terça-feira, 31 de janeiro de 2012

CONFIANÇA


CONFIANÇA

olha amor estas anharas
nelas  renasce
o verde forte
do capim
olha e escuta a vida
a borbulhar
sob a imensa sensação
de sermos nós
olha amor
e solta enfim
o brado da certeza
que não é crime
o grito à vida
e ao amor que se adivinha.
olha amor
estas anharas
renasce verde
o capim da terra grávida
de bocas saciadas
olha amor  escuta
esta imensa sensação
de sermos Nós

Costa Andrade (1936-2009) Poeta Angolano

( Com Carlos Ervedosa, foi editor da Colecção Autores Ultramarinos da Casa dos Estudantes do Império)

domingo, 29 de janeiro de 2012

AINDA O DIÁLOGO SOCIAL ALARGADO


" Estamos longe de alcançar aquela plataforma de consensualização que, do meu ponto de vista, seria necessária face ao desafio do nosso desenvolvimento económico e social.
É evidente que não tenho o direito de impor a quem quer que seja as minhas ideias. Nem quero. Se estiver errado justifica-se que democraticamente me critiquem. Se não estiver errado ou se quiserem dar-me o benefício da dúvida, então justifica-se que não se obstrua esta experiência. E porque é uma experiência de democracia participada, julgo que qualquer obstrução não o seria tanto ao ministro ou ao Governo, mas sobretudo aos interesses vitais de uma concertação social. E isso é que seria grave."

Lisboa 1981

FACE A FACE SOCIAL


Durante uma entrevista concedida ao Jornal “Comércio do Porto”, e a propósito da constituição da comissão consultiva tripartida, o jornalista faz esta pergunta:
C.P. Quando fala em parceiros sociais integrantes da comissão a quem se refere?
N.R. “ À UGT, à CIP, e à Confederação do Comercio”. Foram estas as confederações que responderam positivamente, no decurso das conversações que estabeleci com todas as confederações de trabalhadores e empresários.”
C.P. Porque não participa a CGTP-IN? Acha que não é conveniente inseri-la na comissão?
N.R. “A comissão está aberta a todos os parceiros sociais. Eu não marginalizei nenhum. Se a CGTP não participa é porque entende que não é do seu interesse. O problema é da CGTP não é meu”.
C.P. Mas acha que a iniciativa tem algum valor sem a intervenção da CGTP?
N.R. “ Claro que tem! Em primeiro lugar, trata-se de uma iniciativa marcadamente democrática, uma tentativa de organização de um face a face social. Quaisquer que venham a ser os resultados finais concretos, e sejam eles de divergências ou de aproximação de pontos de vista a participação de três confederações significa que se deu um passo em frente no campo do relacionamento social. Faz-se prova de quem está, no nosso país, disponível e disposto a discutir os problemas ao redor de uma mesa de uma forma civilizada. Em normalidade democrática não se entende que a rua seja o melhor forum de debate dos problemas e que os “slogans” de propaganda resolvam o que quer que seja.
Trata-se, portanto de uma experiência que se for utilizada com empenhamento total e lúcida serenidade, pode abrir enormes  perspectivas para uma certa consensualização  social.
 E esta é a chave dada para a resolução acertada de muitos dos problemas do nosso desenvolvimento."
C.P. Mas não receia que a CGTP boicote a ideia e os resultados desta experiência?
N.R. “ Eu julgo que cada um tem que assumir, neste processo, as suas responsabilidades. Eu assumi as minhas. Os parceiros sociais assumem as suas. O nosso povo tem o direito de saber quem se recusa, e porquê, a tentar uma experiência que não tem precedentes em Portugal, mas é claramente inspirada por valores e objectivos democráticos. A participação na comissão não envolve quebra de independência antes possibilita um livre confronto de ideias. Fugir ao debate democrático e participado é que pode ser entendido como sinal de fraqueza”

Excerto de uma entrevista concedida  ao “Comércio do Porto” 7/7/1981 

COMISSÃO TRIPARTIDA COM CARÁCTER CONSULTIVO


Como já vimos, logo que  o Henrique tomou posse do cargo de Ministro do Trabalho lançou, aos parceiros sociais, um desafio para a constituição de uma comissão tripartida que promovesse a revisão da legislação laboral.

“ Entendi que a iniciativa legislativa de reformulação das leis laborais deveria ser precedida por um diagnóstico aprofundado da realidade a que se aplicam as leis e por um debate sério de ideias acerca das melhores soluções a adoptar no futuro. A comissão tripartida terá por tarefa, apenas, discutir os aspectos das leis laborais que se entender carecer de revisão e propor linha de solução a adoptar legislativamente pelos órgãos de soberania competentes.  Será integrada por representantes técnicos dos parceiros sociais e por peritos do Ministério do Trabalho, convindo ser presidida ou orientada por personalidades independentes. A partir da sua formalização, será a própria comissão a estabelecer o programa de actividade e o correspondente calendário.
É possível que esta tarefa se interligue com a necessidade de um enquadramento global socioeconómico. E nessa medida se conexionará com a discussão de um eventual contrato social.
A opção que se nos coloca é entre um desenvolvimento económico e social participado, de que o País tanto precisa e, o agravamento da nossa situação de atraso em relação à Europa das comunidades."

Excerto de uma entrevista concedida  ao “Comércio do Porto” 7/7/1981

sábado, 28 de janeiro de 2012

CONVICÇÕES










"Para mim, a estabilidade e reforço da democracia, nos seus aspectos político, económico, social e cultural, passa fundamentalmente pela acção concreta dos partidos políticos.
As pessoas só militam, só se empenham ou só confiam nos partidos se estes lhes trouxerem uma visão coerentemente perseguida de consonância com o seu modo de pensar e de estar na vida, se lhes prestarem o contributo de um alargar e renovar de perspectivas dentro dessa visão, se se mostrar que a acção político partidária é tarefa um pouco de amanhã na prática de cada dia de hoje.
Penso que isto deveria ser assim, não como imagem circunstancial ou palavra de retórica".

