«Para quantos, os três D da efeméride – Democratização, Descolonização,
Desenvolvimento – se foram transformando em Desencanto, Desesperança,
Desespero?
Entre esses estarão, quase certamente, os homens que se foram vendo com
os salários em atraso de meses, os que querem trabalhar e se arrastam sem
vislumbre de emprego, os que procuram investir honestamente e se defrontam com
a teia tentacular de papeis, hierarquias e propostas concupiscentes. Muitos deles serão, é bem provável, os jovens
que sonharam ser médicos, ou técnicos agrícolas, e foram atirados para
sociologia ou encaixados em literatura, para depois palmilhar o caminho
infindável do desencontro com as portas do trabalho que por aí não se abrem. E
serão ainda, possivelmente, as mães de família que todos os dias operam o
milagre da multiplicação de sobras cada vez menos elásticas. Só não serão as
crianças que abalam para a escola de estômago vazio porque essas, coitadas, não
sabem que Abril lhes prometeu outro mundo.
……………….
Os estômagos não têm o dever de saber captar a justeza dessas frias e
bizarras comparações estatísticas intercontinentais, e a consciência de um Povo de oito séculos tem o direito de
exigir para os seus filhos que a terra a que pertencem não lhes seja madrasta.
E, todavia, também é verdade que se justifica um orgulho colectivo pelo
que se progrediu (pesem as imperfeições) na institucionalização e no exercício
das liberdades cívicas e políticas e na modelação de regime democrático. Tudo
isto escora alicerces que importa solidificar, aperfeiçoar, ampliar, no combate
pela dignidade de cada homem e na preservação de valores multisseculares de
identidade nacional.
O tempo urge porém. É preciso lançar por sobre os alicerces as
paredes que não se acabaram e os tectos que não se começaram. É preciso que os verdadeiros ideais a que
não se deu corpo ainda sejam revigorados pela coragem e lucidez de quem sabe
que para espraiar a democracia e manter a liberdade é preciso cumprir a justiça.
Assumir o 25 de Abril é também, e por isso, assumirmo-nos como
sociais-democratas. No nosso próprio reencontro.”
Editorial de “O Povo
Livre”, 24 de Abril de 1985