quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

RECLUSOS E QUEIXAS


Em 2005, no âmbito das comemorações do 30º aniversário da Provedoria de Justiça, o Henrique concede uma longa entrevista à antena 1.
Um dos temas aflorados foi o dos relatórios sobre o sistema prisional português. A partir daqui, quisemos ir mais longe, quisemos saber “ O Modo de actuação do Provedor de Justiça no sistema prisional”. Publicamos hoje um pequeno excerto de uma intervenção feita em Bruxelas, (Setembro de 2001), subordinada ao tema: “ O Ombudsman e o sistema prisional”  

“ O Provedor de Justiça é, por natureza e nuclearmente, um defensor e garante dos direitos fundamentais da pessoa humana contra qualquer acção ou omissão ilícita dos poderes públicos.
Por banal que seja, é a partir desta formulação e da sua inserção na teoria dos Direitos Fundamentais, própria do Estado Social de Direito, que se pretende enquadrar a actuação do Provedor de Justiça no meio prisional.(…)
Para além de privados, por decisão do Estado dotada de coercibilidade, de um direito básico, qual seja o da liberdade de autodeterminação e de circulação, encontram-se os reclusos sujeitos a relações especialíssimas de poder durante a execução da medida privativa de liberdade.(…)
Como em todos os sectores da Administração Pública, também em relação à Administração Prisional o Provedor de Justiça actua, de acordo com as suas competências, quer por iniciativa própria, quer em resposta a apelos que lhe são dirigidos, sob a forma de reclamação ou queixa.(…)
Quer por receio do recluso de, directamente, apresentar a queixa, temendo eventuais efeitos negativos para a sua situação interna no estabelecimento prisional, quer por motivos de intervenção cívica e de participação associativa, nota-se que uma parte significativa das reclamações recebidas é apresentada por outrem que não o directo interessado.(…) 
A Lei impõe que o Provedor de Justiça, antes de formular quaisquer conclusões, ouça a entidade administrativa visada na queixa. (…)
Para tal, socorre-se o Provedor de Justiça de contactos, por todos os meios, com os serviços envolvidos, a nível local como central, requerendo a realização de exames, remessa de documentos, procedendo à realização de visitas, com ou sem aviso prévio e ouvindo, presencialmente ou por escrito, quem entenda por bem para esclarecimento da verdade.
A este nível, (…) tem-se entendido fazer escasso uso do poder de recomendar, preferindo-se a chamada de atenção para a existência do problema e fazendo-se sentir a viabilidade do mesmo ser minorado, possivelmente através do meio que se indica a título de mera sugestão ou de proposta de solução. (…)
Tem-se por norma, mesmo nas reclamações consideradas improcedentes, explicar com detalhe as razões porque não entende o Provedor de Justiça como viável qualquer actuação junto da administração prisional.”
Bruxelas, Setembro 2001

  

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013



“Só vale a pena viver uma vida se ela tiver algum sentido de utilidade para os outros”.
Em entrevista à jornalista Ana Sousa Dias, Antena 1 ,2005

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS


Ana Sousa Dias – A Provedoria de Justiça comemora este ano (2005) o seu 30º aniversário. Estão a fazer uma série de iniciativas de comemoração, não propriamente só uma, mas várias. A mais recente, precisamente esta semana,  foi o II Colóquio Luso - Brasileiro de Provedores de Justiça e Ouvidores. O que é que isto quer dizer? Como é que foi?

Nascimento Rodrigues – “A intensão foi de trazer a Lisboa os Ouvidores Públicos Brasileiros. Não são Provedores de Justiça. O Brasil é dos poucos países da América Latina que não tem o Ombudsman, mas estes Ouvidores podem ser um instrumento de sensibilização, no Brasil, para que se possa vir a criar, amanhã, nos termos que o Brasil decidir, isso é um problema interno do Brasil, a figura do Ombudsman. Aproveitamos e trouxemos também, o Presidente da Federação Ibero Americana de Ombudsman para transmitir a experiência dos países da América Latina, que, como lhe disse, têm, quase todos, o Provedor de Justiça. Na América Latina chama-se Defensor del Pueblo, seguindo o modelo espanhol. Veio também a Adjunta  Primeira do Defensor del Pueblo de Espanha e o Comissário Contra a Corrupção de Macau. Nós nunca nos esquecemos de Macau. Integrado, embora, na China, é um território em relação ao qual mantemos um particular afecto. Portanto veio o comissário contra a corrupção de Macau, mas que também tem a parte Provedoria de Justiça, e, é essa a razão de ter vindo.
E veio, a convite meu, o primeiro Provedor de Justiça eleito, de Angola. Foi eleito há pouco tempo, há pouco mais de um mês, ainda não tomou posse,  ainda não tem instalações, mas foi uma excelente oportunidade para contactar comigo,  contactar com Espanha, com América Latina, com o Brasil, ter outra visão, de outras experiências.
A.S.D - Estamos a pensar precisamente num universo em que deve haver muitas razões para os cidadãos se queixarem, a América Latina.
N.R. - “É diferente o tipo de queixas, na América Latina, tanto quanto me tenho apercebido, provavelmente como acontecerá em Angola, não sei. É diferente da Europa. A Europa já tem um estado de desenvolvimento político, económico e social mais avançado. Portanto as queixas centram-se mais nas questões da legalidade dos actos e dos comportamentos dos poderes públicos, ao passo que  na América Latina, tal como nos países menos desenvolvidos, as queixas centram-se mais naquilo que se entende como a defesa dos Direitos Humanos”.
A.S.D. - É curioso … o Provedor de Justiça, o Defensor del Pueblo em Espanha, surgiu depois do de Portugal, porque a democracia também veio depois ….
N.R. – “Surgiu. Aprendeu um pouco com a experiência portuguesa. O modelo espanhol é muitíssimo parecido com o modelo português”.
A.S.D.- Depois, há os outros países da CPLP, que, também estão a ter Provedores de Justiça, mas com apoio do Provedor de Justiça português.
NR- “O primeiro Provedor de Justiça e dos Direitos Humanos, é assim que se chama, é de Timor Leste. É muito curioso. Foi este longínquo país, o primeiro, depois de Portugal, obviamente, a criar o seu Provedor de Justiça e dos Direitos Humanos. Antes ainda da eleição do Provedor, isto foi o ano passado, pediram o apoio do Provedor de Justiça de Portugal através da deslocação de um colaborador meu. Foi a Dili para apoiar a elaboração do modelo legislativo do Provedor de Justiça, porque também lá, um pouca à semelhança de Macau, estavam a pensar ter um Provedor de Justiça como cá, mas ter também o combate à corrupção dentro da Administração Pública. Julgo que Timor acabou por ir para esse modelo híbrido, digamos assim, e elegeu finalmente o seu Provedor de Justiça.
Depois veio Angola, o Provedor já foi eleito, como lhe disse. Eu espero que Cabo Verde possa também criar o seu Provedor de Justiça. Já está previsto na Constituição, já tem estatutos, falta só eleger a pessoa. 
Para mim seria muito bonito, que antes de terminar o meu mandato, nós pudéssemos avançar com o apoio a estes Provedores de Justiça, e, depois, quem vier depois de mim, criar uma associação dos Provedores de Justiça Lusófonos, tal como existe a Federação Ibero Americana de Ombudsman, como existe a associação francófona dos Ombudsman dos Mediateurs de la Republique, porque não, um dia, uma associação lusófona de Provedores de Justiça?
Mais dia menos dia acontecerá, não já no meu tempo, mas acontecerá certamente.”