Lisboa 1981


quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

DIÁLOGO PERMANENTE NO MUNDO DO TRABALHO



“Tenho recebido os parceiros sociais:  A CGTP-IN, a Confederação do Comércio. Terei amanhã a primeira sessão com a UGT; espero que a esta, também se sigam sessões de conversação com a CIP. A posição que tenho verificado da parte dos parceiros sociais é uma posição de abertura ao apelo que fiz. É um balanço que se pode considerar positivo e esperançoso. Nós temos uma legislação do trabalho pulverizada porque foi emitida ao longo de fases diferentes do processo de democratização  do País.  As leis do trabalho são acusadas de incoerência nas suas soluções e mesmo de contradição no seu conteúdo – o que em grande parte é verdade. Por outro lado essa mesma legislação do trabalho não corresponde, hoje, às necessidades do desenvolvimento  económico e social do País. Precisamos pois de rever essa legislação. O problema é saber como. Eu não sou adepto (e penso que já afirmei publicamente) de fazer revisões das Leis do Trabalho no segredo dos gabinetes.
A minha proposta, a proposta que tenho vindo a fazer aos parceiros sociais é no sentido de criar uma comissão consultiva, onde pudessem ter assento representantes das confederações sindicais, das confederações representativas dos empresários, representantes do Ministério do Trabalho e eventualmente de outros ministérios interessados também na legislação do trabalho. Isto permitiria uma discussão concertada dos problemas. Se não tivermos essa perspectiva global e coerente arriscamo-nos a fazer revisões parcelares sectorializadas,  que  podem,  eventualmente resolver este ou aquele aspecto, mas, depois, acabam por criar problemas noutras áreas.
A proposta que acabo de fazer pode ser uma plataforma, a partir da qual, se os próprios parceiros sociais o quiserem – e sublinho com toda a clareza – se o quiserem, poderemos empreender novas formas de procurar resolver outro tipo de problemas, que não sejam apenas problemas de ordem legislativa.
No campo da democratização plena das relações de trabalho existem outras áreas que têm de passar por um certo entendimento expresso ou tácito (há entendimentos tácitos que são tão ou mais valiosos que os entendimentos expressos) entre os parceiros sociais."

 Excerto de uma entrevista concedida  ao “Jornal Da Meia – Noite” da RDP (15  de Março 1981)

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

MONANGAMBA ( CONTRATADO)




Naquela roça grande não tem chuva
é o suor do meu rosto que rega as plantações:
 Naquela roça grande tem café maduro
e aquele vermelho-cereja
são gotas do meu sangue feitas seiva.
 O café vai ser torrado
pisado, torturado,
vai ficar negro, negro da cor do contratado.
 Negro da cor do contratado!
 Perguntem às aves que cantam,
aos regatos de alegre serpentear
e ao vento forte do sertão:
 Quem se levanta cedo? quem vai à tonga?
Quem traz pela estrada longa
a tipóia ou o cacho de dendém?
Quem capina e em paga recebe desdém
fuba podre, peixe podre,
panos ruins, cinquenta angolares
"porrada se refilares"?
 Quem?
 Quem faz o milho crescer
e os laranjais florescer
- Quem?
 Quem dá dinheiro para o patrão comprar
maquinas, carros, senhoras
e cabeças de pretos para os motores?
 Quem faz o branco prosperar,
ter barriga grande - ter dinheiro?
- Quem?
 E as aves que cantam,
os regatos de alegre serpentear
e o vento forte do sertão
responderão:
- "Monangambééé..."
 Ah! Deixem-me ao menos subir às palmeiras
Deixem-me beber maruvo, maruvo
e esquecer diluído nas minhas bebedeiras
 - "Monangambééé..."




Poema de António Jacinto - Poeta Angolano
1924 -1991

REVISITAR O PASSADO, COMPREENDER O PRESENTE



 “ Uma visão global dos problemas que proporcione soluções eficazes e perduráveis” é o objectivo do “debate social alargado” a que o titular da pasta do Trabalho deu já início com os parceiros sociais.
Os representantes da Confederação do Comércio Português, aceitaram dar o primeiro passo para aquela espécie de pacto social que o ministro lhes propôs, na ocasião, pedindo ao titular do edifício da Praça de Londres que os informasse sobre a posição dos restantes parceiros sociais em relação à iniciativa.
Recorde-se que Nascimento Rodrigues recebeu já entre outros a CGTP-IN a UGT e a CIP.
A Inter que apesar de ter sido recebida mais do que uma vez pelo ministro não se tem coabido de expressar a sua “desilusão” pelos diálogos havidos, volta hoje à Praça de Londres onde, entre outras coisas, apreciará processo de contratação colectiva, tendo em vista imprimir-lhe maior celeridade.
 Depois de mais de três horas de conversa, á saída do encontro, o porta voz da CGTP- IN considerou importante este tipo de reuniões  manifestando a disposição da  Central Sindical em mantê-las enquanto for possível avançar algumas coisas de concreto e afirmou que o Ministério do Trabalho está mais aberto ao diálogo mas em termos de resultados práticos, e até prova em contrário, continua igual ao anterior.  
A UGT e a CIP, na agenda das audiências a conceder por Nascimento Rodrigues, pronunciar-se-ão sobre o “debate social alargado” que o ministro propõe.

16 de Março 1981

“ A UGT aceitou a ideia do estabelecimento de um debate alargado sobre a legislação laboral actual, tal com anteriormente a tinha aceite a Confederação do Comércio Português -  declarou o Ministro do Trabalho, Nascimento Rodrigues, no final da reunião com a UGT.
Nascimento Rodrigues disse também que “ com a GTP-IN, não foi ainda possível chegar a total entendimento e por isso vamos continuar com o diálogo, como prova da democraticidade deste Governo”. “ É necessário elaborar um diagnóstico da situação laboral portuguesa para fazer o despiste das melhores soluções”. 
Aquele diagnóstico deverá ser feito por representantes das confederações patronais, sindicais, do Ministério do Trabalho e, eventualmente por personalidades independentes.

