São terríveis estes tempos, de dificuldade,
medo, indecisão, descrença. Falta-nos o “humos
da coesão nacional”. Faz-nos falta a tua inteligência, a tua percepção dos
movimentos sociais, a tua clarividência política. A nós, como família. Mas mais
importante, Henrique, é a falta que fazes a Portugal.
“O desmoronar de regimes totalitários, que muitos
visionaram utopicamente como a alvorada de um mundo novo, veio obrigar as
democracias representativas a olhar para o seu próprio espelho.
E o
rosto que esse espelho faz luzir revela sombras que preocupam. Não tenhamos
receio de o afirmar.
Não
existe riqueza de uma nação com ambiente de degradação social!
Como, porém, resolver o conflito de objectivos, que
se traduz na crise dos défices públicos, na necessidade de as empresas serem competitivas sem se transformarem
em «vulcões de despedimentos», na
obrigação de o Estado garantir segurança e justiça sem se tornar omnipresente,
burocrático e castrador das pessoas e da própria sociedade civil?
Como deixar desenvolver-se a liberdade
realizadora de cada um, quando, afinal, o
individualismo crescente dos cidadãos, gerado pela perda de valores de
autêntica solidariedade social, exige «mais e mais» do Estado, de quem, aliás,
imediatamente desconfia, critica e foge – para, a seguir, lhe exigir mais
prestações?
Como afirmar a autonomia vivificante das
instituições, organizações e associações privadas de representação de interesses, que são o rosto do
corpo social, quando, não raras
vezes, estão dependentes também de subsídios e apoios do Estado e, não pouco
frequentemente, reclamam deste intervenções em favor dos sectores e grupos que
representam, mas cujos custos oneram inevitavelmente os orçamentos públicos?
O
problema coloca-se também, porventura timbrado por outras causas, por exemplo, a dívida externa, a pobreza endémica. Numa
palavra, a insegurança de quem começa a
perder a memória das suas raízes e não descortina o norte que delas deve
brotar.
(…) A
abordagem, a discussão e as soluções desta questão têm de passar pela decisão
dos homens e das mulheres, dos jovens e dos idosos, dos empresários e dos
trabalhadores, dos profissionais liberais e dos quadros técnicos – ou seja, por
cada um de nós. Repito e sublinho: por cada um de nós.
(…) Eis-nos
defrontados com o nó górdio de produzir uma mudança cultural. Sem esta, não
haverá solidariedade social no respeito pela liberdade.
Eu
preferiria dizer de outro modo: liberdade significa solidariedade social, a
solidariedade social significa liberdade. A mudança cultural implica assumir
conscientemente e praticar responsavelmente os valores implícitos nesta visão.
Não o
conseguiremos ser, porém, se não formos lúcidos na percepção das causa de crise social, sapientes na reflexão e ponderados nas propostas, numa palavra, agentes credíveis nos processos de
mudança de que todos somos co-responsáveis.
Nesta co-responsabilização
de todos está a chave do sucesso deste enorme desafio. Porque é ela, essa
responsabilidade individual e solidária, o húmos da coesão nacional, sem
a qual não haverá progresso económico, justiça social, bem estar para todos.
Uma coesão nacional mas não
nacionalista, não proteccionista, não xenofobista – pelo contrário, uma coesão nacional solidária com os outros e, portanto, exigente de uma
fraternidade e de uma partilha equilibrada dos benefícios e dos sacrifícios que
se impõem a todos os homens do nosso planeta, a todos os povos, a todos os
Estados. (…)
H. Nascimento Rodrigues
Assembleia da República, Sala do Senado. Lisboa, Maio de 1995.