segunda-feira, 31 de outubro de 2011

LIBERDADE, JUSTIÇA, SOLIDARIEDADE

"A Liberdade não é para nós, tão só o somatório dos direitos políticos fundamentais, pese embora a enorme importância da aquisição e consolidação destes limites.

Ser livre significa para um social-democrata não estar dependente, senão na estrita medida justificadamente demarcada pela justiça e suposta pelas exigências da Solidariedade. Liberdade, na sua acepção mais ampla, é a efectiva possibilidade de cada um poder desenvolver a sua personalidade do ponto de vista simultaneamente político, económico e cultural.

A Justiça assegura a cada homem direitos iguais e condições de partida idênticas, por forma a que a sua vida em sociedade possa desenvolver-se na garantia da liberdade completa e real.

A Solidariedade, palavra que para nós, social-democratas, é tão cara e tão rica de significado, exprime a consciência profunda de que nós, como seres livres e iguais, só conseguiremos viver humanamente e conviver fraternalmente se nos sentirmos reciprocamente responsáveis e se agirmos em sociedade no sentido do auxílio mútuo.

Estes três valores são indissociáveis e nenhum tem primazia sobre os outros. Proclamamos o nosso combate por uma ordem social nova e melhor, no sentido de uma sociedade mais livre justa e fraterna.

Este objectivo atinge-se, do nosso ponto de vista, de acordo com uma via realista, flexível e permanentemente ajustável porque as condições sociais, sobretudo no mundo de hoje, sofrem mutações constantes e muitas vezes de alcance incalculável. Mas se a via de consecução dos nossos objectivos políticos é pragmaticamente renovável, ela tem que ser coerente e eficaz face aos objectivos, porque estes é que não são mutáveis e não podem ser equacionados de acordo com as circunstâncias. É preciso, pois, que estejamos bem conscientes e firmes na defesa dos valores supremos que constituem o suporte ético - político da nossa acção."

Coimbra, 8 Novembro 1981

Publicado no “Povo Livre” em 18 de Novembro de 1981

domingo, 30 de outubro de 2011

CONSTRUIR O FUTURO

"Nas sociedades actuais, ditas desenvolvidas, à juventude depara-se o desafio de construir o futuro, com coragem e sapiência. É um desafio que implica a ultrapassagem ou o minorar de problemas tão agudos, como a falta de habitação para o jovens casais ou a inexistência de empregos para os que terminam a vida escolar. Mas a esses e tantos outros problemas antepõe-se a meu ver o problema dos valores éticos que parecem em regressão nas nossas sociedades.

Palavras como fraternidade e bondade, amor ao próximo e dedicação aos outros, lealdade e amizade, rectidão e espírito de sacrifício – palavras como estas parece que cheiram, por vezes, a bafientas e já nada dizem, infelizmente, a muitos jovens confrontados com uma sociedade de que não se sentem parte integrante e para quem o futuro se representa ou na revolta da rua e nos atentados terroristas, ou na alienação degradante da droga, da prostituição e do marginalismo social.

Serão de facto estas palavras bafientas? E os valores nelas ínsitos encontrar-se-ão, na realidade ultrapassados? Não o creio.

O que está errado não são esses valores e sentimentos, o que está errada é uma estrutura social que gera a descrença, a desconfiança e o afastamento do homem em relação aos outros homens e do próprio homem em relação a si próprio.

E por isso vos concito, a que não tenhais medo de usar, nem receio de ousar recriar com o significado e a dimensão humana ajustadas aos tempos de hoje, essas palavras, esses sentimentos e esses valores, cuja perenidade marca a perenidade do próprio homem."

Coimbra, 8 de Novembro de 1981. Encontro Anual de Quadros do Ensino Superior. Publicado no “Povo Livre” em 18 de Novembro de 1981

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

A TUA VOZ ANGOLA

nos tribos

e assobios

doa pássaros bravios

ouço a tua voz angola.

dos fios

esguios

em arrepios

de mulembas sólidas

escorre a tua voz angola.

em rios torrentes

regatos marulhentos

lagoas dormentes

onde morrem poentes

brilha a tua voz angola.

no andar da palanca

no chifre do olongo

no mosqueado da onça

no enrolar da serpente

inscreve-se a tua voz angola.

no acordar dos quimbos

nos cúmulos e nimbos

nos vapores tímidos

em manhãs de cacimbo

flutua a tua voz angola.

na pedra da encosta

no cristal da rocha

na montanha inóspita

no miolo e na crosta

talha-se a tua voz angola.

do chiar dos guindastes

do estalar dos braços

do esforço e do cansaço

emerge a tua voz angola.

no ronco da barragem

no camião da estrada

no comboio malandro

nos gados transumantes

ecoa a tu voz angola.

dos bongos e cuicas

concertinas apitos

que animam rebitas

farras das antigas

salta a tua voz angola.

a flor da buganvilia

a rosa e o lírio

cachos de gladíolos

o gengibre e a cola

perfumam a tua voz angola

ouve-se e sente-se e brilha

a tua voz angola

inscreve-se nos seres talha-se nas rochas

a tua voz angola

vai com o vento goteja com o suor

a tua voz angola

por toda a parte por toda a parte

a tua voz angola

que voz é essa tão forte e omnipresente

angola

que voz é essa omnipresente e permanente

angola?

