segunda-feira, 30 de maio de 2011

NOTAS POLÍTICAS (73)

É incontroverso. O mundo do trabalho mudou, porque mudaram as estruturas produtivas, os comportamentos sociais, a própria estrutura familiar. Nem tudo muda ao mesmo tempo e da mesma maneira, como é evidente.

Mas é preciso perceber que não é possível recuar no tempo. Tal como é imperioso avaliar se o tempo do futuro é um tempo de evolução sem roturas na coesão económica e social nuclear do país, sem a qual arriscamos convulsões cujo desfecho seria imprevisível

Funchal 1996

NOTAS POLÍTICAS (72)

O diálogo social pode impulsionar, apoiar e sustentar o desenvolvimento da economia e a melhoria das condições de trabalho, numa palavra, a modernização da sociedade e o aprofundamento da coesão social.

Em Portugal, a concertação social despontou sob um governo de coligação dos dois maiores partidos portugueses (PS e PSD) e num péssimo enquadramento macroeconómico e financeiro. Iniciou-se com o claro intuito de associar à estabilidade governativa (potenciada pela grande coligação governamental) a estabilidade induzível pelo reequilíbrio das contas externas, então fortemente degradadas, e pela normalização gradual de uma inflação elevadíssima.

Cada país tem, portanto, que encontrar as suas próprias soluções, na evolução intemporal que vem do passado, passa pelo presente e se abre ao futuro, num contexto que nunca mais será de isolamento – porque um país isolado é um país morto. Neste turbilhão da globalização cada país tem de conquistar um espaço e afirmar a sua identidade própria.

Não o conseguirá, julgo, sem que cada um e todos os seus agentes – políticos, económicos e sociais – percebam e decidam, de preferência em concerto de opiniões e de actuações, por onde andam e para onde vão na sua “casa” e na “aldeia global” em que vivemos.

Março 2000 Praia (Cabo Verde)

sábado, 28 de maio de 2011

EU ESCOLHI O BALÃO VERMELHO

É na altura em que se deixa de ser moço para se ser homem, que escolhemos os caminhos da encruzilhada: ou se quer ser adulto – jovem, ou adulto sem ser jovem.

Toda a gente tem o seu “Balão Vermelho”.

Ao chegarem à tal encruzilhada, uns largam-no – e o balão arrebenta – outros preferem continuar com ele. Destes últimos, ainda há contudo duas categorias a referir: aqueles que, levando-o consigo, são alvos de risota, de desdém e desprezo; e os que também, sem o largarem, conseguem contudo que o mundo os olhe com admiração respeito e carinho.

Dois grupos que partem do mesmo princípio, que seguem o único caminho possível para quem tem força e fé, mas que o trilham de maneiras diferentes. Os que preferem continuar com o balão, podem fazê-lo por dois motivos: porque o balão é algo de muito querido, que sempre os acompanhou e que eles não querem abandonar; e os que também preferem o balão, porque estão convencidos de que mais do que querido, é algo de valor.

O descomunal balão, pode ser um símbolo mágico de sonho e fantasia; mas pode - e deve – ser, além disso, uma coisa de valor que seja digna de ser passeada porque é forte e é dela que depende a nossa vida. Não interessa andar só com o balão porque ele é o nosso sonho de “menino e moço”, o nosso companheiro de todas as horas; interessa mostrar ao mundo que o balão da juventude foi sonho quando o devia ser; é uma força, agora, dotada da poesia da mocidade e do valor da maturidade.

O que eu quero dizer, afinal, é que o balão que nos acompanha, representa algo de valioso que desejamos obter. A sociedade rirá, dos que andam com o balão numa euforia de fantasia e sonho; essa mesma sociedade fechará o sorriso e olhará com respeito aquele que lhe mostrar o seu balão, cheio de sonho e quimera, mas repleto de vitalidade e de provas concretas de que esses sonhos não são só lindos por serem sonhos, mas porque são sonhos que alcançaremos a lutar.

Eu escolhi o balão; simplesmente, eu não tenho medo de o mostrar e de passear com ele; o meu balão não é só cheio de sonhos e quimeras: quimeras e sonhos não são para mim só símbolos – são valores que eu transformarei, der por onde der, em realidades, para que a sociedade admire e respeite o meu balão.

Lisboa 1958

EM ÁFRICA


"Em África, o Tempo inda cheira e ressoa àquele momento inicial e singular como se fosse o abrir da primeira página do Génesis logo imediatamente e depois da primeira queimada.

Em África, o Tempo, é como o vento não se mede, não se conta, o Tempo, vive-se no riso, gorjeio de cada dia dádiva de chuva caindo mansa fartura de lavras massangos poemas e cantigas."

Namibiano Ferreira (poeta Angolano) in Tombwanamibilis

sexta-feira, 27 de maio de 2011

NUNCA TOMBAREI LUTANDO

Eu irei contra tudo e contra todos os que me quiserem pôr ou me puserem obstáculos, até alcançar o que quero; o que eu tenho que ver, e com muito cuidado, são os meios para alcançar o meu fim.

Se um dia tiver uma desilusão acerca das minhas capacidades, eu não ponho limites ao que posso fazer; gastarei o que valho (e sei que algo valho!) até mais não poder, até ou rebentar comigo… ou rebentar com os outros. Tenho plena consciência do ponto até onde posso, e sou capaz de ir; quero lá chegar calmamente, sem deixar de ser o que sou, leve ou não muito tempo.

Lutarei, tombando; mas ponho de parte a hipótese de tombar, lutando, porque parto do princípio que, se eu tombar, me erguerei de tal forma que nunca mais tombarei – antes farei os outros tombar diante de mim!

Eu sei o que quero de mim próprio e dos outros; só não posso conceber que me ataquem no meu orgulho. Sou demasiadamente cioso da minha personalidade para o admitir a quem quer que seja. Neste ponto nem sequer meço a consequência dos meus actos.

Eu teria vergonha se me deixasse vencer; deixaria de ser eu, pura e simplesmente.