Comunicação social escrita ( de 7 a 16 de Março 1981)

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

DEMOCRACIA


"A Democracia não se esgota nos partidos políticos, não se fecha nos parlamentos e não se reduz a eleições livres e periódicas.
A Democracia não é, e nunca foi, senão um sistema de lenta, penosa e difícil construção de uma ordem política, económica e social mais livre e mais justa.
Democracia não significa apenas ausência de ditadura. As liberdades que ela postula só são reais, e não meras caricaturas, quando exercidas num Estado de Direito, o que pressupõe o império da lei e o primado da Justiça.
A Democracia não é um «bem de luxo», próprio para consumo dos países ricos.  Cada homem  e todos os homens têm direito à liberdade e à justiça social. Onde elas existirem, haverá paz na consciência dos homens
Não está nunca definitivamente conquistada, senão através da tolerância, do diálogo, do esforço permanente de compreensão e de busca de soluções comuns.
A Democracia representativa não pode dispensar a participação empenhada dos cidadãos.
Mas quando o sistema de representação partidária abre brechas, a confiança dos cidadãos nos dirigentes políticos por eles escolhidos é abalada, quando despontam preocupantes fissuras no tecido social – não há”clima” propício a práticas de consulta, participação e diálogo social -
Nenhuma «varinha mágica» está ao nosso alcance para nos fazer ultrapassar milagrosamente as imensas barreiras que se levantam, ou mantêm, ao aprofundamento das liberdades, ao crescimento saudável das economias de mercado, à generalização da justiça social.
Porém se não acreditarmos na capacidade do Homem, em que devemos acreditar? Falo do homem concreto, cuja dignidade essencial é igual em todo o lado, seja pobre ou rico, culto ou analfabeto, religioso ou ateu, homem ou mulher. Essa dignidade só é atingível no respeito integral pelos direitos do homem.
Não existe riqueza de uma nação com ambiente de degradação social".

Lisboa 1992

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

PORQUÊ? PARA QUÊ?


A dor da tua ausência não desaparece, não se dilui, nem se esbate.
Esconde-se e permanece: no sorriso das manhãs, na sombra das tardes ou na solidão das noites.
Regressa  sempre ao raiar da aurora destes dias cinzentos de Janeiro, frio, cortante, desolador.
Nas brisas geladas deste Inverno, transfigura-se em saudade, em lembranças, em tristezas.
E permanece nas perguntas: Porquê? Para quê?

sábado, 21 de janeiro de 2012

O INEVITÁVEL DIÁLOGO



“ Não é segredo que tenho sido adepto dos métodos concertativos, que considero expoentes de um sistema mais racionalizador de regulação sócio-económica e potencialmente favorecentes de estratégias de desenvolvimento mais coerentes e sustentáveis”.
“De igual modo direi que o estatuto de trabalhador deve ser um estatuto de cidadania, com direitos e deveres para com os empresários e a comunidade em geral”
“Tracei  como meta o que dominei de Diálogo Social Alargado. Estávamos em 1981, numa altura em que falar de diálogo social alargado era sujeitar-me a que uma parte das camadas sociais dos portugueses e da própria opinião pública me apelidasse ou de fascista ou de reaccionário.”
“Tivemos, na altura, iniciativas do Fundo Monetário Internacional, em relação a Portugal, que nos obrigariam a certos sacrifícios com repercussões na área do trabalho. Essa foi uma das razões que me levaram a sair do Governo e a deixar a pasta de Ministro do Trabalho. Não quis aceitar as medidas do FMI, porque sempre defendi que as coisas deviam ser feitas a partir do diálogo social e da concertação.

Posso por isso dizer, com algum orgulho, que fui o precursor da ideia, que naquela altura não se conseguiu realizar, mas que mais tarde se veio a comprovar ser a melhor solução.”

Ganhar o futuro não significa perder o passado. Significa, apenas, capacidade e vontade de não parar no tempo”

Excerto de uma entrevista concedida em Fevereiro de 2003 à revista Pessoal


PARLAMENTO E CONCERTAÇÃO SOCIAL



"O coração do nosso regime democrático pulsa, sem dúvida, na Assembleia da República. O Conselho Permanente de Concertação Social é também uma instância democrática. Aliás, as confederações nele representadas são as organizações consideradas mais representativas e foram fundadas e existem pelo voto democrático dos seus filiados. O Governo tem assento no mesmo conselho e emerge do voto dos Portugueses em eleições legislativas.
Estamos, assim, perante instituições indiscutivelmente democráticas, situadas, porém, em planos diferentes com distintas atribuições.
Ora, se um pacto social, assinado no âmbito da Concertação Social, necessitar de conformação legislativa que exija uma decisão positiva da AR, defendo que a esta cabe toda a legitimidade para a denegar. Legitimidade política e legal.
No entanto, entendo igualmente que o Parlamento, ao votar, por razões não estritamente jurídicas, contra as medidas legais indispensáveis ao cumprimento de um pacto social, responsabiliza-se politicamente pelas consequências desse voto. E essa responsabilidade deve assumi-la sem equívocos.

Acontecerá, neste contexto uma discrepância crispada entre a legitimidade democrática parlamentar e a legitimidade democrática da concertação social? Seria desejável que não existisse. Nas modernas sociedades plurais torna-se necessário um esforço permanente de concertação. Este não se suscita e se torna exigível, apenas, adentro das clássicas fronteiras das relações laborais. 
Parafraseando, atrever-me-ia a dizer, até que a concertação é o novo nome da paz e do desenvolvimento, em matérias e áreas que já abraçam o mundo novo que desponta aos nossos olhos,"

Excerto de “Artigo de opinião” publicado no Diário de Notícias a 2 de Abril de 1991

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

A FALAR NOS ENTENDEMOS



As melhorias económicas e sociais só são possíveis em liberdade política, com estabilidade governativa .”
 “As liberdades sindicais e os direitos laborais terão que ser respeitados mas é preciso que essas liberdades e direitos se exerçam sempre no quadro de regime democrático e nunca contra ele, pelo que apelo para o reforço da autonomia colectiva dos parceiros sociais”.
  “É necessário que Portugal tenha um bom sistema de relações profissionais, ou seja um sistema em que os poderes políticos, os sindicatos e as organizações empresariais actuem de um modo livre, responsável e concertado.”
 “ A reforma da legislação do trabalho deve ser feita de acordo com as necessidades do progresso social de justiça e de dinamização económica”
 “O combate ao desemprego tem que ser feito por todos os agentes sociais e económicos e não apenas por medidas do Estado”.
 “Para combater o desemprego é preciso aumentar o investimento, racionalizar a gestão, melhorar a formação profissional e respeitar a dignidade dos trabalhadores. “
 “A segurança no emprego exige compatibilização entre regulamentação do trabalho, mobilidade profissional e necessidade de satisfação de rendimentos salariais condignos.