Lisboa, 5 de Junho de 2005.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

TORNADO




Tornado me torna triste,
Triste me tenho tornado,
Torna a tristeza a tornar,
Como torna este meu fado
Rodopia este tornado

e a chuva e a ventania
e a tristeza e a nostalgia
tornam sempre para o meu lado

Albano  Neves e Sousa
1969

domingo, 24 de fevereiro de 2013

SODADE








sábado, 23 de fevereiro de 2013

VISIONAR MAIS LONGE


Em 2005 a Provedoria de Justiça comemora 30 anos de existência. Na efeméride, o Henrique concede à jornalista Ana Sousa Dias, da Antena 1, uma longa entrevista. Neste excerto, que hoje publicamos, ficamos a conhecer uma Provedoria mais de acordo com as ambições do seu segundo mandato, mais pró-activa, mais próxima dos cidadãos.  
Nascimento Rodrigues – “Por vezes temos procurado também fazer análises mais vastas, indo para além da queixa, procurando visionar mais longe.
Dou-lhe o exemplo de relatórios sobre os Serviços Prisionais. O primeiro relatório feito em 1996, o segundo relatório feito em 1998 ou 99, o terceiro relatório em 2002. Aí, o Provedor de Justiça já não está a ver as queixas, parte exactamente da experiência que lhe advém das queixas recebidas, e vai analisar um determinado sector de actividade da Administração Pública. É evidente, que, o Provedor de Justiça não tem meios para fazer as duas coisas ao mesmo tempo, como calculará. Tenho um certo número de pessoas que trabalham comigo para efeitos de análise e proposta de resolução das queixas, e, estamos, de facto, relativamente absorvidos com o volume anual, que, como lhe disse há pouco, vai aumentando gradualmente.
Portanto, digamos que sobram poucos meios, sobra pouco tempo, para fazer este tipo de inspecções, ou, de averiguações, mas, sempre que podemos fazemos. Fizemos essas inspecções aos estabelecimentos prisionais, que são as mais conhecidas. Concluímos há pouco tempo, e, já foi enviado ao Governo Regional dos Açores, um relatório sobre a inspecção aos lares de idosos da Região Autónoma dos Açores, e, tenho em minhas mãos, um relatório de uma inspecção que foi feita à Comissão Nacional de Reserva Agrícola e às Comissões Regionais de Reserva Agrícola. E, isto é importante, para quê? - sem querer antecipar as conclusões, porque obviamente respeitarei as relações institucionais, e, é ao Governo que enviarei em primeira mão o relatório – mas isto é importante  para podermos aperceber-mo-nos se a Reserva Agrícola Portuguesa, que ocupa um pequeno espaço do território nacional, está a ser usada abusivamente ou fraudulentamente, se quiser exprimir-me em termos mais abertos,  para outras finalidades.
A.S.D- E, a sua percepção antes das conclusões, …?
N. R. – “Está. Está a acontecer. Infelizmente está a acontecer.”
A.S.D.- Imagine que tem esse relatório concluído. O que é que acontece a seguir? Apresenta as conclusões do relatório, e, quais sãos os efeitos que pensa  que esse relatório pode vir a ter?
N.R- “Os relatórios contem conclusões e contem recomendações, ao Governo.  Ou recomendações de tipo legislativo, ou seja: ‘é preciso modificar a lei neste ou naquele aspecto’, ou ‘é preciso fazer  uma lei nova’, ou recomendações de tipo não legislativo, isto é, recomendações de tipo organizativo – ‘é preciso introduzir informática por exemplo nos estabelecimentos prisionais’, ‘ligar isto em rede para que as coisas possam andar mais rapidamente’.  São diferentes os tipos de recomendações neste caso das inspecções.
Depois o que acontece é que é preciso que o Governo nos transmita a sua posição, em termos de acatamento ou não acatamento. Em regra, como no caso das prisões é um acatamento genérico até porque o relatório das prisões contem 900 ou 1000 recomendações e os ministros por motivos de táctica política dizem -  está bem nós aceitamos as suas recomendações
A.S.D E como depois não aplicam alterações o Provedor tem que insistir…  novo relatório…
N.R. – “Infelizmente em relação ao sistema prisional não tem havido muitas mudanças depois do último relatório”.
Lisboa, 5 de Junho de 2005.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

UMA QUEIXA…É MUITO FÁCIL


O Henrique é reeleito para o cargo de Provedor de Justiça em 2004. Em 2005 a Provedoria de Justiça comemora 30 anos de existência. Na efeméride, o Henrique concede à jornalista Ana Sousa Dias, da Antena 1, uma longa entrevista. No excerto, que hoje publicamos, revela-se parte do quotidiano da Instituição.

