segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

O PENSADOR

Reencontramos, hoje, o Henrique. (Caloiro da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa).
Aos 18 anos, recém chegado a um novo continente que mal conhecia, a uma cidade que o assustava, a uma Faculdade elitista onde não tinha amigos, reflectia, (qual Pensador da arte nativa angolana), escrevendo:


        “A vida em sociedade é, segunda as melhores doutrinas, derivada da própria natureza do Homem.
       Assim, o «status societatis» é um bem, necessário, imprescindível, imperioso, pelo qual o homem alcança, ao servir-se dele, muitas das suas fundamentais necessidades. Entre elas, a convivência com outros seres humanos  não é das de somenos importância, se entendermos que a ausência de contacto gera, na maioria, um estado de insatisfação, de laconismo mórbido, de apática e inapropriada melancolia.
       Um Homem precisa de falar com outros homens? – Tem a sociedade, a convivência com seres de mentalidade conforme a sua, para dar lugar a essa necessidade. Mas o Homem também precisa de «falar consigo mesmo». É indispensável e não ridículo. Ridículo é a cobardia de se furtar ao monólogo, jamais a capacidade de o fazer!
       Olhando para dentro de si mesmo mirando o revolucionar das emoções que se geram, e degladiam no seu íntimo, auscultando, sempre que possível, o verdadeiro sentir do seu eu, o homem está a dar satisfação a uma necessidade de ordem psicológica.
       O que eu possa escrever, não tem interesse para ninguém, a não ser para mim próprio, que vou cuidar de analisar o que sinto e o que penso  e toda uma série de impressões que quer objectiva quer subjectivamente eu for colhendo.  Portanto, será, não só uma introspecção em sentido  filosófico - mas também uma vista de olhos pelo que me cerca e sobre tudo aquilo que me fere a atenção.
        Está a volver um ano desde que arribei a estas terras do Continente.   Em boa verdade – e contrariando as profecias dos mais velhos – eu não me acostumei, no sentido verdadeiro de perfeita e incondicional adaptação, ao ambiente e ao modo de vida metropolitano. Em meu entender, existe uma profunda diferença de mentalidades mesmo de usos e até de sentimentos.  Angolanos e  metropolitanos entroncam no mesmo ramo, somos portugueses.
Esta descendência  recíproca é o traço mais forte  da semelhança que se possa apontar entre uns e outros”. 

Lisboa 1958