Lisboa Janeiro de 1981( Discussão do programa do VII Governo Constitucional) 

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

DIÁLOGO SOCIAL ALARGADO


O Henrique era um defensor convicto das virtualidades da negociação livre.
Enquanto Ministro do Trabalho, uma das ideias mestras do seu pensamento político era a de um “Diálogo Social Alargado”, lema que dá ao seu programa de acção apresentado ao parlamento, a 21 de Janeiro de 1981.
A iniciativa mais ambiciosa que procurou fazer vingar foi a do estabelecimento de um acordo social, que seria, para a época, inovatório no nosso País.
Em 17 de Abril de 1981 dizia ao semanário “Expresso”
“ Estou disposto a levar até às últimas consequências uma política de contrato social, com as diversas forças sindicais e empresariais.
Continuo a afirmar que o diálogo social é absolutamente necessário e viável para um país, na situação económica e social como a de Portugal. E viável, por esta simples razão: da parte do Governo continua a haver uma predisposição muito nítida para o diálogo social. Mais concretamente da minha parte quero afirmar-lhe que o diálogo social e a minha política se mantêm na íntegra"
A iniciativa frustrou-se por não ocorrerem condições político – sociais e económicas propiciadoras de um pacto social.
A 1 de Outubro de 1981 em entrevista ao jornal “O Tempo” dizia:
“É discutindo, sem falsos preconceitos, que os parceiros sociais poderão chegar, um dia, a plataformas de entendimento mínimo. Porque o consenso é o caminho mais válido do desenvolvimento. E o desenvolvimento social e económico é o esteio da paz nas sociedades.”
O Henrique foi sem dúvida o precursor de uma ideia que, mais tarde se veio a comprovar ser a melhor solução. A semente tinha sido lançada. Como ele próprio escreveu mais tarde:
“ Poderá dizer-se (…) ser necessário, primeiro lançar a semente para que o trigo nasça, plantar a pereira para que esta dê frutos, forjar a ideia válida para que esta venha a ser acolhida. Mas se não houver quem saiba regar a semente, podar a pereira e convencer da bondade da ideia e fazê-la à prática, à luz das circunstâncias mutantes – onde estariam o “movimento” e o pragmatismo do nosso reformismo?”

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

FRASES QUE FAZEM PENSAR


"A liberdade política será sempre imperfeita e incompleta se não for acompanhada de um esforço constante de progresso social e económico."

" Não há liberdades sindicais e direitos e garantias  laborais sem um quadro institucional democrático."

"É preciso que as leis se ajustem às necessidades do desenvolvimento social e económico e que potenciem tanto quanto possível um significativo grau de receptividade pela parte daqueles a quem vão aplicar-se."

"Eu não entendo como é que se pode falar em democracia política, económica, social e cultural para uma sociedade em que persistem privilégios seja de quem for. Há que actuar em coerência com as ideias que se defendem".

"Não tenho medo da divergência das opiniões e do confronto das ideias. Do que eu tenho medo é das falsas ideias e das opiniões preconceituosas."

"Os conflitos suscitam a necessidade de recurso a processos de superação. Esses processos são clássicos: conciliação, mediação, estudos ou inquéritos técnicos publicitáveis, arbitragem voluntária. Mas a tónica dominante é a da solução negociada, ainda que por via do auxílio de terceiros"


Lisboa  Fevereiro de 1981

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

FRASES QUE MARCAM A ACTUALIDADE


O desemprego representa um desperdício dos recursos humanos do País, afronta a dignidade pessoal de cada homem, é uma limitação da liberdade individual e corrói a prazo a ossatura social da comunidade  que somos todos nós. 
O problema do desemprego só se atenuará, porém, com a dinamização da economia. Sem investimento não será possível o aumento dos postos do trabalho e a consolidação dos existentes.”

“O protagonismo social tem que ser assumido em pleno pelos sindicatos e pelas associações patronais, no quadro do regime democrático e no âmbito de um ordenamento jus laboral capaz de assegurar justiça social e modernização da sociedade”

Os poderes públicos, os sindicatos e as organizações empresariais têm que actuar de modo livre, responsável e concertado”.

.“Ou somos capazes de tentar as reformas sociais e económicas que se impõem, e de conseguir assim uma sociedade melhor, ou permaneceremos na cauda da Europa, distanciando-nos cada vez mais do futuro.”

Não pode haver condescendências perante os que utilizam o diálogo como táctica dilatória, em vez de o usarem como processo democrático de clarificação e de empenho em soluções concertadas.”

Lisboa  Janeiro de 1981

FERREL EM AGOSTO


Em 7 de Agosto de 1980 o Jornal “A Tarde” noticiava:

“Estão ultrapassados os problemas que na passada semana se manifestaram na constituição das listas do PSD com vista às próximas legislativas. ….(marcadas para 5 de Outubro de1980)

“ Com efeito dava-se como certo até à passada terça – feira que Henrique Nascimento Rodrigues destacado perito social - democrata em matérias de trabalho, recusaria a candidatura por Lisboa, obtendo nisso a solidariedade de …. e de outros sindicalistas. Carlos Macedo encontrou-se em Ferrel com Henrique Nascimento Rodrigues tendo-o demovido da recusa em participar nas listas do PSD.”

É verdade! O Henrique tinha decidido não aceitar ser novamente deputado.
A experiência anterior tinha-lhe feito ver que seria mais útil ao partido e ao País fora do parlamento. Ser deputado não o seduzia, nem o preenchia profissionalmente. 

Naquele período da nossa vida, (tínhamos vendido a nossa casa de férias em Cabanas para o Henrique poder comprar um escritório na Avenida Duque D’Ávila), passávamos férias, em casa alugada, numa aldeia a dois km do Baleal – Ferrel.