Ana Sousa Dias - Os portugueses queixam-se muito?
Nascimento Rodrigues“ Não faço ideia. Não sei dizer-lhe. A única coisa que eu lhe posso dizer é que a partir da década de 90 se tem assistido a um aumento gradual, a um aumento sustentado, do volume de queixas ao Provedor de Justiça. E é muito fácil, é muito fácil, fazer uma queixa ao Provedor de Justiça. Pode apresentar uma queixa por carta, pode apresentar uma queixa por correio electrónico, pode apresentar uma queixa por tele-fax e também por telefone, (desde que haja aí um controle sobre a autenticidade de quem está a fazer a queixa), e pode ir pessoalmente à Provedoria de Justiça. Portanto isto é muito fácil e ainda por cima é gratuito. O cidadão não paga um cêntimo, para além do selo da carta, eventualmente. Não lhe sei dizer se os portugueses se queixam muito ou não. Acho que se queixam razoavelmente.
A.S.D.- A ideia que eu tenho é que os portugueses gostam muito de dizer mal, de se queixar, mas depois não passam á fase seguinte, não tomam medidas para resolver o problema, ficam a queixar-se.
N.R.“ Não. Não diria isso. Eu diria que o que nós deparamos, muitas vezes, é com uma explicação pouco esclarecedora sobre o motivo da queixa. Vou-lhe ser franco. Muitas pessoas escrevem mal, incluindo pessoas licenciadas. Já recebi queixas de professores que começam por me escrever assim: Senhor Provedor de Justiça, eu sou ‘á’ cinco anos, ‘à’ sem h, um professor, isto não pode ser…!
A.S.D.- Dá vontade de mandar para trás…
 N.R – “Não, não mando, isto não é motivo de recusa, mas é motivo de observação. Mas não era a isso que eu referia, referia-me a queixas de outro tipo, de pessoas que tem alguma dificuldade em se explicar bem sobre o que é a queixa. Porque de facto, aquilo que se nota, e, também por causa disto a beleza institucional do cargo, muitas vezes as pessoas começam a escrever e passam a contar os problemas da sua vida, para finalmente lá para fim, nas últimas linhas, acabaram por dizer: Senhor Provedor  é por causa disto que me estou a queixar, mas antes de se queixarem contam um pouco a sua história, como eu lhe dizia, isto dá beleza institucional ao cargo. Mas para responder à sua pergunta, é mais a dificuldade em exprimirem as razões da queixa. Claro que essa dificuldade depende do nível habilitacional do queixoso que é muito diferenciado, percebemos pelas queixas que temos pessoas com nível habilitacional baixo, e que temos licenciados, o que não significa, como já referi, que seja uma queixa bem apresentada”.
ASD- Estas queixas dizem respeito, essa a função do Provedor de Justiça, a problemas do funcionamento do Estado, embora haja também, ultimamente  queixas de conflitos com privados…
N.R. “Fundamentalmente as queixas têm que dizer respeito às questões de ilegalidade ou questões de justiça. Suponha, que recebeu um notificação da sua repartição finanças, para a deixar bem disposta, que lhe aplica um imposto que é superior aquele que calculou, e, que acha, é devido, em função do código do IRS. Ou se dirige directamente à repartição de finanças, faz uma reclamação, e isso leva muito tempo até ser decidido, ou faz uma queixa ao Provedor de justiça, invocando a ilegalidade que foi cometida. Aí está, a administração pública cometeu um acto ilegal, cometeu uma ilegalidade. É sobre isto que incide a acção quotidiana do Provedor de Justiça”.
Lisboa, 5 de Junho de 2005.

1983-2013


Vai para três anos. O Henrique deixou de estar connosco em 2010. Deixou de nos acompanhar, de nos ouvir, de trocar ideias com a família, com os amigos. À dor, que a sua ausência definitiva nos provoca, soma-se a falta de tudo que ele representava, da segurança que nos transmitia, da referência que sempre foi, enquanto pai, político, ou, simplesmente amigo. Hoje deixamos meia dúzia de linhas, com um propósito: dizer, por seu intermédio, que há um caminho de esperança.

Mas vamos entrar agora num período mais difícil. Por um lado porque os efeitos das medidas adoptadas far-se-ão sentir com mais acuidade no nosso dia- a- dia, por outro lado, porque há áreas em que terão de ser tomadas medidas de repercussão muito sensíveis. É fácil explorar o desagrado nessas circunstâncias, mas para isso há o antídoto de uma política coerente de verdade e de justiça. A nossa resposta tem de ser dada cumprindo a esperança dos que em nós votaram.”
H. Nascimento Rodrigues, Lisboa 1983

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

ESTE É O MEU AVÔ



Este é o meu avô. No meio de catorze, já nem sei que neto sou

SOMOS DIFERENTES



Regressamos a 2005 - primeiro ano, do segundo mandato do Henrique, como Provedor de Justiça. A Instituição que dirige comemora 30 anos de existência. Compreende-se que, sendo tão avesso ao contacto com a comunicação social, conceda, desta vez, à antena um, uma longa entrevista. Vamos ler um excerto dessa entrevista:

Ana Sousa Dias – Eu vi, também, que o ano passado ficaram encerrados 80% das queixas que foram feitas à Provedoria. É uma percentagem muito elevada.!