Não há nada que custe mais do que os ideais prosseguirem… e nós ficarmos pelo caminho.

Tenho em mim uma força que é superior a mim próprio. Mas, se com quase 18 anos eu não pensasse assim, que me sucederia no amadurecer da vida? É melhor ser como sou; quando as desilusões vierem em massa, a minha força de vontade ficará abalada, mas sobreviverá; se, hoje, ela não fosse tão grande, nessa altura desapareceria!

Lisboa 1958

quinta-feira, 26 de maio de 2011

CAMINHOS DO DIÁLOGO TRIPARTIDO EM PERÍODOS DE CRISE (2)

Os factores de natureza económica de que ressumam as características de uma crise nacional são, como já disse, de grande peso. Desde a fraqueza do mercado de emprego à retracção do investimento, ao volume do crédito, etc., tudo são vectores que podem conduzir, de acordo com a avaliação feita por cada parceiro, aos caminhos da negociação e do consenso ou, pelo contrário do confronto permanente.

Repare-se, por exemplo, no aspecto referente ao mercado de emprego: a situação concreta pode impelir uma estratégia mais voltada para a aceitação de plataformas de entendimento, designadamente, por hipótese, no campo da política salarial global; ou pode conduzir, ao inverso, ao agravamento da situação e a uma estratégia consequente de confronto.

Mas se, no conjunto, os factores de crise económica acentuam talvez uma propensão para a “interiorização” de que é necessário um mínimo esforço colectivo e para uma “exteriorização”dessa convicção eles próprios também podem provocar fenómeno contrário. O descontentamento popular pode crescer e alastrar poderosamente nesse contexto, e estaremos colocados perante o cenário de os parceiros sindicais, e por vezes os parceiros empresariais, decidirem optar por caminhos de luta aberta, pela via do não diálogo, quer com o Governo quer com a outra parte - ou seja , haverá maiores perspectivas de confronto que de consensualização.

Março 1981

quarta-feira, 25 de maio de 2011

CAMINHOS DO DIÁLOGO TRIPARTIDO EM PERÍODOS DE CRISE (1)

A ocorrência do diálogo tripartido para efeitos de definição dos programas sócio - económicos do país, é mais ou menos fácil consoante a estrutura e a representatividade do movimento sindical e da parte empresarial.

Se os parceiros sociais, reconhecendo-se ambos como representativos de interesses opostos, não se aceitam reciprocamente enquanto autores possíveis – e até mutuamente desejáveis de um processo de concertação na tomada de decisões socioeconómicas de carácter global, os caminhos para um entendimento mínimo estarão muito mais bloqueados.

Quando a outra parte é “assumida” ou encarada como um inimigo a abater custe o que custar, e não como um adversário com quem se lute pela negociação, creio ser avisado pensar que a estratégia surgirá nesse caso com um peso prevalente sobre a estratégia do diálogo.

As forças sindicais podem apostar numa estratégia de confronto mais ou menos acentuado, se entenderem e concluírem que esse papel contribuirá para uma alteração da situação política que elas próprias reputem como favorável aos seus interesses e aos objectivos.

Se a avaliação do contexto político levar as forças sindicais a concluir, por exemplo, que existem perigos de “direitização autoritária do regime, isto pode conduzi-las a uma estratégia de negociação e de procura de entendimentos, mais do que à opção por uma estratégia de confronto.

O mesmo, também pode acontecer do lado empresarial. O “liberalismo” que é clássico ser defendido pelas confederações patronais pode escamotear, no fundo, objectivos muito diferentes. Por um lado pode escamotear uma verdadeira “delegação” no Governo da tomada unilateral de medidas que sejam de orientação favorável ao empresariado, logo, pode esconder o papel real de não assumpção de um protagonismo social, o que conduz potencialmente a uma estratégia, pelo menos inicial, mais de confronto do que de diálogo.

Por outro lado, no entanto, uma filosofia empresarial liberal mais real ou autêntica conduzirá, eventualmente, à aceitação do ponto de vista basilar de que a sociedade evolui necessariamente e que não podem deixar de ser adoptadas reformas, logo, o lado empresarial estará então mais disposto a assumir um protagonismo efectivo, e consequentemente a adoptar uma estratégia que não recusará, em princípio, o contacto e a negociação social.

Março 1981

terça-feira, 24 de maio de 2011

A RAZÃO DE SER

O nosso Pai escreveu este pequeno texto no mês de Fevereiro de 1957. Tinha 16 anos. Ao lê-lo, compreendemos bem o seu percurso de vida. Todos os seus dias foram de um empenhamento profundo e total. Nada procurou. Tudo lhe aconteceu. Tudo viveu com a mesma fé e determinação com que escreveu estas breves linhas. Não há destino. A sua vida foi uma permanente construção de oportunidades que posteriormente o apanharam pelo caminho.

“ O génio é, muitas vezes, uma longa e demorada paciência”…

Feliz ou infelizmente sou daqueles que não abdica do direito de viver para viver, e não de viver por viver. Sou daqueles que ainda possui uma crença e uma fé, uma religião e um Deus. E assim estou pronto a despertar a risota dos alheios, ao gastar papel e tempo precioso, deixando correr a pena sem pretensiosismo nem soberbas, a não ser a da paciência. Hora a hora, passo a passo, como o caracol se bamboleia vagarosamente, eu cá vou seguindo o caminho que decidi percorrer.

“O génio é, muitas vezes, uma longa e demorada paciência”…

Não quero ser génio, mas desejo, com tal ardor e veemência, ser homem de construção edificante, e não de levantamentos obscenos, que também sei ter a paciência, necessária e suficiente, para saber que, se, o que faço neste momento não presta, pode, com as bases da persistência e do querer, fazer valer a pena o desgosto que me causa, de não ser ainda ninguém!!!

E aqui está a razão de ser, uma razão suficientemente apegada e cimentada, um facto que me leva a encher linhas sobre linhas, com o único intuito de treinar a mente para o desafio decisivo.