O Henrique tinha decidido: descansar, aumentar de peso, deixar de fumar, retomar a sua actividade de Jurisconsulto, deixar a política activa e não se candidatar a deputado. Tinha mesmo escrito uma carta a Carlos Macedo, onde explicava tudo isso.


 Essa carta não chegou a ser enviada.


 Esteve na minha posse até à morte do Henrique altura em que decidi destrui-la.


Quando, ao fim da tarde dessa terça feira vi Carlos Macedo entrar pela porta de casa, percebi que, seria muito difícil, para o Henrique, manter a decisão. Foram mais de três horas de conversa, que se prolongaram para além da hora de jantar.

Este encontro, o que nele foi dito, e posteriormente a morte de Francisco Sá Carneiro no dia 4 de Dezembro, marcaram definitivamente o seu envolvimento político – partidário nesta década de 80.

sábado, 14 de janeiro de 2012

FRASES ... VIVIDAS


"Subitamente os socialistas arrependeram-se de tudo quanto fizeram no passado próximo que, com a sua governação tornaram tão triste."

"Não concebo e não aceito, a pertença e a militância partidária, em termos de agressão a adversários".

"É extraordinariamente salutar, num País como o nosso, sentir que há muita gente que não se deixa contaminar por esse vírus que é o sectarismo partidário."

"É muito fácil protestar por palavras ou protestar por papel mas é muito diferente estar ao lado dos trabalhadores junto das empresas."

 "A independência é condição de subsistência da unidade sindical democrática. E esta é condição da existência de um sindicalismo livre e democrático, suporte e garante da democracia e agente das transformações sociais que o País tanto precisa."

 Lisboa 1980

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

DIÁLOGO GOVERNO-SINDICATOS


"É imprescindível o diálogo Governo - sindicatos. Do diálogo poderão resultar zonas de compreensão recíproca e a resolução concertada de problemas que respeitem aos trabalhadores. Tal como pode acontecer, muito legitimamente também, que se mantenham pontos de vista diferentes. Tudo isto são fenómenos próprios de sociedades livres.
É bem verdade, no entanto, que a situação do nosso País exigiria uma certa trégua social, voluntária e responsavelmente assumida. Para tanto, será legitimo que o movimento sindical exija da política governamental o máximo que esta possa dispensar em favor dos mais desprotegidos, no âmbito das disponibilidades nacionais existentes que são limitadas. E em contrapartida será também legítimo que o Governo espere do movimento sindical a demonstração prática, e não meramente afirmativa, do princípio de solidariedade nacional. Este é que parece ser o caminho da redução das margens de conflitualidade social numa óptica de consenso democrático e patriótico.
Não confundo este quadro com o dos confrontos forjados ou das situações aproveitadas pela facção leninista do movimento sindical português, em prol de objectivos que nada têm a ver com a democracia pluralista e com as transformações sociais viabilizadoras  de um projecto de mais justiça para todos os portugueses. A resposta para essas situações, que não sejam as do legítimo confronto e divergência democrática, tem que ser firme. Firme, neste duplo sentido: usar a autoridade democrática ao mesmo tempo que se faz prova de que se aplica uma política de claro sentido social."  
Lisboa, Fevereiro de 1980   

PRESIDENTE DA COMISSÂO PARLAMENTAR DO TRABALHO


Como vimos o Henrique foi eleito como deputado do PSD na sessão legislativa de 79-80, e presidente da Comissão Parlamentar do Trabalho. Ainda na entrevista dada a 28 de Fevereiro ao Jornal “O Tempo”, às perguntas do Jornalista:  

1-Disse-se que a sua inclusão nas listas se ficou a dever a uma reivindicação dos sindicalistas sociais-democratas. Significa isto que haverá uma “ala sindicalista” nas bancadas do PSD e que estaremos, então, perante um exemplo embrionário da prática seguida em partidos social-democratas e socialistas da Europa Ocidental?

2- E que interpretação dá ao facto de ter sido eleito presidente da Comissão de Trabalho da Assembleia da Republica?

Resposta do Henrique à primeira questão
N.R.
"Essa inclusão deveu-se à escolha do meu nome pelos órgãos competentes do PSD, tal como aconteceu com os demais candidatos. É possível que se tenha querido dar um espaço, nas listas do PSD, a pessoas directa ou indirectamente ligadas à actividade sindical e ao mundo do trabalho. Mas não vejo isso, senão como um facto necessariamente coerente com o perfil de um partido social-democrata.
O que não é correcto, é configurá-lo como resultado de qualquer imposição dos sindicalistas da TESIRESD. Estes integram-se na bancada, em inteira solidariedade com os seus companheiros. Não há deputados disto e daquilo, há apenas deputados do PSD. Que os sindicalistas, dentro desse todo, manifestem maior vocação e sensibilidade para as questões laborais ou que se revelem, pela sua própria experiência mais apetrechados para a defesa dos interesses dos trabalhadores, eis o que me parece perfeitamente natural.
Estou ao lado dos meus companheiros que exercem funções sindicais, mas não sou sindicalista, embora compreenda e sinta muito bem os seus problemas, na medida em que a minha actividade profissional, de consultor jurídico laboral, me proporciona essa vivência".

Resposta à segunda questão:
N.R.
"Essa eleição não tem qualquer significado pessoal, mas sim político. Exprime o reconhecimento desta simples mas muito importante realidade: O PSD, pelo seu programa e prática política, é um partido que encontra eco em vastas camadas de trabalhadores. Isso deve-se, em larga medida, à actuação de dirigentes e militantes sindicais integrados na TESIRESD, que tem sabido, no campo especificamente sindical, levar a cabo uma política correcta de defesa dos interesses dos trabalhadores. Estou certo que esses sindicalistas se manterão fiéis à linha de rumo que conduziu o sindicalismo reformista de base social-democrata, ao lugar de relevo que justamente ocupa no movimento sindical democrático."