Nascimento Rodrigues –“É uma percentagem gratificante. Eu, desde que assumi este mandato, tenho procurado transmitir aos meus colaboradores uma visão muito nítida sobre a necessidade de alguma celeridade por parte da Provedoria de Justiça. Nós temos que nos distinguir, entre outras coisas de que nos distinguimos, também temos que nos distinguir em relação à própria celeridade que imprimimos aos nossos processos, e, àquilo a que eu chamo a baixa da pendência do Provedor de Justiça. Ou seja, não deixar acontecer, como muitas vezes acontece nos próprios tribunais, que existam processos a acumular-se sem possibilidades de resolução. E para que o Provedor de Justiça se distinga quer da Administração Pública, quer dos Tribunais, ele tem que ser mais célere, portanto, na resolução das queixas que recebe.
Claro que isto não depende exclusivamente da produtividade interna da Provedoria de Justiça, porque, em todas as queixas que entram, e que são admitidas, nós somos obrigados a ouvir a entidade pública em relação à qual a queixa ocorre, seja em relação a um membro do Governo, seja em relação ao Director Geral ou Director Regional, enfim, seja em relação a uma Câmara Municipal, por exemplo.
O Provedor não pode tomar uma decisão sem ouvir o poder público, a entidade pública que é visada nas queixas. Este é um bom princípio, é um princípio do contraditório, e, é aqui, que, muitas vezes, se verifica efectivamente um atraso acentuado nas respostas ao Provedor, e, como eu não posso decidir sem ter as respostas, muitas vezes os processos demoram mais do que aquilo que nós desejaríamos. Em todo o caso, como eu lhe disse, pelo menos em relação ao ano passado, e, as orientações são para que este ano isso ocorra também, existe um alto grau de celeridade na resolução das queixas”.
A.S.D- Essas queixas que lhe aparecem na Provedoria, disse agora que as que são admitidas, o que pressupõe que algumas não são admitidas. Porquê? Que queixas não são admitidas na Provedoria?
N.R. –“Não são admitidas as queixas que não são da competência do Provedor de Justiça. O caso mais frequente de recepção de queixas deste tipo é aquilo que se refere a decisões, que, os cidadãos consideram injustas, dos Juízes.
Bem, o Provedor de Justiça não tem competência para interferir sobre o poder judicial. Isto é uma esfera de acção que escapa completamente à competência do Provedor de Justiça. Também não tem competência, não pode interferir na esfera política propriamente dita, o que se compreende, se quer manter a sua independência, ele não pode deixar “embrulhar-se”, desculpe a expressão, nas questões de opção política. Portanto esse tipo de questões…  muitas vezes recebo uma queixa: porque é que o Governo não faz isto ou aquilo, porque é que a Câmara Municipal não abre uma estrada aqui, não abre uma estrada acolá, são opções, quer do Governo, quer das Autarquias, em que o Provedor não pode interferir.  
Fundamentalmente a intervenção do Provedor de Justiça incide sobre as questões de legalidade ou também sobre questões de justiça dos actos administrativos”.
A.S.D.- Essas queixas que são admitidas, e que, como disse, são resolvida com celeridade: pode dar exemplos de situações que, nos últimos tempos, tenha sido possível resolver rapidamente?
N.R.” Há vários exemplos que lhe posso dar: por exemplo, queixas sobre atrasos judiciais. Este é um aspecto da justiça em que nós podemos interferir porque é considerada uma feição administrativa dos tribunais. Aí, o Provedor de Justiça pode interferir. Em relação a atrasos judiciais a respostas são razoavelmente céleres. Repare, eu não estou a afirmar, porque isso não seria verdade, que quando há uma queixa sobre um atraso de um julgamento, que o julgamento nunca mais vem, nós recebamos uma resposta a dizer que o julgamento vai ser marcado. Não, não é isso. Nós recebemos uma explicação sobre os motivos do atraso, e, isso, já é uma informação que o reclamante não tem, e, pode compreender melhor porque é que o seu julgamento ainda não foi marcado.
Temos também muitas vezes queixas quanto a questões de celeridade por parte os Serviços de Estrangeiros e Fronteiras: queixas sobre atrasos a pedidos de  autorização de residência de emigrantes ou de renovações de autorização  de permanência. Essas queixas, conseguimos obter uma resposta do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras,  com alguma brevidade.  
E depois há um conjunto muito diversificado de pequenas questões de que muitas vezes o cidadão se queixa: não consegui obter uma informação da parte de um ministério, pedi um documento e não tenho documento etc.. o Provedor de Justiça consegue resolver com relativa rapidez, porque não necessitam de um estudo jurídico.”

 Lisboa, 5 de Junho de 2005.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

OMBUDSMAN E DEMOCRACIA


 Na próxima hora, na antena 1, Ana Sousa Dias conversa com o Provedor de Justiça, Dr. Nascimento Rodrigues. Lisboa, 5 de Junho de 2005.

Ana Sousa Dias - Nascimento Rodrigues, nascido no Luso, em Angola, este ano é o ano do 30º aniversário da Provedoria de Justiça, de uma Instituição que tem um papel muito importante na Justiça em Portugal, embora esteja fora, digamos, do sistema de Justiça.
Nascimento Rodrigues – “É verdade”.
A.S.D.- É uma Instituição que só nasceu depois do 25 de Abril, só era possível depois do 25 de Abril.
N.R.- “Necessariamente. Só em regime democrático é que pode existir o Provedor de Justiça, ou o Ombudsman. Porque é um órgão com uma independência total, eu diria que é da sua própria essência, a independência perante os outros poderes, o poder executivo, o poder legislativo, e, portanto, só em regime democrático é que ele tem razão de ser. Se não fosse em regime democrático ele estaria subordinado, com certeza, ao poder executivo, e isso já não seria um Provedor de Justiça”.
A.S.D. - Ao ler a documentação que tinha para preparar percebi que não há sequer recurso de uma decisão do Provedor de Justiça.
NR – “Não. Não há”.
ASD- É eleito pela Assembleia da República, por um mandato de quatro anos e também não pode ser demitido, pelo Governo, nem pela própria Assembleia da República.
NR –Nem pela própria Assembleia da República. A lei estabelece quais as são as circunstâncias em que pode haver uma cessação antecipada do mandato do Provedor de Justiça. São circunstâncias normais. A morte, a impossibilidade física permanente, perda de requisitos de elegibilidade pela Assembleia da República, mas não prevê, e isso é curioso, de facto, não prevê que a própria Assembleia possa demitir o Provedor de Justiça. Devo dizer, para ser verdadeiro, que, em alguns outros países europeus, não é assim. Está prevista, expressamente, a possibilidade de o Parlamento poder fazer cessar, antecipadamente, o mandato do Provedor de Justiça através de uma eleição nos mesmos termos em que elege o Provedor de Justiça, Mas também confesso que, na prática, não conheço nenhum caso, em nenhum país europeu, em que o Provedor de Justiça tenha sido demitido pelo parlamento que o elegeu”.
ASD- A minha questão não era achar que era um direito excessivo. Não é isso. De facto é uma particularidade. Não é costume esta situação
NR- “Não, não é costume. Também dei-me dizer-lhe uma coisa: não penso que isso seja muito importante do ponto de vista conceptual ou de legislação, porque, na prática, se houver um desagrado manifesto e mais ou menos contínuo, da Assembleia da República, do Parlamento, face ao Provedor de Justiça, é evidente, que ele tem que tirar as consequências políticas, ou seja tem que renunciar ao lugar. Isso para mim é evidente”.
ASD- Já alguma vez sentiu que havia alguma má vontade…
N.R.- ”Nenhuma, nenhuma. Ainda bem que me faz essa pergunta, porque penso que isso é importante para os ouvintes. Aconteceu comigo, e tenho a certeza que aconteceu com os meus antecessores. Não há a mais pequena pressão, seja de que tipo for, face ao Provedor de Justiça quer por parte do executivo quer por parte da Assembleia da Republica. Nenhuma influência, nenhuma pressão. Na prática, o Provedor de Justiça é efectivamente independente.”
ASD - Pensou que ia acontecer assim quendo aceitou em 2000?
NR – “Pensei. Pensei. Em primeiro lugar, tinha conhecimento razoável de como é que as coisas se tinham passado em Portugal ao longo destes anos, e, em 2º lugar, nunca aceitaria um cargo desta natureza se por ventura fosse submetido a pressões.”
ASD - É que há uma grande desconfiança por parte da população em relação a todos os cargos políticos e em relação à Administração em geral. Essa sua confiança no cargo que depois exerceu, uma confiança que existia à partida, é no mínimo interessante.
NR –“ Não, não é, porque o Provedor de Justiça é mesmo assim em todos os países democráticos. É uma instância completamente independente, uma instância que não tem poderes, esta é outra característica fulcral do Provedor de Justiça. Ele não tem poderes, não pode mandar, e, portanto, daí um certo distanciamento em face aos poderes públicos, aos poderes políticos, portanto. Não, não me admirou muito que fosse assim.”
Lisboa, 5 de Junho de 2005.