A jogada, por enquanto, só tem esquemas e não possui força capacitória; mas o que, hoje, é simplesmente esboço desinteressante, pode vir a ser, amanhã uma aguarela vincada e com personalidade. E quando os traços atingem os laivos de “fonte superior”, o quadro vale a fortuna e o seu peso em oiro!!! Entretanto, esperando e aguardando, limito-me a breves ensaios e a desperdiçar papel tempo e paciência; lá chegará a hora de entrar em campo e dar os primeiros pontapés a sério na bola da vida!

O meu querer é a moldura embaciada e fraca do quadro que hei-de pintar; que as tintas e as aguarelas a usar com esta confiança sejam o retrato precioso e inquestionável da face do Destino, subjugado à minha vontade: que a paciência do génio é a minha razão de ser.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

ANGOLA - POR DO SOL

CAMEIA (5)

Já sobe, na ribalta da estepe, o pano da última cena de caçada. Na orla oposta de uma baixa com que topámos, uma vaga de fogo brotou do capinzal, rolou em golfadas sucessivas e elevou-se para o ar, confundindo-se com o vermelho afogueado de que nessa hora o céu se vestiu.

Implacável, a queimada progride dentro das faixas abertas pelos batedores negros, cobrindo a estepe de chamas bailarinas, enquanto o solo ruge e vocifera, ferido no bojo pelo, lamber do lume. É a hora do poente na Cameia. Novelos de tons irisados engalfinham-se

uns nos outros e uma fumaça espessa se desprende da terra e macula o inferno, que é o horizonte ao entardecer. Até nós, trazido pelo vento, que sopra forte, veio um rumor semelhante a trovoada: é o chocar, contra o solo, de milhares de cascos de animais que, espavoridos, fogem à frente do fogo. E passam, agora, junto a nós as mais diversas espécies da fauna da Cameia.

Á frente, surgiu, ainda hesitante, o focinho de um “nunce”, logo seguido pelo corpo saltitante de uma cabra do mato, atrás de si arrastando centenas de companheiras assustadas. Em galope trepidante, debandam para os espaços secos do resto da chana.

E a queimada atinge o auge! O covão arde de lés a lés, dentro das marcas que os batedores riscaram no solo e o ar enche-se, como por encanto, de mil e um ruídos: a terra que chia, calcinada, a queimada que gargalha na sua marcha voraz e o tropel retumbante dos animais em fuga, ao que se junta o estalar dos arbustos, pisados pelos bichos, e as exclamações de admiração, soltadas pelos caçadores. Uma hiena pintalgada, de faces arreganhadas num riso asqueroso, abatemo-la nós, quando tentava escapar-se para longe. E passam, de novo, os galengues, alguns com o pelo já levemente chamuscado pelo lume que tudo arrasa… Deixamo-los partir, que de sangue inútil já estamos fartos…

Entretanto, a queimada vai morrendo, à medida em que as chamas diminuem de intensidade e frequência. Para as bandas do poente, o sol mergulhou já no seu sono costumeiro e, na Cameia, de novo vêem abater-se o silêncio e as trevas indefinidamente longas das noites de Angola…

À luz dos farolins, fazemos o balanço da caçada que terminou. E, metidos dentro das “carrosseries” os corpos dos animais de carne aproveitável, vamos de novo anhara adentro, rumo às tendas do acampamento, que deixáramos ao romper da alva.

No céu, brilham estrelas e luzem pirilampos. Do capim da chana eleva-se o coro estridente das cigarras acompanhando de longe o soar dos tambores dos negros, que, nos sobados dos povos quiocos, anuncia o começo do batuque. Pensativos, fumamos em silêncio, e, calados, escutamos, ao mesmo tempo, a sinfonia que anhara executa na hora que decorre…

Se saudade é o que se sente ao abandonar o que se ama, saudade é certamente o que sentimos ao deixar para trás os longes incomensuráveis da grande anhara em repouso. Adeus Cameia! Até à volta!

Fim!

domingo, 22 de maio de 2011

QUEDAS DE CHAFINDA (RIO LUENA-MOXICO)

CAMEIA (4)

Encontramo-nos, agora, frente a um galengue, que trota, orgulhoso, um pouco à direita da fita que os nossos carros desenham ao caminhar. – “É um solitário” – murmurou o meu companheiro. Na verdade, para onde quer que os olhos volvam, não encontramos mais vultos nas imediações.

Vendo-se repentinamente cercado, o animal escava furiosamente o solo e dá ao rabo repetidas vezes lançando no ar mugidos furibundos. Um dos cornos, reparamos, está quebrado a meio.

Banidos das manadas em que nasceram, estes solitários arrastam, nas planuras, uma vida árida e desafortunada, arcando a sós com a canga da solidão. É precisamente um desses, que nós temos sob a mira das armas.

Da portinhola de uma das carrinhas avança, cautelosamente, o cano de uma “303”. O estrépito de um tiro acorda os ecos. Nada! Outra bala vai já lançada contra ele, e, mal esta zunia no espaço, uma outra a seguia logo.

Inacreditável! Não fora o leve estremecer do corpo, ao embater dos projécteis, e, julgaríamos que o animal não sofrera a mais leve beliscadura! Os minutos parecem, agora horas intermináveis… E, de repente, o solitário arranca em direcção aos carros, de cabeça baixa, enquanto nós metíamos armas à cara. Mas nem um tiro quebrou o silêncio! Passos dados, o bicho tombava redondamente no solo poeirento! Vozes nervosas comentam vivamente o acontecimento, só explicável pela resistência e vitalidade, quase incríveis, de que estes animais se revestem, quando atacados.

Estamos a marchar sob o sol escaldante do meio-dia. Deixado sobre a planície o solitário que a carne rija do seu corpo já nem para os negros se aproveita, dirigimo-nos neste momento, para umas árvores raquíticas, à sombra das quais repousaremos das canseiras da caça.