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

PORQUE ESCREVI


Este texto foi escrito nos dois dias seguintes ao meu Pai morrer.
Tive que o colocar no papel para não me esquecer dele. Tive que o colocar no papel para lhe dizer (a ele e a mim) tudo o que me ia na alma. No final senti-me sereno e em paz com a minha vida e com a morte dele. Os próximos tempos vão ser difíceis mas os que virão depois ainda mais difíceis pois a sua memória irá fugindo.
E por isso escrevi. Para que eu não me esqueça. Para que os meus filhos possam saber um pouco de quem ele foi e aprender com o seu exemplo. Para que os meus sobrinhos no seu caminho possam também ter um testemunho do tio que com ele se fez homem.
Para que os meus irmãos e a minha mãe possam descansar um pouco no sorriso das nossas memórias.
Para quem quiser aprender com o seu exemplo lhe possa falar sempre que quiser.
E para eu continuar a viver ao som do seu pulsar.
Nuno

Faz 21 meses que o nosso filho escreveu este texto.
Para que a tua memória não se apague. Para que o teu exemplo crie raízes. Para termos o conforto dos teus ensinamentos. Para sentirmos que estás presente.
Escrevemos todos os dias.

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

DEPUTADO POR LISBOA


Em 1979 o Henrique é convidado por Francisco Sá Carneiro a integrar, pela AD, a lista de candidatos a deputado à Assembleia da Republica (eleições intercalares).
Embora a imprensa da época tenha especulado se não seria ele o Ministro do Trabalho deste 1º Governo da Coligação AD, (“Caso lhe viesse a ser proposto o desempenho do cargo de ministro do trabalho do VI Governo, o Dr. Nascimento Rodrigues não o aceitaria propondo, em sua substituição, o Dr. Eusébio Marques de Carvalho, que já desempenhou essas funções no IV Governo e de quem foi o colaborador mais directo") inicia  neste ano a sua experiência como deputado.
No dia 28 de Fevereiro de 1980 é entrevistado pelo Semanário  “O Tempo”.
À pergunta do Jornalista:
Sabemos que, desde sempre, se tem mostrado avesso a exercer tarefas partidárias. Como explica, pois, a sua candidatura a deputado, pelas listas da AD, como representante do PSD pelas listas de Lisboa?
Resposta do Henrique:
“ Não é exacta a afirmação de que tenho sido avesso ao exercício de tarefas partidárias. O empenhamento na concretização do ideário social – democrata e a busca de uma realização apropriada do programa do PSD não têm, forçosamente, que revelar-se pela ocupação de postos partidários. Por razões relacionadas com a minha própria maneira de ser e com uma actividade profissional muito cheia, optei por um militantismo diferente, mas que não concebo como menos útil ao partido. A este, são vantajosas todas as actuações que defendam e expandam o seu projecto, em qualquer área da sociedade. Não se deve confundir, pois, empenhamento partidário com preenchimento de postos do aparelho do partido.
Assim se explica, portanto, que tenha aceite a candidatura a deputado. Entendi que o País se encontrava num momento decisivo, e não seria correcto a meu ver, “descartar-me” da responsabilidade de uma intervenção, assumi-a com o sentido de cooperar no reforço da tónica social – democrata do projecto político apresentado ao eleitorado pela AD e claramente preferido na votação a que o País foi chamado”.


segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

9 DE JANEIRO DE 1981


Foi a 9 de Janeiro de 1981 às 12 horas que tomou posse, no Palácio da Ajuda, o I Governo de Pinto Balsemão (VII Constitucional).

 Nascimento Rodrigues, novo Ministro do Trabalho dirá de si para consigo: “ Se fossem todos trabalhar era bem melhor…” A expressão não é má, mas será que aquelas barbas vão aguentar a pressão que vai ser exercida sobre elas….
IN “O Diabo 13 de Janeiro de 1981

DÉCADA DE OITENTA

A década de oitenta é marcada por um período de enorme instabilidade governativa, com governos de curta duração e nenhum deles capaz de completar uma legislatura. Mas é precisamente nesta época (provavelmente por causa desta época), que a carreira política, partidária e parlamentar do Henrique toma expressão. Já percorremos parte da sua actividade enquanto Ministro do Trabalho no I Governo Balsemão logo após a morte de Francisco Sá Carneiro. Não vamos de modo algum entrar nas memórias de carácter político, não é esse o fim deste blogue. Mesmo que fosse, não estão escritas e como tal impossíveis de reproduzir. Há no entanto factos públicos, conhecidos e que poderão ficar no blogue com a finalidade que o Henrique lhe quis dar – deixar aos netos uma lembrança deste avô que os quatro mais novos não chegaram quase a conhecer, e como tal, não reterão qualquer lembrança da sua memória. É para eles que escrevemos. Para eles e também porque precisamos, (como pão para a boca), de modelos, de Homens Bons, de “Sécúlos”, de “Mais Velhos”, de "Homens Sábios", aqui vamos deixando, dia a dia, o saber, a acção e os exemplos de vida que o Henrique nos ensinou. Como herdeiros da sua memória entendemos ser fundamental deixar escrita a vida que ele viveu.
Retomamos agora a década do oitenta, sem embargo de podermos introduzir, desde que a propósito, outros temas, de outras épocas. Ao fim de quase dois anos de blogue, podem crer que temos material para isso.
O facto mais importante dessa época foi de facto a morte de Francisco Sá Carneiro no dia 4 de Dezembro de 1980.
Onde estava o Henrique no momento do acidente? Num sessão de esclarecimento, na Voz do Operário. Seria um dos oradores da noite. Estava com os três filhos mais velhos. Era o fim da campanha para a eleição do Presidente da Republica. Em confronto o General Soares Carneiro e o General Ramalho Eanes. A imagem que reproduzimos ilustra esse facto.

sábado, 7 de janeiro de 2012

EU QUERIA ESCREVER-TE UMA CARTA AMOR





Eu queria escrever-te uma carta
amor,
uma carta que dissesse
deste anseio
de te ver
deste receio
de te perder
deste mais que bem querer que sinto
deste mal indefinido que me persegue
desta saudade a que vivo todo entregue...

Eu queria escrever-te uma carta
amor,
uma carta de confidências íntimas,
uma carta de lembranças de ti,
de ti
dos teus lábios vermelhos como tacula
dos teus cabelos negros como dilôa
dos teus olhos doces como macongue
dos teus seios duros como maboque
do teu andar de onça
e dos teus carinhos
que maiores não encontrei por aí...

