(…) “Um
olhar de observador social ao longo da década de 80 permite já, neste final de 93,
um balanço relativamente seguro das modificações ocorridas no sistema de
relações industriais de Portugal. É evidente que poderão não ser coincidentes
as conclusões dos observadores quanto ao sentido das mudanças. Mas uma coisa poderá
dizer-se sem grande margem para contradita: é que foi enorme a mudança
verificada, em particular a partir de 1980, se quisermos balizar com algum
rigor cronológico o limiar do ciclo das mudanças.
Precisamente
no dobrar para a década de 80 tinha-se consumado o facto histórico da criação,
e do arranque de actuação da União Geral de Trabalhadores (UGT), central
sindical fundamentalmente sustentada pelas correntes político-sindicais socialista
e social-democrata, mas igualmente apoiada por sindicalistas democrata-
cristãos, e outros de perfil independente.
Com isto
terminava o monopólio sindical de facto da Confederação Geral dos Trabalhadores
Portugueses (CGTP- Intersindical Nacional), que se estabelecera praticamente
desde o primeiro dia da chamada “ Revolução dos Cravos”- a revolução de 25 de
Abril de 1974.
Convém recordar
que este monopólio tinha sido legalmente imposto por legislação do Conselho
Militar da Revolução, desde logo muitíssimo contestada por todos os partidos e
forças democráticas. Foi a célebre querela política e doutrinária da “unicidade
sindical” versus “liberdade sindical”, que constituiu um dos momentos
históricos mais agudos do combate político cerrado que em Portugal se travou
pela efectiva instauração da democracia.
No
terreno dos acontecimentos quotidianos, este monopólio foi sendo combatido
pelos sindicalistas que não aceitavam a matriz ideológica e político- sindical
da CGTP-IN; e esse combate fez-se e foi ganho quer por eleições livres em
sindicatos cujas direcções eram afectas à corrente intersindicalista, quer pela
criação de novos sindicatos. Recordo que, imeditamente após a Revolução, a CGTP
usurpou as estruturas sindicais criadas pelo anterior regime e exigiu e obteve
do poder político, (com o qual coabitava ideologicamente e no seio do qual
mantinha laços de estreita interdependência) a imposição legal da unicidade
sindical e a consequente recusa à ratificação por Portugal da conhecida
convenção nº 87 da OIT sobre a liberdade sindical, que o regime corporativo, evidentemente,
jamais tinha aceitado. Com esta estratégia, pretendia-se consumar a existência
de um único poder sindical, que servisse de “correia de transmissão” político-
social ao poder político, ele também largamente influenciado, nessa altura,
pelo Partido Comunista Português. Este primeiro ciclo político-sindical
culmina, portanto, com a criação da UGT.(…)
Ao
sindicalismo de conflitualidade política da CGTP-IN, à sua postura permanente
de contestação bem como à sua não aceitação do modelo de sociedade de mercado,
vem opôr-se uma ideia de diálogo e de concertação social, defendida, proposta,
e mais tarde levada à prática pela UGT.
O
fenómeno da concertação social vai marcar, pois, de uma forma decisiva, a
segunda metade da década de 80 e vai mudar o paradigma do sub-sistema de
relações industriais e, de certo modo, o próprio modelo político global
português, não na sua expressão jurídica-institucional, mas na sua
funcionalidade concreta”.
Brasil, Belém/Salvador, Novembro de 1993 –
Excerto da conferência proferida pelo Presidente do CES por ocasião dos Seminários
Sobre Relações de Trabalho