“ Mais de década e meia transcorrida sobre o 25 de Abril é possível e
necessário procurar entender onde se situa a grande viragem no sistema
português de relações industriais e perscrutar também os horizontes que se
abrem neste ciclo de transformações que já derrubaram “muros de Berlim” e estão
a tecer um rosto ainda difuso de um novo mundo.
Procurarei sintetizar algumas
ideias a esse respeito.
O Portugal social viveu, de 74 ao dealbar da década de 80, sob o signo
da asfixia sindical imposta pela CGTP-IN. (……..) O monopólio tentacular da CGTP
provocou, como era inevitável, fundas consequências na fisionomia do modelo de
relações industriais e fixou valores, conteúdos e procedimentos nas relações de
trabalho que estão longe de poder considerar-se extirpados. O dogma da luta de
classes impunha que se prosseguisse uma política de conflitualidade social
permanente (com ou sem fundamento real) e o ideário marxista-leninista forçava
a que, sob pretexto da libertação dos explorados, estes funcionassem como tropa
de choque no embate para a destruição da livre empresa e no combate pela
captura do poder total sobre a sociedade. (……..) A criação da UGT, em finais de
79, constituiu o primeiro momento decisivo na alteração do modelo sindical
então triunfante. É verdade que a razão assistia àqueles que procuraram unir os
trabalhadores por sobre as fronteiras de bandeiras partidárias, brandidas
exactamente como “argumento” para um separatismo que, fatalmente, só poderia
favorecer a CGTP através da divisão e do enfraquecimento do campo sindical
democrático. (………) Esse foi, pois, um momento decisivo na
mutação do nosso sistema de relações industriais – repito -, porque a UGT veio
rasgar um longo, por vezes penoso, mas positivo percurso de alterações ao
programa sócio -sindical do País. (…….) O protagonismo do sindicalismo
reformista da UGT (é certo que, por vezes, com flutuações tácticas
inapropriadas, no meu entender) foi espraiando-se pelo tecido social, fez
caminho e ganhou as batalhas mais importantes dessa mudança qualitativa no
sistema de relações industriais, que vai, exactamente, do extremo da luta de
classes à proa da concertação social. (……….) Um segundo momento decisivo veio a
ter lugar com a criação do Conselho Permanente de Concertação Social fruto de
propostas políticas separadas, mas convergentes, do PSD e do PS, apresentadas
na campanha eleitoral de 83. (……). Eis, pois, como, no preciso momento em que a
luta de classes se poderia agudizar e virar-se contra os interesses nacionais
de recuperação da crise económica, se persistiu e institucionalizou a
alternativa da concertação social. (………) Tenho para mim que esta “co-gestão
política” em que se vem traduzindo a experiência concertativa não é apenas
altamente favorável do ponto de vista económico e social como é também,
extremamente útil ao sistema político global. (…….) Um quarto momento decisivo
nesta mudança do sistema de relações industriais no País encontra-se na( …. )consagração
constitucional do Conselho Económico e Social. (…….) Sublinho que estou longe
de perfilhar um optimismo imoderado acerca da sustentabilidade vitoriosa da
experiência de concertação social no futuro próximo do nosso País. Há factores
que claramente podem favorecer o seu enraizamento, como a estabilidade
governativa alcançada por mais quatro anos e a situação de progresso sustentado
que se atravessa. Há também factores de sinal inverso, como a possibilidade de
ocorrência de posturas partidárias que procurem subverter, por razões de
interesse próprio no legítimo combate político –partidário, a estratégia
específica e autónoma dos agentes da concertação e cooperação em que esta
assenta.(…..)
Os desafios derivados das mudanças políticas, económicas, tecnológicas
e sociais que, dia a dia surgem bruscamente aos nossos olhos colocam esta
questão fulcral: a opção colectiva repousará nos valores da participação, do
diálogo e da consensualidade, ou vai preferir os do antagonismo radical e da
confrontação cega, como métodos de pretensa modernização rápida das nossas
estruturas produtivas?
No primeiro caso, bem se poderia dizer que a ideia da concertação teria
ganho raízes inextirpáveis e demonstrado construir um fermento da indispensável
coesão económica e social interna.
Na segunda hipótese, eu apostaria em que o dogma da luta de classes
ressurgiria dos escombros sob que está sepultado, decerto vestido com outra
fatiota e maquilhado com cremes de cor diferente – mas, afinal, não menos
instabilizador e nefasto do que o foi quando sufocou a liberdade, matou a
iniciativa individual e desprezou a dignidade de cada homem e a cidadania dos
homens.”
Lisboa Outubro de1991
IN " Empresas" Diário de Notícias pag. 36
IN " Empresas" Diário de Notícias pag. 36