Eu queria escrever-te uma carta
amor,
que recordasse nossos dias na capôpa
nossas noites perdidas no capim
que recordasse a sombra que nos caía dos jambos
o luar que se coava das palmeiras sem fim
que recordasse a loucura
da nossa paixão
e a amargura da nossa separação...

Eu queria escrever-te uma carta
amor,
que a não lesses sem suspirar
que a escondesses de papai Bombo
que a sonegasses a mamãe Kiesa
que a relesses sem a frieza
do esquecimento
uma carta que em todo o Kilombo
outra a ela não tivesse merecimento...

Eu queria escrever-te uma carta
amor,
uma carta que ta levasse o vento que passa
uma carta que os cajus e cafeeiros
que as hienas e palancas
que os jacarés e bagres
pudessem entender
para que se o vento a perdesse no caminho
os bichos e plantas
compadecidos de nosso pungente sofrer
de canto em canto
de lamento em lamento
de farfalhar em farfalhar
te levassem puras e quentes
as palavras ardentes
as palavras magoadas da minha carta
que eu queria escrever-te amor...

Eu queria escrever-te uma carta...

Mas, ah, meu amor, eu não sei compreender
por que é, por que é, por que é, meu bem
que tu não sabes ler
e eu - Oh! Desespero - não sei escrever também!


Poema de António Jacinto ( poeta Angolano)
1924 - 1991



SINTO-ME BEM QUANDO ESCREVO


Referindo-se ainda ao despontar dos movimentos de “libertação” das ex colónias, e ao desânimo por sentir que o seu Mundo estava posto em causa:
"Gosto de dar mais importância ao que vejo do que ao que sinto. Na generalidade, sinto-me bem quando escrevo, mas, está-me cá a parecer que não estou a ser capaz de expor as minhas ideias. Mal sabes tu a quantidade inúmera de problemas com que me tenho deparado na metrópole – problemas  que nunca se me tinham posto, que me surgem abruptamente e aos quais, bem ou mal, eu procuro dar solução imediata para não perder tempo; problemas que passam pela mudança de vida e de ambiente e que vão, infelizmente, ao ponto de eu ter de discutir comigo próprio a minha felicidade pessoal, chegando, por  fim, ao absurdo de condições estranhas à minha vontade me impedirem os meus ideais e de, de um momento para o outro, “graças” àquelas injustiças que se fazem, me ver “enrascado” por… gostar da minha terra… ( não é preciso mais pois não?) E é muito possível, se eu  não conseguir demonstrar o contrário, que tenha os meus ideais barrados por obstáculos que serão absolutamente intransponíveis. Tu não sabes e nem por carta ou telefone tos posso contar, todos esses problemas. Eu vi-me num ambiente completamente estranho frente a casos que nunca se me puseram, e dado que os amigos não querem ou não podem auxiliar-me eu tive que resolver sozinho.
Sejamos sinceros para connosco e para com os outros: todos nós fomos uns autênticos “nulos”, uns incapazes, uns falhos de poder e de força de vontade. Esse desalento e desconfiança que nos avassalaram produziram resultados que estão bem à vista e que, mau grado, já não se podem mudar.
E, desalentados, agarramo-nos então às recordações do passado, como se elas fossem suficientes para nos fazer viver. Não, não pode ser assim.  Se os outros não querem, ou não podem lutar pela continuidade dos seus ideais – eu posso e quero. Saibamos construir, no momento, um passado para o futuro – prescindiremos de viver do “outro” passado. Saberemos viver onde quer que seja, mesmo que tudo esteja contra nós."

Lisboa 1958

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

QUANDO EU FOR GRANDE

O Henrique sentiu, desde muito cedo, necessidade de intervir, publicamente, em áreas relacionadas com os direitos humanos, justiça social, equidade, solidariedade. É esse sentimento que determina e norteia o seu percurso de vida. Primeiro o Direito, depois, a área Sindical e do Trabalho, a Cooperação com África, o Conselho Económico e Social e, finalmente, a Provedoria de Justiça. A criança, o jovem o Homem que sempre foi, nunca poderia ter tido outro percurso. Querem saber porque o afirmo? Leiam o texto que escreveu em Lisboa quando tinha 17 anos.
"Que culpa tenho eu de que não haja uma Universidade em Angola? Será justo tirarem um rapaz do seu lar, da sua terra, do seu ambiente e obrigarem-no a vir estudar para um sítio imensamente diferente daquele a que estamos habituados? Angola, já há muito que vem dando a Portugal a paga do que ele gastou com ela; seria justo fundarem lá uma Universidade. E, mesmo para além da ordem económica ou política, há a ordem sentimental, muito mais valiosa. Nós, os ultramarinos, estamos, neste aspecto, em plano de inferioridade, não o merecendo. Os rapazes de cá não são obrigados a ir estudar para lá, e nós somos obrigados a vir estudar para cá, a abandonar o lar, os pais, os amigos, tudo o que nos é querido, para termos um mísero “canudo”, tirado sei lá com que esforço, sem amparos, sem os incitamentos a que estamos habituados, sem alegria, sem nada. E das duas, uma: ou temos força de vontade e continuamos a ser os mesmos; ou desnorteamos e imbuimo-nos dos defeitos da juventude de cá, sem lhe aproveitarmos as virtudes. Tu não sabes as dificuldades inumeráveis que atravessam, cá alguns rapazes de Angola. Não sabes e praza a Deus que nunca o saibas. Não falo por mim, que eu sou dos mais felizes e nada no aspecto material me tem faltado. Falo, porque, conheço inúmeros casos, qualquer deles o mais decepcionante. Há moços que chegam a passar fome em Lisboa, que vivem pior do que em Angola, porque, infelizmente não têm meios. Uns aguentam-se, sofrem em silêncio, mas continuam a ser os mesmos. Esses rapazes é que me merecem admiração; ao pé deles, eu não passo de um felizardo, a quem Deus tem dado todas as facilidades para vencer e seria injusto e desprestigiante que eu não vencesse. Mas outros, outros perdem a cabeça, deixam esquecidos os princípios que lhes ensinaram e, no meio de um ambiente em que não podem contar com ninguém, aprendem a viver, servem-se de todos ilícitos de que Lisboa é pródiga – e eu compreendo estes casos, mas para mim esses moços deixaram de ser angolanos! Não é preciso contarem-nos – basta verificar um certo número de coisas e adivinhar o que por detrás verdadeiramente se passa.
Se algumas vezes eu falo com mais rancor – com mais entusiasmo, é porque vejo que isto não é justo, porque os rapazes ultramarinos não merecem esta situação que só gravíssimas consequências trará para Angola e muito mais para Portugal. Pudesse eu ter um nome feito e ser já um homem que lutaria para melhorar este estado de coisas. Não o posso fazer por ora; limito-me, portanto, a não ser um revoltado e a esperar, com fé que Deus faça o milagre de tornar a minha terra uma verdadeira terra de Paz e de Trabalho. E que Deus não se esqueça destes rapazes, porque serão eles os futuros homens de Angola e para Angola valer é preciso que eles valham alguma coisa."
Lisboa 1958