Na anhara ouve-se como que o resfolgar de uma máquina: é a terra inteira que bafora, ao perpassar do vento quente. Positivamente, estamos no centro de uma fornalha ao rubro. Descansemos, que a hora é de torpor e de modorra.

Continua…

sábado, 21 de maio de 2011

NOTAS POLÍTICAS (71)

Estou certo de que a História não registará senão a conquista definitiva da liberdade sindical em Portugal.

As pequenas e corajosas lutas que a terão potenciado, a abnegação, o esforço e o sacrifício de milhares de trabalhadores e sindicalistas democratas, a persistência indómita dos que acreditaram na pureza dos ideais da Liberdade Sindical e da Democracia Pluralista e não desistiram de os levar à prática, servem de exemplo de como é possível e vale sempre a pena a luta pela verdade e pela justiça - desmascarando as manobras dos que se lhes opõem - mas ficarão para trás, na inevitabilidade e na inelutabilidade da penumbra das “pequenas histórias” que, afinal, decidem a História.

Lisboa 1980

sexta-feira, 20 de maio de 2011

CAMEIA (3)

Em marcha! Em marcha! Outra vez, a chana extensa desaparece por baixo dos pneus esquentados e novamente o martelar compassado dos motores e o chiar do cascalho se fazem ouvir num ritmo adormecedor.

Aqui e além, aparecem, agora, os “muxitos” a alterar um pouco a feição da paisagem. Passamos-lhe ao largo, na nossa marcha desenfreada, porque, sob a aparente tranquilidade, reinante no emaranhado da vegetação espessa, se esconde, afinal, a morte inglória, que é lei da selva para o mais fraco.

Um pouco depois, subida a lomba de uma pequena elevação do terreno, surgem a nossos olhos algumas dúzias de cabras acastanhadas.

De um dos carros, partiu, logo em seguida, um tiro de caçadeira, que se foi perder lá na imensidão.

Falhada a pontaria, um coro de exclamações irónicas acolhe o desastrado atirador. E vamos, já atrás de um dos antílopes – precisa o que nos pareceu ser o maior – entusiasmados com a luta que se irá travando entre o carro e o animal, que nós não passamos, ao fim e ao cabo, de simples espectadores, aguardando o momento o momento azado de entrar em cena.

Metro a metro que decorre, a pobre cabra vai diminuindo a distância que a separa dos carros. Estamos certos de que não aguentará o ritmo veloz da perseguição que lhe movemos. Em dado momento, efectivamente, dois estampidos, cada um partido de seu lado, sibilaram no ar quente da anhara. Acolá, a cabra formou um pinote mirabolante, pairou no ar um instante e acabou por desaparecer entre as ervas rasas da planura. Fomos vê-la.

Do focinho esguio escorria um fio de sangue viscoso, que ia descendo em golfadas, pelo peito e caía numa poça rubra e larga, a tingir a superfície do solo.

Estava tombada de lado, a cabeça repousando junto a um montículo de areia, e nos olhos pestanudos, ainda vivos, pareciam espelhar-se a imensidão e a beleza agreste da anhara em que tantas vezes correra.

De repente, ao tocar da bota de um dos caçadores, o corpo inteiro estremeceu, retesou-se, e a cabeça ornada de dois galhos pontiagudos, ergueu-se num derradeiro esforço, enquanto um balido suave lhe brotava da boca ensanguentada, quiçá o derradeiro adeus à vida e à liberdade. Estava morta.

Continua…

quinta-feira, 19 de maio de 2011

SAUDADES DO AVÔ (7)





2 de Setembro 2000

NOTAS POLÍTICAS (70)

Quando suscito o tema do confronto ou consenso social, faço-o, sobretudo, no contexto de uma grave crise económica e social.

Partindo do pressuposto, que me parece irrecuperável, de que o ataque a uma situação de crise exige a adopção de uma política global de natureza económica e social, no âmbito da qual têm de fazer-se opções entre diferentes alternativas, seleccionar-se objectivos prioritários, e conjugar-se medidas que os viabilizem, a primeira questão que levanto é a de saber: exercem ou não os parceiros sociais alguma influência no processo de concepção e de fixação da política global?

Penso ser legítima a conclusão de que um sistema mais ou menos desenvolvido de contactos -negociações sobre os grandes temas de política económico-social do País pode facilitar a criação ou de um consenso mínimo (seja ele total ou meramente parcial) ou, pelo menos, de uma não rejeição frontal e definitiva sobre medidas de política global a adoptar para todo o País.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

CHANA DA CAMEIA

Chana da Cameia


Água, muxito, planície do céu mordendo a vista.

Todo o tempo é nosso, ao sabor de todo o vento-

Alma

transparência voando apoteose de espaço

Chana da Cameia

Visão do tempo – umbigo de Deus

florescendo toqueia

como olhos de fartura e futuro


Namibiano Ferreira, Poeta Angolano

GALENGUE E PALANCA


CAMEIA (2)

Timidamente, o dia despontou na Cameia. Na profundidade dos horizontes, os primeiros raios de sol bailam para nós o mágico “ballet” da vida e da força, enquanto a chana toda rumoreja ao ar puro da manhã. É então que vemos surgir, à distância, uma linha escura e longitudinal, que se vai individualizando à medida que dela mais e mais nos aproximamos. A meu lado, entendi o “tric-trac” característico do encaixar de uma bala na câmara da arma. Fiquei surpreso, porque a meu ver, não se divisa sombra de caça nas terras circunvizinhas

Quando damos por nós, o ponteiro do mostrador das velocidades oscila em subida anormal e o carro estremece ao esforço titânico que lhe exigem. E de repente estacamos. Nas cercanias, são vultos de galengues a mancha negra que, há pouco ainda, viramos, alastrando ao longe. Galengues, pastando na Cameia! Altos, possantes, o corpo coberto de um pelo forte e preto e com uma figura um tudo nada similar á dos bois, desfilam, diante do olhar estupefacto do nosso grupo, centenas e centenas desses quadrúpedes da fauna Angolana. Os motores das carrinhas emudecem: os homens parecem mais pequenos, perante espectáculo de tão rara majestade, e, em toda a chana só se distingue o formigar dos corpos dos galengues. Para quem ainda não teve oportunidade de admirar uma manada, como esta que está à nossa frente é difícil fazer uma pequena ideia do que seja aquilo a que chamam “horizonte móvel” da Cameia.

