se terem transformado revolucionariamente em
sociedades e regimes de modelo político autoritário ou totalitário e de
economia centralizada ou, no mínimo, severamente controlada pelo Estado.
São
situações que ocorrem na passagem do modelo de Estado liberal clássico, ou
liberal-individualista, para o modelo do chamado Estado Social. E recordo que
este, em síntese, se diferencia daquele fundamentalmente pela assunção de um
papel diferente do Estado na vida económica e social, preservando a economia de
mercado, mas não enjeitando responsabilidades de promoção e de orientação da
vida sócio-económica, com vista à melhor consecução de objectivos de
desenvolvimento, de bem estar e de justiça social. Paralelamente, esta passagem
do Estado liberal-clássico para o Estado Social é acompanhada por um reforço e
aprofundamento de direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e pelo
surgimento de novos direitos ( a título de exemplo, ao acaso, os direitos dos
consumidores o direito ao ambiente).
Que
razões fundamentais conduziram a esta passagem do Estado liberal-clássico ao
chamado Estado Social?
(…) Um
dos fenómenos cruciais localiza-se na substituição do que poderíamos chamar a
mitologia do “papel natural do mercado” pelas ideias de intervenção orientadora
ou correctiva do sistema político e do Estado na vida económica e social. A
complexidade crescente das questões económicas e dos problemas sociais, as
interdependências mais estreitas das economias de mercado, o papel fortemente
reivindicativo assumido pelas organizações sindicais, enfim, o aparecimento de
novos actores sociais com exigências específicas trouxeram para a arena das
sociedades, a politização da economia e dos sistemas públicos de satisfação das
necessidades sociais. No Estado Social, o sistema político- administrativo
vê-se confrontado com a gestão cada vez mais delicada e complexa de processos
de decisão. (…). Foi sendo constatado, que, em certos casos, as dificuldades de
uma resposta mais bem sucedidas de ultrapassagem das crises eram menores do que noutros casos. E daí
foi fazendo caminho a ideia de que a explicação para as experiências mais bem
sucedidas de ultrapassagem das crises poderia radicar, exactamente, na
ocorrência de fórmulas mais ou menos institucionalizadas de diálogo,
participação ou concertação social, quer entre parceiros sociais entre si, quer
destes com os poderes a quem caiba a tomada de decisões políticas nas áreas
económicas e sociais.
As
acções concertadas são, assim, concebidas como alternativa às actuações
impositivas do Estado nod domínios económico e social e, portanto,
correlacionadas com um modelo diferenciado de o Estado se relacionar com o
mundo económico e social, ou, se se quiser com a sociedade civil.(…)
À
perspectiva clássica de uma sociedade tutelada pelo Estado todo poderoso, e à
concepção ortodoxa de uma representação democrática ocupada monopolisticamente pelos partidos políticas, advogo que é
preferível fazer-se vingar um modelo de regulação partilhada, que supõe e exige
o diálogo permanente e sério entre o Estado e os corpos intermédios que tecem a sociedade , uma parceria, enfim, na
corresponsabilização na tomada de certas decisões fulcrais, e também, depois, no acompanhamento da sua execução.(…). Defendo, em suma, que a concertação constitui
uma função vital para as sociedades contemporâneas, se pretendermos que através
dela se impeça que as funções do Estado se assumam como funções de dominação e
de marginalização da cidadania de participação.”
Intervenção no “Quarto
Encontro SaeR
“Empresa e Estado: A dimensão da Concertação
Social”
Lisboa, 5 de Março de
1993