domingo, 17 de fevereiro de 2013

NÃO É ESTRADA É CAPIM






Não.
Não é estrada.
… É picada, cheia de capim,
macuta e meia de nada…
- Picada, 
cheia de mim


Albano Neves e Sousa

(fonte)- Obra poética de Neves e Sousa,
Fundação Lusíada, 2005



Lisboa, Campo Grande, 1959



sábado, 16 de fevereiro de 2013

PODER SINDICAL, PODER POLÍTICO, PODER ECONÓMICO



 “Ninguém duvidará que greves repetidas e constantes não são favoráveis à recuperação económica de que o país tanto precisa. Pergunto-me se no fundo não estaremos a caminhar para uma situação económica e social muito pior do que aquela que seria possível obter, se todos fizéssemos um esforço para sabermos quais os limites a repartir pelos portugueses."
“Só os ingénuos, ou os que não querem ver, é que não retirarão a conclusão de que se pretende criar no nosso País, uma situação de confusão, indecisão e desestabilização, situação que é caldo de cultura propício para que as forças totalitárias e seus companheiros de meias tintas recuperem um poder que começaram  a perder.

Lisboa 1982



"Fico constrangido quando alguém afirma não ter qualquer espécie de ambição e se acomoda a ser “um rosto cinzento da vida”. Entendo o poder como instrumento para a realização do bem comum e, nessa medida, uma fonte de realização pessoal também. O exercício do poder, assim entendido, pode ser justamente gratificante. Que mal há nisso? Penso que um dos erros da sociedade portuguesa é, exactamente, o de não estimular, e até desvalorizar, as capacidades individuais de afirmação e de realização solidária.”

Lisboa 1991

 É da natureza das coisas que o poder económico tente afirmar-se sobre os outros poderes, em particular o político. Isso acontece sobretudo em fases de rápido crescimento económico, que provoca sempre mutações. As sociedades democráticas e os povos maduros (isto é com História e sabedoria de vida) são capazes, porém de absorver e regular as expressões de caciquismo económico e novo-riquismo, enquadrando-as sob valores de justiça, solidariedade e progresso sustentado. Estou convicto que isso acabará também por ocorrer em Portugal e que o verdadeiro poder empresarial – criador de riqueza sábia, de postos de trabalho válidos e de desenvolvimento nacional – surgirá na sua plenitude. Será benvindo, porque aceitará o seu lugar na sociedade, que é indispensável, sem querer sobrepôr-se aos outros poderes”.
Lisboa 1991
.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

NÃO RECUO EM DIZER O QUE PENSO


16 de Janeiro de 2008.  Ainda os esclarecimentos (na Comissão de Orçamento e Finanças da Assembleia da República) sobre o relatório do Provedor de Justiça (execuções fiscais).
“ Nós sabemos que a nossa Administração é morosa. Aquilo que a Provedoria encontrou nos Serviços de Finanças, neste aspecto das execuções fiscais, não é muito diferente do que podemos encontrar noutros sectores da Administração Pública.
Eu não ignoro que nestes últimos dois anos possa ter havido uma maior pressão para recolha dos valores tributários. É evidente que perante essa pressão os Serviços podem ter sido confrontados com algumas situações de fronteira ou mesmo claras de violação de direitos, mas eu não creio que isso seja típico da D.G.I, e não gostaria de dizê-lo assim, e até por outra razão que eu não quero deixar de explicar aos Senhores Deputados. No fundo eu explicaria qual é a postura do Provedor de Justiça perante uma inspecção ou perante uma queixa relativamente à Administração. A minha postura é esta, muito clara, sempre o disse. É uma atitude cooperativa. É uma atitude cooperativa com as administrações. Porquê? Por uma razão muito simples e muito pragmática: o provedor não tem poderes de injunção, eu não posso obrigar.
Qual o caminho que estrategicamente eu devo seguir para convencer os sectores das Administrações a tomar as medidas que eu considero de reposição da legalidade ou da reposição da justiça: é um caminho de influência, de convencimento e não da “agressão”. Porquê? Não é por causa do provedor, é por causa das pessoas, é por causa dos reclamantes. O que eles querem é ver resolvidas é as suas situações. Eu nunca assumo uma atitude de hostilidade para com os sectores das administrações, eu não a assumo também perante a administração dos impostos. Mas não se recua nunca também a dizer aquilo que se vê e que se pensa.
(…)Foi intenção do relatório a correcção dos procedimentos concretos que foram verificados e é nesse sentido que apontam as conclusões.(…) Eu creio que nós vamos resolver isto através do relatório, e esta vai ser a minha conclusão final.
Quer nas queixas concretas dos cidadãos, quer quando faço inspecções, e elaboro relatórios, a atitude de cooperação construtiva com as entidades públicas, que são visadas nuns casos e noutros, leva-me sempre a tentar conseguir resultados.
Eu não faço relatórios para deleite intelectual, nem faço relatórios para show mediático. Eu faço relatórios para defender os direitos dos cidadãos e atingir resultados concretos.
Este relatório vai ter um processo sequencial, vai ter uma dinâmica. Uma dinâmica de uma primeira resposta da DGI, que já temos em mãos, e que está a ser analisada, uma dinâmica da resposta do Senhor Governador do Banco de Portugal, não tenho dúvidas nenhumas que a dará, e depois nós vamos tomar novamente uma posição, ou seja não encerraremos o processo. O que eu posso fazer, e terei imenso prazer em fazer é no final deste processo, dinâmico, dialéctico, apresentar a esta câmara as conclusões finais a que chegarmos. Muito obrigada”


Assembleia da República, 16 de Janeiro de 2008

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

E OS TRIBUNAIS?