Sem dúvida, é dos panoramas mais surpreendentes e grandiosos, misto de beleza e de potência esmagadora, que a um caçador pode ser dado assistir durante uma vida inteira. Anhara em fora, o sol já caustica, impiedoso, os bichos e os homens que em busca deles se atreveram. E, todavia, ninguém arreda pé, nem tão pouco sente, então, o ardor da luz.

Decorridos, em silêncio, os primeiros momentos de prostração, os caçadores arriscam umas frases em sussurro, enquanto o desbobinar de um filme grava esses momentos indescritíveis. À minha ilharga, alguém perguntou se nós já teríamos pensados na riqueza incalculável que, para a nossa província de Angola, representariam manadas assim, se em lugar de galengues se tratasse, por exemplo de gado bovino…

Agora mesmo, como que a um sinal invisível, os animais largaram em louca correria, com o chefe da manada a conduzi-la para rumos desconhecidos. Um estampido, seco, e contundente, troou nos ares. Olhamos. Meia centena de metros além vemos um macho trocar as pernas, tropeçar e estatelar-se pesadamente no solo, enquanto os restantes bichos fogem a galopar. Um pequeno grupo de caçadores se abeira, então, do corpo do galengue abatido e examina com curiosidade, o animal. Mandado por nós, um serviçal negro racha depois, a golpes de “catana”, a cabeça possante do quadrúpede. e aberta esta, com que espanto verificamos estar cheia de minúsculos vermes brancos enroscados em espiral! Desviamos a vista, enojados pela cena repugnante.

Continua…

terça-feira, 17 de maio de 2011

NOTAS POLÍTICAS (69)

Não me arrependerei nunca de continuar a defender e a propor os caminhos que conduzam à criação de condições para entendimentos (mínimos que sejam) entre forças que representam trabalhadores, empresários e poderes públicos.

Mesmo quando tal pareça irrealista, utópico e totalmente inviável face a um determinado contexto?

Eu responderia a isso que é exactamente em contextos dessa natureza que mais se justifica e exige não se perder a determinação de uma proposta, a que não creio possa recusar-se fundo democrático.

Foi e continua a ser a minha proposta de um diálogo social alargado.

Não é difícil defender aquilo que é fácil de realizar. O inverso é que é incómodo. Assumo essa incomodidade.

Porto 27/1/1982

segunda-feira, 16 de maio de 2011

CAMEIA (1)

No dia 6 de Junho de 1958, o “Diário Popular” publica uma reportagem, feita pelo nosso pai (então com 17 anos), sobre uma caçada na Cameia, em Angola.

Quatro horas da manhã nos longes da CameiaÀ luz difusa da madrugada, os vultos embuçados dos caçadores vão-se chegando ao calor da fogueira e em redor dela se agacham, com as mãos espalmadas sobre as labaredas. Uns, pernas então cruzadas à moda dos negros, quedam-se a fitar demoradamente o chispar do lume crepitante; outros mais afoitos, arriscam as primeiras impressões sobre o tempo e sobre os bichos, enquanto atulham de tabaco os pipos dos cachimbos e se fica a ouvir, no silêncio pesadão da noite, o borbulhar do café, aquecendo, e o chiar dos ovos que estrelam na frigideira de boca larga. Minuto a minuto. a anhara acorda do sono em que mergulhou horas atrás. É, ao princípio o desbobinar de um ténue rolo esbranquiçado, que a pouco e pouco marinha céu acima; depois, o pardo das trevas irá dando lugar, certamente, a uma miscelânea de cores e de sons, mas, antes que o dia seja nascido já nós esquadrinharemos os recantos à planície, em busca de caça, de que se não tem notícia sobre o poiso certo. Com efeito, o roncar agudo do motor de uma carrinha veio confirmar as nossas suposições. Dois faróis penetrantes encharcaram de luz a área do acampamento, e da fogueira os homens ergueram-se e abalaram, apressadamente, em direcção às barracas onde pernoitamos. “Ala ala que o tempo urge”; e, em corrida, embuchando ainda o último pedaço de “mata-bicho”, eis-nos pulando para os veículos respectivos, com as armas a tiracolo e os típicos capacetes coloniais enterrados na cabeça. Depois, os pneus rolam que rolam sobre o cascalho e a distância infinda desdobra-se, silenciosa e erma à nossa frente. Começou a caçada nas grandes chanas da Cameia!

De pé em cima do estrado da “carrosserie”, vamos agora calados e pensativos. O frio gélido que vem da Nascente obriga-nos a subir as golas dos agasalhos e a esfregar as mãos uma na outra. Na noite calada, a Cameia assemelha-se a um enorme mar de terra, onde as ondas são o capinzal amarelo dobrando-se, dócil, à passagem inexorável dos pneumáticos. Milhas e milhas a perder de vista, só a imensidão do solo negreja no fundo pardacento e as trevas se prolongam para lá dos confins do mundo. Nem uma só palavra arriscamos na escuridão. Afora o golpear da areia, batendo de encontro aos guarda – lamas, apenas o martelar dos motores nos vem ferir os tímpanos e brigar com os nervos. O resto é silêncio – silêncio e quietude a darem-se as mãos e a cobrirem de assustadora monotonia a paisagem triste e solitária da Cameia. Mal conseguimos divisar os rostos dos nossos companheiros. Vão mudos e embuçados, que o frio dos trópicos também retalha as carnes. Só lhes conseguimos distinguir os olhos que seguem, desmesuradamente abertos, o tremeluzir dos farolins, a riscar nos caminhos da chana novos caminhos. Em linha, uns atrás dos outros estão marchando os carros da caravana. Para nós, que desconhecemos os cantos à planície, é incompreensível o sentido de orientação que guia os motoristas e os leva a empurrar até ao fundo os aceleradores, numa cadência nervosa que não esmorece. E quilómetros galgam quilómetros nesta corrida que parece não ter tino nem destino! No crepúsculo indeciso que ganha a estepe, vamos topando, de quando em vez, com dois olhos coruscantes, pestanejando por entre o capim. Ansiosos, debruçamo-nos, então, do gradeamento dos carros, com um estranho formigueiro de sensações a subir-nos pernas acima… Mas logo os mais experientes caçadores, sorrindo à socapa da nossa ingenuidade, nos desvanecem as dúvidas: os “olhos terríveis”, que apontamos quase a medo, são de inofensivas aves nocturnas acaçapadas no chão!