é a voz dos vivos e dos mortos

de angola

é a voz das esperanças e malogros

de angola

é a voz das derrotas e vitórias

de angola

é a voz do passado do presente e do porvir

de angola

é a voz de resistir

de angola

é a voz de um guerrilheiro

de angola

é a voz de um pioneiro

de angola


Antero Abreu - Poeta de Angola


Antero Abreu nasceu em Luanda, em 22 de Fevereiro de 1927. Estudou Direito, 1º em Coimbra, e, depois em Lisboa. Durante a Faculdade foi dirigente da Casa dos Estudantes do Império.

Após a independência foi, durante 20 anos, Procurador Geral da Republica, e, posteriormente Embaixador de Angola em Itália.

MENINOS DO HUAMBO


Versão original de Meninos do Huambo.
Cantado por Ruy Mingas.
Letra de Manuel Rui Monteiro

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

A VOZ DA VERDADE NUNCA DOI


"Num contexto de crise económica, financeira e social grave, impõe-se adoptar medidas com inequívoco sinal de justiça social. Não aludo a uma utópica redistribuição de riqueza inexistente, refiro-me a acções claras de moralização da vida pública, de dignificação das instituições democráticas, de sensibilidade face aos mais carenciados, de sentido do Estado democrático de direito.
Ao alargamento desmesurado das despesas do Estado, a que assistimos nos últimos anos há que opor a desburocratização do País. À descoordenação administrativa e duplicação funcional e delapidação consequente de recursos há que opor eficácia e produtividade.
E tudo isto, tão sumariamente dito, ajudará muito mais a inverter as tendências de asfixia da sociedade civil do que o corte das amarras de gongorismo ideológico contido na Constituição.
Sem embargo, porém, é decisivo que os cidadãos e as organizações legítimas dos interesses colectivos mais diversificados assumam o protagonismo que lhes cabe na modelação da nossa sociedade.
E para isso é preciso que não se continue a dar prova quotidiana de que tudo esperamos do Estado, no subconsciente assumido, afinal, como a mezinha das nossas incapacidades.

Se o papel selado é mau, o requerimento para tudo e para nada não lhe ficam atrás."


Lisboa, Dezembro de 1981

HÁ 30 ANOS - ERA ASSIM EM PORTUGAL

"À nossa Juventude depara-se hoje, à semelhança do que ocorre em outros países mais desenvolvidos, um conjunto de problemas de difícil solução.

É o desemprego juvenil à cabeça, é o drama da falta de habitação de renda acessível para os jovens casais, são as questões específicas do sistema de ensino.

Não estou seguro de que exista uma política totalmente coordenada e eficaz para estas áreas, sabido como é que a nossa Administração Pública de há muito se enquistou na hegemonia isolacionista dos seus departamentos.

Assim por exemplo, impor-se-ia coordenar muito mais estreitamente as acções do Ministério da Educação com as do Ministério do Trabalho no domínio da formação, as daquele com os ministérios económicos e os parceiros sociais, com vista à melhor adequação do conteúdo do ensino às realidades e perspectivas sócio económicas do País, as do Ministério do Trabalho com os ministérios económicos, o Ministério da Educação e os parceiros sociais, face à necessidade de um plano coerente de ataque ao desemprego e de uma formação profissional integrada etc.

A confiança da juventude ganha-se com a sua própria participação, em especial através das associações que representam os jovens, e respondendo-lhes com acções concretas que traduzam o intuito político de se lhe proporcionar não milagres que só os demagogos oferecem, mas progressivas condições de melhor preparação para a vida, de efectivo exercício profissional e de realização cívica integral."

5 de Dezembro1981- Entrevista a “O Dia”

terça-feira, 25 de outubro de 2011

SÁ DA BANDEIRA- 1º DISCURSO OFICIAL

Desde muito jovem, revelou, o Henrique, uma grande capacidade, e, uma enorme necessidade de intervir publicamente em momentos particulares da nossa vida comum. Foi assim que, em 1956, aquando da repressão e invasão da Hungria pelas tropas soviéticas, (e em nome da academia da Huila ) profere o 1º discurso oficial de toda a sua vida. Tinha então 16 anos, e dirige-se ao Senhor Governador do Distrito.

EXCELÊNCIA

"Absolutamente cônscia de que vive um momento de alta e significativa vibração, a mocidade aqui está perante vossa excelência, para num grito uníssono de solidariedade académica elevar a sua voz, num sentido protesto contra a brutal agressão que ensanguenta a Hungria, e muito especialmente os estudantes, heróicos fomentadores de uma rebelião que se escreve a fogo e sangue.