16 de Janeiro de 2008. A pedido do CDS/PP, o Henrique está presente na Comissão de Orçamento e Finanças da Assembleia da República a fim de prestar esclarecimentos sobre o relatório do Provedor de Justiça (execuções fiscais).

“ Relativamente às questões levantadas. Não vou responder à questão dos meios, porque obviamente perante os dados apresentados é compreensível qual seria a minha resposta.
Os meus colaboradores sabem bem. Não tenho a ideia de que para atacar determinados problemas seja necessário mais funcionários, sempre mais funcionários. Acho que isso é um erro.
O que temos conseguido na Provedoria é o que tenho escrito nos relatórios anuais, e como jurista não me envergonho de afirmar: maior produtividade, maior produtividade. Mas isso devo-o exclusivamente ao empenho dos meus colaboradores na Provedoria de Justiça. Se aumentou o número de queixas, se a pendência baixou, e, eles são os mesmos….
Mais meios, sim, mas com cuidado, porque, provavelmente, não se resolvem assim todos os problemas.
Levantou-me o problema da prescrição das dívidas. Eu fiquei espantado quando li esta informação no relatório. De facto quase todos os serviços do Serviço de Finanças não procedem ao conhecimento oficioso de prescrição de dívidas, e isso é importante do ponto de vista do contribuinte (não se podem cobrar dívidas prescritas), mas é importante no plano dos interesses do Estado. O Estado deixa de cobrar aquilo que seria devido. Quais são as razões? Eu não sei mas é uma realidade que o relatório atesta e que eu penso que é errada.
Não quero deixar de tocar no funcionamento da justiça fiscal ou de qualquer outro Tribunal, Criminais ou Civeis. 
O provedor tem um deficiente conhecimento do funcionamento dos tribunais. Nós recebemos queixas, evidentemente, de cidadãos que reclamam por causa do atraso dos tribunais seja de que espécie for seja de que instância for. Tratamos esses casos, por vezes com alguma desenvoltura, contactando directamente os tribunais, de modo a obter resposta, embora a lei nos obrigue a tratá-los através dos Conselhos Superiores da Magistratura, ou dos Tribunais Administrativos e Fiscais. Eu não me permito concluir, porque seria enganar os Senhores Deputados, coisa que eu não faço, que através destas queixas, que vamos conseguindo resolver, possamos ter um bom conhecimento do funcionamento dos tribunais. Não temos. Seria porém importante que o Provedor de Justiça conseguisse fazer um excelente relatório, que seria muito útil. Mas lá está: depende das opções estratégicas. Para fazer uma inspecção desta natureza, e tirar conclusões…. leva mais de um ano. Quem tiver este trabalho não pode tratar de processos. As queixas têm que ficar na gaveta”.
Assembleia da República, 16 de Janeiro de 2008

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

É GRAVE TODA A VIOLAÇÃO DA LEI


Novembro de 2007. É tornado público o relatório do Provedor de Justiça, sobre a acção inspectiva aos Serviços de Finanças, na área de execuções fiscais. No dia 16 de Janeiro de 2008, a pedido do CDS/PP, o Henrique está presente na Comissão de Orçamento e Finanças a fim de prestar esclarecimentos sobre esse relatório. Vamos ler:

“ Este relatório (…) não é um relatório sobre casos casuisticos, porque, quando queremos apreciar o comportamento de um serviço nós não queremos puxar duas ou três dúzias de processos para saber se os serviços procederam bem ou mal. Não é isso. São os procedimentos dos Serviços de Finanças na área das execuções fiscais, que estão em causa, e não os casos concretos. Esses vieram antes. Despoletaram a recomendação. Esta recomendação tem determinadas conclusões, e, são essas conclusões que depois consubstanciam as duas recomendações que referi aos Senhores Deputados, uma delas para a Direcção Geral dos Impostos, e, outra, para o Senhor Governador do Banco de Portugal. (…)
Mas eu não gostava muito de distinguir a importância de uma questão sobre outras questões. Tudo aquilo que constitui violação da lei, é grave. Ponto final.
Mas chocou-me pessoalmente, fiquei espantado, com as questões das penhoras de vencimentos e de saldos das contas bancárias.
Está confirmado que, efectivamente, os bancos procedem ao congelamento, (à penhora), de todo o saldo das contas bancárias. Não vimos aí nenhum procedimento incorrecto da D.G.I., visto que as notificações que são feitas, são, do ponto de vista legal, correctas.
Não entendemos, de facto, o porquê destes procedimentos em relação aos bancos. Nós não assinalamos os casos na inspecção. Nós assinalamos os casos de queixas recebidas que estão citadas na recomendação dirigida ao Senhor Governador do Banco de Portugal.
Isto sensibilizou-me pessoalmente porque se se trata de pessoas que recebem salário ou pensões de velhice ou sobrevivência, ou outro tipo de prestações de natureza  social, isso, aí, não pode haver contemplações.
Mete-me muita confusão este comportamento dos bancos e estou a aguardar ainda resposta do Senhor Governador do Banco de Portugal. A recomendação foi enviada a 14 de Novembro. O Senhor Governador, como as outras entidades públicas, tem um prazo de 60 dias para responder ao Provedor de Justiça. Está a terminar dentro de poucos dias. Se não tivermos resposta, iremos insistir”. 
  Assembleia da República, 16 de Janeiro de 2008

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

O MEU AVÔ PARA SEMPRE


Em Abril faço 6 anos. Lembro-me muito bem do meu Avô Henrique



“Uma paixão é eterna. Não se compadece com essa insignificância que é a morte”
Rosa Lobato Faria 

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

AS PESSOAS EM PRIMEIRO LUGAR


Embora a recepção de queixas fosse, para o Henrique, a centralidade da acção da Provedoria de Justiça, foram também realizadas importantes inspecções ao longo dos seus dois mandatos. Já vimos que, atendendo ao número elevado de queixas dos cidadãos na área de execuções fiscais, foi desencadeada, a partir de Junho de 2006, uma acção inspectiva a diversos serviços de finanças. Em Novembro de 2007 é tornado público o relatório final. No dia 16 de Janeiro de 2008, a pedido do CDS/PP, o Henrique está presente no Parlamento (na Comissão de Orçamento e  Finanças), para análise do relatório.

“ Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados”
“Permitam-me que comece por agradecer a amabilidade do convite para estar presente nesta comissão para se proceder à análise do relatório sobre os Serviços de Finanças, na parte das execuções fiscais. Deste relatório resultaram duas recomendações: uma para a Direcção Geral dos Impostos, outra para o Banco de Portugal. Quer o relatório quer as recomendações são do conhecimento público e estão disponíveis no sitio do Provedor de Justiça.
O meu agradecimento à comissão tem a ver com duas razões muito simples: em primeiro lugar, não me esqueço que fui deputado nesta casa, já lá vão muitos anos, e que  me apraz, sempre, revisitar este espaço, agora renovado.. Em segundo lugar porque a análise da matéria, objecto deste relatório desperta um interesse natural à comissão e aos cidadãos, e é bom que a Assembleia da República o debata.
Antes de passar a responder ao conjunto das questões concretas aqui colocadas pediria à comissão para me permitir fazer algum  enquadramento das matérias deste relatório.
Qual é a função nuclear do Provedor de Justiça? A defesa dos direitos dos cidadãos. Ponto final.
Como se faz essa defesa? Normalmente faz-se através da recepção, análise, tratamento e resolução dessas queixas.
Que tipo de queixas se colocam ao Provedor de Justiça? São queixas extremamente variadas. Eu tenho usado, nos relatórios anuais que envio à Assembleia da República esta expressão: A Provedoria de justiça é como um caleidoscópio do sentir dos cidadãos.
Desde 2000 que se verifica um aumento gradual e sustentado do número de queixas. Foram 7000, o ano passado, mas  que não se reportam a totalidade, na medida em que, várias queixas sobre o mesmo problema são consideradas uma só. Assim o número de reclamantes é superior ao número de queixas.
Quando assumi o meu mandato a pendência dos processos excedia os 7000. Terminei o ano 2007 com uma pendência de 1682 processos.
Se faço esta introdução é para explicar a opção estratégica dos meus mandatos: as queixas em primeiro lugar, porque um papel, um telefonema, uma carta um email, representa uma queixa de uma pessoa, um problema, uma aspiração, um desabafo.
Não fiz outras opções que poderia ter feito porque isto constitui a centralidade  do meu pensamento: as pessoas em primeiro lugar”.
Assembleia da República, 16 de Janeiro de 2008

domingo, 10 de fevereiro de 2013

CONSTITUIÇÃO E ESTADO SOCIAL

Novembro de 2006, Buenos Aires
XI Congresso da Federação Ibero-Americana de Ombudsman (FIO)
Seminário Internacional
" Os Direitos Económicos, Sociais e Culturais e os Defensores dos Direitos Humanos 

" A Constituição Portuguesa de 1976 é um exemplo marcante de generosidade no que respeita à consagração dos direitos económicos, sociais e culturais, os quais receberam expressa dignidade jurídico - constitucional. Com efeito, o texto constitucional inclui, a par dos chamados “direitos, liberdades e garantias” (que correspondem, grosso modo, aos direitos pessoais, civis e políticos), um extenso catálogo específico de direitos económicos, sociais e culturais.
O que, de resto, não surpreende, atenta a componente de solidariedade social que inspira a afirmação do princípio do Estado de direito democrático na Constituição da República Portuguesa (CRP) e que releva enquanto princípio constitucional autónomo – o princípio do Estado social.
No sistema político – constitucional português, a Consecução do Estado social avulta, pois, entre as tarefas fundamentais do Estado.
Entre os direitos económicos, destaca-se o direito ao trabalho, os direitos dos trabalhadores e os direitos dos consumidores. No plano dos direitos sociais, revelam não só dimensões necessárias para assegurar as condições de uma existência em dignidade, como direitos à segurança social, à protecção na saúde, à habitação ou a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado, como também a protecção específica devida à família, à paternidade e maternidade, à infância e juventude, e ainda, aos cidadãos portadores de deficiência e idosos. Já a protecção jusfundamental dos direitos à educação, à cultura, ao ensino e ao desporto se enquadra no âmbito dos direitos culturais.
A implementação dos direitos económicos, sociais e culturais (direitos fundamentais sociais) - coloca, como bem se compreende, problemas específicos. Desde logo, porque estamos perante direitos positivos ou direitos a prestações, jurídicas ou materiais.
Ao enunciado do direito, na sua formulação “ todos têm direito a…” sucede a enumeração das obrigações do Estado, no sentido de realizar o direito constitucionalmente reconhecido.
Tenho presente, nomeadamente, os desafios que se colocam hoje, quer em Portugal, quer em outros ordenamentos jurídicos europeus, no plano da sustentabilidade do Estado Social, face às mudanças demográficas acentuadas, ao fraco e persistente nível de crescimento do produto interno bruto nacional, às constrições orçamentais requeridas pelo cumprimento do Pacto de Estabilidade e Crescimento da “zona euro”e, de um modo geral, aos efeitos da chamada globalização."

Excerto da  intervenção do Henrique. Buenos Aires, 29 de Novembro de 2006

sábado, 9 de fevereiro de 2013

PEPENSAR A CIDADANIA


“O equilíbrio social tem agora horizontes mais vastos e desafios mais fundos: disponibilizar a cada um e a todos melhores oportunidades de emprego, de trabalho, de actividade, de empreendimento e de uma aprendizagem sem hiatos. Pode, por isso, estar terminado o ciclo do emprego único para toda a vida, mas não pode é aceitar-se a situação em que o bem escasso do emprego seja apropriado e feudalizado contra um número cada vez maior de excluídos do mercado activo e da solidariedade humana. Este não é só um problema do Estado, pela repetida evidência da ineptitude para o tratar. Insisto, pois, nessa ideia muito simples de chamar e envolver os parceiros sociais no desafio comum do nosso desenvolvimento. É que não se joga à bola sem árbitro - mesmo que, depois, se costume dizer mal.
Lisboa 1999


“O efectivo Estado de direito não se basta com a mera institucionalização de uma democracia formal mas depende, antes de mais, da actuação cívica activa de cada um dos membros da comunidade.
É tempo de exigirmos a toda a comunidade, e não só ao Estado, a construção de uma sociedade mais justa e socialmente mais preocupada.”
Lisboa, Dezembro de 2004

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

TODOS DIFERENTES TODOS IGUAIS



Fundação Calouste Gulbenkian,
Lisboa, 26 de Fevereiro de 2003
Comissão Europeia Contra o Racismo e a Intolerância
 Mesa Redonda Sessão de Abertura

“Não tenho dúvidas, porém que é no domínio das práticas, dos comportamentos e das atitudes quotidianas, de alguns preconceitos e estereótipos, mais do que no domínio estritamente legislativo, que os principais desafios no combate ao racismo, à xenofobia e à intolerância se colocam na sociedade portuguesa.
A situação económica e social que estamos a atravessar, e que não se desanuviará tão cedo quanto desejaríamos vai tornar mais vulnerável a situação de muitos emigrantes, sobretudo no que toca ao emprego e às condições de vida. Esta é uma razão redobrada para que todos, autoridades públicas e organizações da sociedade civíl, trabalhem em conjunto para que o lema ‘todos diferentes todos iguais’ seja sentido não como um ideal, mas como uma realidade que se respira e sente no quotidiano multicultural português.”

