1988. O Henrique regressa, pela última vez a S. Tomé. O seu ciclo
africano está a chegar ao fim.
Depois do terreno desbravado, das sementes lançadas à terra, é altura
de encarar outros desafios.
“Não sei bem o que contar-te, pois não há propriamente novidades. Estou
instalado na Pousada, claro. A alimentação tem sido um pouco melhor do que a do
ano passado, pelo menos há pão, arroz e peixe e fruta. Não há é café e já se
esgotou o frasco de Nescafé que trouxe. Mas comprei aqui na loja franca quatro
caixas, embora a 900 escudos cada uma! Até agora tenho estado a trabalhar num
gabinete do Ministério do Trabalho mas creio que amanhã ou depois passarei para
outro edifício. Têm dificuldades em arranjar secretária, cadeira, etc.
A minha vida tem sido muito mais pacata do que o ano passado, o que se
torna aborrecido por ser solitário. Já fiz um projecto de diploma e agora vou
trabalhar noutros. Começo a trabalhar às 9 até ao meio dia, depois venho
almoçar, recomeço por volta das 3 e às 5 acabo e volto para a Pousada. Como vês
isto é um repouso… tenho-me sentido um pouco melhor com o tratamento e também,
possivelmente, porque não bebo café, vinho e a comida é o mais simples
possível, quase sem molhos. Vamos a ver se no aspecto da saúde, eu aproveito
estas estadias, estou convencido que sim, sentia-me mesmo precisado de repouso.
O tempo tem estado todos os dias chuvoso, com mais ou menos chuva. Não
conhecia S.Tomé assim e acho tristonho. África não o é sem sol. No sábado fui à
praia e disse ao motorista para voltar às 5. Começou a chover e fiquei dentro
de água uma hora, pois era mais quente do que cá fora e apanhava menos chuva!
Mas nem sequer tem estado tempo de sol para praia para meu aborrecimento.
A pedido meu, passei a guiar o jipe. Sai mais barato, pois poupa-se
combustível ( em vez de oito viagens diárias são apenas 4) e não estou
prisioneiro do horário do motorista. Mas à noite tenho ficado sempre cá em cima
na Pousada, pois a cidade ainda fica a meia hora de caminho (que não é fácil) e
ao fim e ao cabo também não há muita coisa para vêr ou fazer-se.
Quando regressar, vou ter um mês de Março um pouco agitado. Tenho que
ir aos Açores e de novo a Dublin. Enfim, vamos a vêr se vou com forças físicas,
que são as mais necessárias.
Diz aos filhos que espero que
estudem e tirem boas notas, pois isto de ganhar a vida não é simples nem
agradável.”
S. Tomé e Príncipe 16
de Fevereiro de 1988
“Continuo a sentir-me melhor. A vida tem decorrido muito monótona e
sensaborona, nada que se compare com o ano passado. Tenho feito só trabalho de
gabinete e isso não me entusiasma nada. Mas, enfim, é preciso calma e saber “semear”
para o futuro, se é que vou ter futuro neste âmbito da cooperação com África. O
tempo continua tristonho, quase sem sol, e assim não parece África, só que, de
facto faz calor. Ontem, então, parecia um dia de pleno inverno em Lisboa – e
nós de mangas de camisa!
Tenho repousado, claro, ainda que não durma muito. Mas como regresso à
Pousada por volta das 6 da tarde, a partir daí isto é uma calmaria.
S. Tomé 23 de
Fevereiro de 1988