Continua…

sábado, 14 de maio de 2011

12 DE MAIO 2011

São 13 meses. Era uma segunda feira.
6ª feira anterior tinha sido um dia feliz.
Há um ano que não saia com os amigos.
O fato/gravata - indumentária de uma vida de trabalho, tinha sido, há meses, posta definitivamente de lado.
Nesse dia, fato, camisa branca e gravata comenta comigo: "não consigo apertar o colarinho, esta camisa já não me serve"! À minha resposta: "é bom sinal", sorriu, feliz!
O regresso foi um momento que deveríamos ter agarrado para sempre: um entusiasmo, uma alegria, uma felicidade, uma necessidade de contar tudo, que fazia esquecer todos os momentos difíceis vividos no ano anterior.
Sábado, um dia pacato, almoço em casa: tarde de trabalho com o blogue.
Tudo se desencadeou no Domingo... insidiosamente... uma tentativa de evitar mais um internamento.
E a noite foi calma em Santa Marta. Às 8 da manhã de segunda feira, à pergunta do enfermeiro -
"então senhor Dr. como se sente?" - respondeu: "Bem, só quero um copo de água".
E pronto, às 8 horas e quarenta repousava na sua posição habitual: olhos fechados, mãos cruzadas sobre o peito.
Quando, na casa da Takula, subíamos ao escritório, e, o encontrávamos deitado no sofá de olhos fechados, mãos cruzadas sobre o peito, sabíamos que descansava, feliz, sereno, reconfortado com a vida e dizíamos: "O pai está a descansar".
Foi o que aconteceu naquela 2ª feira. "O pai está a descansar"... para sempre.
Treze meses depois, tudo parece impossível.
Treze meses depois, tudo é inaceitável


terça-feira, 10 de maio de 2011

KIMBO

O Ouvidor
não morreu.
Tornou-se

luminoso,
transparente
como o céu,
ardente

como o sol,
azul
como o mar.
brilhante,
como as estrelas,
e, feliz, confiante,

adormeceu.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

ANUNCIO

Trago os olhos naufragados

em poentes cor de sangue.


Trago os braços embrulhados
numa palma bela e dura,
e nos lábios a secura
dos anseios retalhados…
Enrolada nos quadris,
cordas mansas que não mordem,
tecem abraços…
E nas mãos presas com fitas
azagaias de brinquedo
vão-se fazendo em pedaços…
Só nos olhos naufragados
estes poentes de sangue…
Só na carne rija e quente,
este segredo de vida!...
e nem eu sei…
Para onde vou,
diz a lei
tatuada no meu corpo…
E quando os pés abrem sendas
e os braços se risquem cruzes,
quando nos olhos parados
que trazem naufragados
se entornam novas luzes…


Ah! Quem souber, há-de ver
que eu trago a lei
no meu corpo…

Alda Lara, Poetisa Angolana


O quadro foi adquirido no dia 28 de Abril de 1990 - I Congresso de Quadros Angolanos no Exterior. Esteve desde então no escritório do Ouvidor.

domingo, 8 de maio de 2011

NOTAS POLÍTICAS (68)

É já corriqueira a constatação de que os recursos naturais e as matérias primas não constituem a riqueza decisiva dos países e por isso é que a formação dos recursos humanos adquire, por todo o lado, um papel chave no desenvolvimento e na promoção sócio - económica.

Seria, portanto, desperdício e deselegância de atitude da minha parte explicar o que toda a gente sabe, ou seja, as razões fundamentais por que os Estados e as sociedades emprestam cada vez mais atenção e dedicam acrescidas dotações à área da educação, da formação técnico-profissional e da formação profissional da mão de obra.

Está hoje demonstrado que uma das variáveis explicativas do ritmo e da qualidade do desenvolvimento dos países passa pela organização e pela capacidade administrativa do Estado. Portugal necessita, sobretudo nesta fase crucial, de poder contar com a disponibilidade dos seus melhores dirigentes, quadros e técnicos superiores e médios.

Lisboa, 26 de Abril de 1990

sábado, 7 de maio de 2011

CONFRONTO OU CONSENSO SOCIAL?

O posicionamento e a estratégia quer do movimento sindical, quer da parte patronal, face à opção “confronto” ou “consenso social” depende de um conjunto de factores e da análise que cada um deles fizer desses mesmos factores.

No fundo, suponho que se trata, realisticamente, de cada lado da barreira social avaliar o contexto político, económico e social em que se situa e de apurar as condições para levar a cabo esta ou aquela linha predominante de estratégia.

Ser-nos-á a nós possível pressentir, ou melhor, caracterizar o modo como o movimento sindical e o lado patronal avaliam a situação e os factores condicionantes de uma estratégia, num contexto de graves dificuldades económicas e sociais?

Penso que isso não só é possível como é indispensável e urgente fazer-se

É evidente que isso exige, para que possa ser feito não só com a objectividade minimamente exigível, como também com a qualidade imperiosamente suposta por tal tipo de análise, o contributo de economistas, de juristas, de sociólogos, em suma de todos quantos se interessam pelo mundo do trabalho e pela vida social, de acordo, evidentemente, com a valência profissional e a experiência de cada um.