Excerto da intervenção do Henrique na sessão de abertura da mesa redonda promovida pela ECRI, que decorreu na Fundação Gulbenkian a 26 de Fevereiro de 2003

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

SAUDADE


Lubango, Serra da Leba.
Fotografia feita pelo Henrique em Outubro de 2006 



Meu gesto impreciso
é um esboço de viagem…

Cada folha da floresta
luz na saudade que tenho!
Esta é uma Festa
com que os olhos entretenho.

Ai! Não me digam nada:
Esta tarde traz a aragem
De outras terras de que venho…

Ai! Não me digam nada:
Deixem-me ganhar coragem
p’ra viver o que não tenho!

Neves e Sousa

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

PALAVRAS DE SAUDAÇÃO

Em Junho de 2004, o Henrique recebeu um convite para estar presente em João Pessoa – Brasil, durante o IX Encontro Nacional de Ouvidores/Ombudsman e I Colóquio Luso – Brasileiro de Ouvidoria. Por motivos de saúde não fez a viagem, mas, enviou as palavras de saudação que transcrevemos a seguir:
É para mim uma grande honra e um grato prazer saudar amistosamente todos V.Exas., os pessoenses, e o Povo irmão e fraterno do Brasil.
Não o faço sem alguma emoção. Caprichos da geografia houveram por bem que perto de João Pessoa se situasse a “Ponta de Seixas”, o ponto mais oriental das Américas, e que próximo de Lisboa, fique erguido o “Cabo da Roca”, o ponto mais ocidental da Europa. Nesta intemporalidade do destino histórico dos nossos Países, até a geografia nos parece dizer, assim, que a Europa e as Américas cruzam os dedos da Amizade por sobre o Atlântico, através do Brasil e de Portugal.
Esta cidade onde o sol nasce primeiro, vê o último Sol que se apaga em Lisboa. Porventura a Geografia, ademais da História, nos queira transmitir uma mensagem, que outra não pode ser senão de uma incontornável relação de amizade e cooperação. Portugal recolhe-a expressamente no artigo 7º, nº4 da sua Constituição, o que significa ter elevado a valor constitucional os laços especiais e inquebráveis com os sete países de língua portuguesa
Língua portuguesa por vezes mais portuguesa do que a falada em Portugal. Atente-se nesta palavra Ouvidor, que já desapareceu dos nossos manuais académicos e escritos literários e, sobretudo, da fala das gentes. E, todavia, o Brasil preservou-a, oriunda da época colonial – recorde-se o Ouvidor – Geral, figura, porém bem distante e oposta dos actuais Ouvidores brasileiros representantes dos cidadãos agindo na defesa dos seus direitos, quer na esfera estadual, quer no universo privado.
Pois se este é o I Colóquio Luso-Brasileiro de Ouvidoria, naturalmente terá de haver um II Colóquio.
Esse inesquecível poeta português, Fernando Pessoa, imortalizou na nossa memória colectiva esta rima inspiradora: Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.
E a partir desta iniciativa brasileira, dêmos as mãos construamos o futuro – sonhemos juntos, forjemos obra comum.
Brasil – João Pessoa, 21/23 de Junho de 2004

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

SÉCULO XXI – SÉCULO DA LUSOFONIA

Intervenção na sessão de abertura do 1º Congresso dos Quadros Lusófonos.

Será obra dos sonhadores e esforço de lideranças inovadoras esboçar as fronteiras do que seja este século. Mas serão sempre os povos da lusofonia a fazer dele um século de comunhão e de realização lusófonas, sob pena de não passarmos de episódicas, ainda que fraternais comemorações.
O primeiro requisito para que este século seja, também, o da Lusofonia, implica o respeito dos Direitos Humanos nos oito países que constituem o espaço lusófono e em cada um deles.
Podemos falar uma língua comum, património dos Oito – e é bom que o façamos através da variedade que concorre para o enriquecimento da fala em que nos escutamos e compreendemos sem tradutores -, mas não conseguiremos verdadeiramente unir-nos sem o cimento do respeito pelos direitos humanos, dentro de cada um dos nossos Países e entre os oito.
Os direitos humanos implicam, como se sabe, que cada pessoa seja respeitada na sua eminente dignidade de ser humano à luz do Direito e na sua vivência quotidiana. Por isso, enquanto não existir uma liberdade que nos solte de velhas e novas amarras de opressão, uma democracia que não nos antolhe a plena cidadania, uma justiça que proteja os fortes em desfavor dos fracos, uma sociedade que rejeite o Outro porque não respeita a diferença – não haverá direitos humanos.
A língua em que conversamos, através da qual nos abraçamos, ou em que mutuamente nos “xingamos”, é um instrumento, poderoso é certo, mas apenas um instrumento com uma primeira finalidade: a de proclamar, modelar e fazer observar, na prática, em cada um dos nossos Países e nos Oito, a defesa e o cumprimento dos direitos humanos.
Não haverá “Século da Lusofonia” se não houver Século dos Direitos Humanos, ou seja, direitos civis e políticos; e direitos económicos, sociais e culturais, a que se juntam hoje todos indissociáveis, os chamados direitos da terceira geração, como são, por exemplo, os direitos das minorias nacionais, étnicas, religiosas ou linguísticas e o direito à sustentabilidade ambiental.
Multipliquem-se as cimeiras políticas, incrementem-se as relações comerciais, expandam-se as organizações e as acções de voluntariado humanitário, criem-se redes de combate às doenças que medram, hoje, como novos flagelos, implantem-se universidades e centros de ensino em parceria, estreitem-se laços desportivos. Façamos, juntos, tudo isso, sim. Acima de tudo, porém, façamos de cada mulher e de cada homem dos nossos oito Países um cidadão livre e responsável.
Façamos cidadania: assim faremos o “Século da Lusofonia”.
1ª Congresso dos Quadros do Espaço Lusófono. Lisboa, 4 de Maio de 2004