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

COMUNIDADE DE POVOS PORTUGUESES

O Henrique tinha consciência, desde muito jovem, que o Mundo que sempre conhecera, ("ensinavam aos portugueses do Ultramar que Portugal ia do Minho a Timor"), estava na rota da mudança. Não estando contra, o que é certo, é que a não aceitava a qualquer preço. Sabia o que queria. Mais tarde, em 1999, escreveria:

"Que meus pais, os pais de outros e outros ainda, fossem portugueses – nada a opor. Mas que não se atrevessem a fazer obstáculo àquilo que, para mim, era evidente – Angola independente, com negros, brancos, mestiços, católicos, protestantes, animistas. Poderíamos negociar uma comunidade de Povos Portugueses – isso era uma questão para se ir vendo."

Vamos ler um pequeno texto que o nosso Ouvidor do Kimbo escreveu, tinha então 17 anos. Estávamos no início de 1958.

“Os problemas de Angola são demasiadamente complexos para que um garoto, como eu, os possa compreender. Não sou economista, não sou político, nem sociólogo, nem entendido em assuntos tão graves – não posso, portanto, apontar defeitos com factos e remédios sem provas, mas sou angolano, sei o quer dizer Justiça e Honestidade, ensinaram-me a não me transviar e sinto dentro de mim uma fé enorme no futuro da minha terra. Se quando formos adultos, quisermos ensinar aos novos que sejam fortes e justos, necessário é que o tenhamos sido também na nossa mocidade. Angola é para mim, a primeira fonte do ressurgimento de Portugal; em muita coisa, o meu pensar diverge do dos meus conterrâneos! Mas a minha fé há-de vencer, porque também há muitos que pensam como eu e que sabem que mais vale um vencedor justo do que um injusto. Os rapazes de hoje, são os homens que amanhã vão formar uma Angola cada vez maior; para que possamos mostrar a todo o Portugal que o seu futuro e a sua força dependem de Angola, necessário é que a nossa causa seja tão justa, seja tão nobre, tão promissora e tão leal, que a Verdade – que proclamamos todos sob diversas orientações (e aqui é que está o erro!) possa ser entendida pelos surdos e olhada pelos cegos!”

Em Dezembro de 1999, num belíssimo texto intitulado o “ Fim do Império” e publicado neste blogue em Maio de 2010, diria:

“Envolvi-me nessa independência de Angola. Estudei, reflecti, fiz parte de grupos, declarei que as coisas não podiam continuar assim (mas não embarquei nas lutas de libertação, pela simples razão de que não percebi de quem se tratava de libertar – havia de libertar-se os povos negros, evidentemente, mas também os homens de cor não negra que pertenciam à sua terra. E, sobretudo, se era uma questão de liberdade, jamais se poderia colocar como se colocava, o problema em termos de comunismo versus capitalismo).”

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

CARTA PARA UM AMIGO

Os amigos guardam-se na memória e, no mais fundo da nossa alma. As palavras que nos dizem, ou escrevem, em certos momentos da vida, acompanham-nos sempre, determinam o nosso comportamento futuro em situações semelhantes, criam raízes e, servem de âncora em momentos muito difíceis do nosso percurso. O Henrique foi um amigo assim. Trabalhar, acreditar, lutar, são palavras que acompanham agora a sua família, no dia a dia da saudade que nos deixou.
"Conheço perfeitamente, esse teu estado de espírito, essa tua ânsia em encontrares um amparo, um “barco de salvação” que te conduza ao caminho que tu sabes qual é, mas não tens força para o seguir: lutar. Lutar, pura e simplesmente. Essa é a única solução de entre todas as soluções e não existe desculpa para a não seguires; esse é o caminho que poderás tomar só por ti; e, a par, eu devo incutir-te ânimo, devo ser o amigo de quem se esperam palavras de consolo para os momentos de desânimo, ou frases de entusiasmo nas horas de luta. E não o tenho sido! Eu sei que sou culpado. Que posso eu dizer-te como o melhor amigo que tens? Tudo vai correr bem, e juro-te que o não digo para te animar. Essa convicção tens tu que a criar em ti própria e não através das palavras dos outros. Porque não tens fé nas tuas capacidades? É como amigo que te falo, unicamente como amigo: põe o teu curso acima de tudo. É a minha opinião sincera e a que eu gostaria de te ver seguir. Trabalha, luta sempre, e verás que no fim não te hás-de arrepender do esforço dispensado, das horas “perdidas” a estudar sem vontade, dos momentos em que apetece dormir ou passear, mas que se preenchem à secretária, agarrados a um livro que se detesta! Garanto-te que, sejam quais forem os resultados, nunca te arrependerás!.
A nossa amizade há-de valorizar-se pela compreensão mútua, pela comunhão de ideias, pela sinceridade a toda a prova, numa palavra, pela “substancia”. Eu não quero que a nossa amizade, por não estar bem cimentada, se desfaça ao primeiro contratempo; não quero que a ausência ou a distância possam fazer ruir uma coisa tão séria como é a amizade."