Partindo do pressuposto, que me parece irrecuperável, de que o de ataque a uma situação crise exige a adopção de uma política global de natureza económica e social, no âmbito da qual têm de fazer-se opções entre diferentes alternativas, seleccionar-se objectivos prioritários, e conjugar-se medidas que os viabilizem, a primeira questão que levantaria era a de saber se existe, ou não existe, um sistema de participação ou de negociação na definição nesta política global.

Ora bem: penso ser legítima a conclusão de que um sistema mais ou menos desenvolvido de contactos -negociações sobre os grandes temas de política económico – social do País pode facilitar a criação ou de um consenso mínimo (seja ele total ou meramente social) ou, pelo menos, de uma não rejeição frontal e definitiva sobre medidas da política global a adoptar para todo o País






Porto 1982







sexta-feira, 6 de maio de 2011

ANGOLA POR DO SOL

NOTAS POLÍTICAS (67)

Nasci em Angola, vivi em Angola, não esqueço Angola.

Deixei-a há mais de trinta anos, e desde então, o meu reencontro com a “terra – mãe”foi passageiro e superficial.

O que sei de Angola, portanto, não me vem de conhecimento acabado e actual.

Aceitei partilhar a responsabilidade de intervir neste congresso pela simples razão de que o lema do convite que me dirigiram significou para mim uma obrigação indeclinável. Disseram-me apenas isto; “que cada angolano no exterior dê a Angola o que souber e puder, se Angola o quiser, e sem contrapartidas”.
É esta a única razão porque aqui estou, provavelmente, para dizer coisas sem grande utilidade para Angola, mas com a convicção profunda de que cada um e todos os angolanos são parte integrante de Angola.
Nenhum Estado e nenhum Governo do mundo, nenhuma lei dos homens, jamais teve força, em qualquer época da história, para fazer abjurar a “cidadania da alma” de que cada homem se sinta senhor em sua consciência.

Independentemente, pois, dos Estados, dos Governos, das leis e das circunstâncias, sejamos, cada um de nós, um Angolano para Angola.

I Congresso de Quadros Angolanos no Exterior, Lisboa 26 de Abril de 1990

quinta-feira, 5 de maio de 2011

ESTA A QUESTÃO FUNDAMENTAL

Penso que, qualquer Governo estará interessado em efectivar uma política a que, chamaria uma política de “participação” ou de “diálogo social”.

Concedo que se possa pensar, e legitimamente, que a orientação prevalente no perfil político deste ou daquele governo possa influenciar mais, ou menos, no sentido de abertura a essa política de diálogo.

Mas em democracia, e como regra geral, parece-me que qualquer Governo só tem interesse em reduzir as margens de conflitualidade social e económica.

Não procurará, por isso, e por sistema, o confronto.

E, demais, para que as suas medidas possam ter realismo, eficácia e alcançar o mais largo campo possível de inserção sócio – económico, é natural que elas sejam adequadas a essa inserção.

Logo é natural que procure prosseguir o tipo de política que designei de “participação” ou “diálogo”, ainda que ela possa ser interrompida por fases mais ou menos prolongadas de recusa ( de um ou ambos os parceiros sociais) à associação ou ao assentimento à realização dessa política.
Tudo quanto tenho dito aponta no sentido de um reforço da autonomia dos parceiros sociais e da necessidade de sabermos criar um espaço efectivo de discussão, negociação e entendimento social, que poderá ser maior ou menor, consoante as circunstâncias.

Tenho afirmado publicamente ser imprescindível que os parceiros sociais assumam em plenitude o seu protagonismo económico e social.

Faço-o, porque ontem como hoje, acredito na iniciativa privada e nos direitos dos empresários e suas organizações, tanto quanto acredito no papel dos trabalhadores e dos sindicatos democráticos e na função de garante que o Estado moderno deve assumir face às necessidades sociais fundamentais.
O meu empenho na concretização desta visão é sincero.

Mas essa concretização não se obtêm contra ou sem a vontade persistente das associações empresariais e sindicais, da maioria dos trabalhadores e empresários do nosso País.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

NÃO É POSSÍVEL ATENDER A TUDO

Ora bem: numa situação de crise económica e financeira profunda, os recursos, que já de si não são inesgotáveis, encurtam e as carências tornam-se mais agudas.

Neste contexto, cada um dos três parceiros tem objectivos próprios a prosseguir.

Por exemplo, é admissível que o Governo possa querer limitar, (por hipótese, friso) os aumentos salariais, controlar a inflação, fomentar o investimento, dominar o deficit da balança de pagamentos etc.

Mas é obvio que estes objectivos governamentais terão a ver, necessariamente com os objectivos dos outros dois parceiros.

Por exemplo, os empresários reivindicarão maiores facilidades de crédito, subvenções, baixa de impostos aplicáveis às sociedades, ajudas à exportação etc.

Os sindicatos, por seu turno, poderão reivindicar controlo sobre os preços de produtos e de bens essenciais, aumentos salariais pelo menos iguais à taxa de inflação, desagravamento fiscal relativamente aos salários de montante mais baixo, melhor sistema de protecção social, medidas de investimento público ou de ajuda pública ao investimento para criação de novos postos de trabalho, auxílios financeiros à preservação de empregos ameaçados, etc.

Poderia multiplicar os exemplos em relação aos objectivos de cada um dos parceiros, mas é fácil a cada um de nós imaginá-los.

E é nesta realidade, nesta realidade – repito que se chega à conclusão não ser possível atender a tudo, exactamente porque não se pode, simultaneamente, baixar os impostos para trabalhadores por conta de outrem detentores de menores rendimentos, ao mesmo tempo que os impostos para as empresas, uma vez que o O.G.E. não suportará maior endividamento, ou seja, há que manter, pelo menos, as receitas do Estado; de igual modo, e para dar outro exemplo, não se poderá manter controlo adequado sobre a inflação – e sabe-se como esta pode corroer o poder de compra salarial – se não se controlar a concessão de crédito; e, ainda por exemplo, se não houver um mínimo de coordenação, a política salarial corre o risco de manter ou agravar as disparidades intersectoriais, interprofissionais e inter-regionais, o que não é de certeza, um bom fundamento para uma sociedade que se pretende mais justa e equitativa.

Ora bem: se não se pode atender a tudo, e se, ainda por cima, os objectivos naturalmente conflituantes de empresários e de trabalhadores mais conflituantes se tornam em contexto de crise, como resolver, como articular minimamente objectivos entre si à partida tão díspares?


Esta a questão fundamental.

Porto, 27 de Janeiro de 1982, Primeiras Jornadas da Inspecção do Trabalho




terça-feira, 3 de maio de 2011

BLOQUEIOS Á PRODUTIVIDADE- (3)

É do conhecimento público que se vêm fazendo estudos e procurando soluções que obviem ou mitiguem práticas de absentismo injustificado ou mesmo fraudulento.

Trata-se de uma problemática de complexidade visível, sendo de notar que o fenómeno absentista tem a ver, igualmente com a motivação do trabalho e esta com as condições múltiplas em que ele é prestado.

A nível de empresa, experiências existem já das quais se conclui que a redução dos coeficientes do absentismo se pode obter mediante uma melhoria de condições ambientais e de carácter social, para além de estímulos à assiduidade e à produtividade, entre outros esquemas.

Julgo que estas experiências deveriam ser mais amplamente conhecidas, por forma a que fossem apuradas as razões por que nuns casos o absentismo é normal e, noutros, excessivo e em ordem a extrair-se linhas de conclusão susceptíveis de, com adaptações, serem implementadas a nível mais generalizado.

Penso que esta seria uma matéria que justificaria bem um debate público, debate esse que deveria centrar-se na questão mais vasta e decisiva da produtividade e do pleno aproveitamento de todos os nossos recursos, humanos, técnicos e naturais. Porque o absentismo é apenas um dos aspectos dessa questão mais vasta.

Se ele é agente de bloqueamentos à produtividade também é, simultaneamente, consequência de deficiências que existem noutras áreas.

Uma visão parcial do problema e uma solução parcelar deste não adiantariam muito no ataque que todos temos de empreender com vista à obtenção de níveis mais elevados de produtividade

segunda-feira, 2 de maio de 2011

RONDA


Na dança dos dias
meus dedos bailaram...
Na dança dos dias
meus dedos contaram
contaram, bailando
cantigas sombrias...
Na dança dos dias
meus dedos cansaram...
Na dança dos meses
meus olhos choraram
Na dança dos meses
meus olhos secaram
secaram, chorando
por ti, quantas vezes!
Na dança dos meses
meus olhos cansaram...
Na dança do tempo,
quem não se cansou?!
Oh! dança dos dias
oh! dança dos meses
oh! dança do tempo
no tempo voando...
Dizei-me, dizei-me,
até quando? até quando?

Alda Lara
______

BLOQUEIOS À PRODUTIVIDADE (2)

A participação dos trabalhadores na vida das empresas é uma das expressões da sua intervenção no processo produtivo.

O trabalhador jamais poderá entender-se como mero agente de qualquer actividade produtiva.

A maior ou menor identificação e solidarização dos trabalhadores com a empresa de que devem ser elementos não desfavorecidos constituirá, por certo, a melhor garantia da prossecução dos objectivos sociais e económicos da organização produtiva do País.

Nesta perspectiva, a participação dos trabalhadores na vida, nos resultados e até na propriedade das empresas, não sendo uma resultante exclusiva de qualquer acção exógena, poderá contribuir para a realização dos objectivos de humanização do trabalho, de acréscimos de rendimentos e de produtividade e de melhor obtenção de resultados finais de uma conjugada combinação dos diversos factores de produção.

Não existem soluções uniformes para a consecução destes objectivos.

Teremos de procurar as que melhor se adaptem à nossa vivência social.

É todo um caminho que está por desbravar.

Lisboa 9 de Março 1981

domingo, 1 de maio de 2011

BLOQUEIOS À PRODUTIVIDADE (1)

Já acentuei quanto o Governo (VII Governo Constitucional) se encontra sensível ao conjunto de questões que tem a ver com a produtividade, criação de riqueza e sua repartição equitativa, com o desenvolvimento socioeconómico e com a justiça social.

Admito que a legislação reguladora da cessação do contrato de trabalho não se adeqúe harmoniosamente a todos esses objectivos.

Nesta matéria, como praticamente em todas as outras, encontramo-nos face à necessidade de correlacionar os problemas e as soluções.

A lei do despedimento individual dá azo a uma baixa produtividade?
Dará.
Mas não dará azo, também, a injustiças sociais, como serão as decorrentes de possíveis abusos no recrutamento sob contratos a prazo?

E não é verdade que o País sofre de um alto índice de desemprego?

Não é certo, assim que temos que enfrentar o problema nas suas interligações? Parece-me que este é o caminho mais correcto. Caso contrário, arriscamo-nos a julgar ter solucionado um problema, sem nos apercebermos que vamos criar ou agravar os outros problemas, que seriam, depois, de mais difícil solução.

Em suma, defendo a necessidade de uma visão conjunta e coerente dos problemas e das soluções.

O mundo do trabalho é um todo muito complexo e sensível.
A regulamentação das relações laborais tem de ser realista. Não seria realista supor-se que se pode alterar uma matéria sem a enquadrar no conjunto de factores que a condicionam e que ela própria condicione.

O balanço global das alterações legislativas e da prática das relações profissionais deve expressar o equilíbrio sócio - económico que é necessário a uma sociedade democrática e civilizada.

Deveríamos ter isto sempre presente, a fim de que os passos a dar sejam dados com segurança e na certeza de que implicam mudanças necessárias, justas e perduráveis.

Lisboa 9 de Março 1981