A Academia da Huila não poderia, de modo algum, restar indiferente ou apática, perante tão inqualificável atentado aos sagrados direitos humanos de LIBERDADE e de JUSTIÇA. E, porque nestas terras altas da Chela, as vetustas tradições académicas mais profundamente se arreigaram no nosso espírito, bem latente sentimos uma chama de admiração por este povo mártir que, como qualquer outro, tem direito a aspirar à suprema ventura de ser senhor da sua soberania.

EXCELÊNCIA:

Quedamos atónitos e horrorizados, ao termos conhecimento dessa ignóbil série de atrocidades que se tem praticado em nome de uma hipotética liberdade. A jorros tem corrido sangue de um povo, que prefere tombar em defesa da Pátria escravizada, a trabalhar sob um signo requintado de malvadez e de desprezo pela inviolável Carta dos Direitos Humanos.

Sabemos que foram estudantes como nós, os primeiros a lançarem o grito de protesto e rebeldia contra uma opressão vexatória; são rapazes como nós, os que nessas longínquas margens do Danúbio caiem aos milhares, sem soltarem um único lamento, porque estão absolutamente convictos de que morrem pela causa justa de um nobre ideal.

O povo magiar escreve com sangue e terror uma das mais belas epopeias, que ao mundo foi dado assistir.

Poderão cair imolados pela metralha dos canhões; poderão sofrer em silêncio a humilhação de serem de novo calcados pelo materialismo soviético, e de não poderem contemplar em paz a bandeira tricolor da terra natal: ficarão sem irmãos e sem lar mas jamais acatarão uma dominação opressiva porque não morrerá a doce esperança de ver a Pátria libertada do jugo alheio.

EXCELÊNCIA

A academia está de luto. Fechamos as nossas capas em homenagem póstuma aos colegas húngaros que à custa da própria vida, souberam cumprir os sublimes ditames da HONRA e da DIGNIDADE.

Aqui no Lubango, a mil léguas do local onde ocorrem tão trágicos acontecimentos, nós queremos hastear o negro pendão dos académicos, para num gesto colectivo de fraternidade, afirmarmos a nossa veemente repulsa por crimes tão hediondos, e erguemos o nosso clamor de incondicional e sincero apoio ao Governo da Nação, que sabemos comungar nos mesmos sentimentos solidários.

Pedimos justiça para com o povo da Hungria, mas desejaríamos que essa reparação justiceira não acarretasse mais derramamento de sangue, nem maior número de vítimas. Queremos que se faça justiça mas que ela não seja cobardemente deturpada; gritamos por justiça, em nome dos direitos individuais, dos valores da vida humana.

Quanto mais não fosse, bastaria o facto de sermos estudantes e portugueses, para nos ser impossível concordar com atitude tão torpe que reduz a escombros a imortal Nação Húngara.

Que a grande Nação Portuguesa, do Minho a Timor possa saber que a Academia da Huila não desmereceu as suas nobres tradições e que nesta hora solene, em que comovidamente recordamos os nossos colegas e todo o povo húngaro, ela eleva a sua voz, para dizer com afoiteza : PRESENTE.

Tenho dito.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

VINTE ANOS DEPOIS

domingo, 23 de outubro de 2011

“PRIMAVERA MARCELISTA”

Já vimos que, após a licenciatura, e, até 1974, o Henrique exerce funções de técnico do FDMO primeiro, e, depois de Director de Serviços do Trabalho no Ministério das Corporações e Previdência Social.

Qual a sua visão política deste período da nossa vida colectiva? Em 23 de Fevereiro de 1983 em entrevista ao jornal “A Capital” diz o seguinte:

Eu tinha, nessa altura, 28 anos e, portanto uma grande capacidade interior, própria da idade. para sonhar e idealizar um mundo mais livre e uma sociedade mais fraterna. Foi a essa luz que encarei a ida de Marcelo Caetano para o Governo como a possibilidade de uma abertura progressiva para um regime de partidos, de tipo ocidental, e para uma sociedade mais igualitária.

Foi ainda a essa luz que os acontecimentos de Maio de 68, em França, me surgiram como um grito colectivo de regeneração profunda de uma sociedade de injustiças, em que já não se acreditava.

E à mesma luz, uma vez mais, a repressão na Checoslováquia foi, para mim, o esmagamento de ideais de liberdade e de dignidade humana, que a experiência então tentada nesse país corporizava por uma via especificamente nacional.

Há, nestes três acontecimentos tão diferentes, dois traços de certo modo comuns: por um lado, a tentativa de criação de uma diferente conformação político-social em liberdade; por outro o falhanço dessa esperança. A França não perdeu é certo, o seu quadro de liberdades públicas e cívicas. A Checoslováquia foi espezinhada pelas botas soviéticas e Portugal teve de encontrar no 25 de Abril a saída oportuna e realista do problema colonial, e da consequente democratização do regime.

Julgo que, na fase inicial da governação de Marcelo Caetano, a maioria dos meus amigos e companheiros acreditava que “as coisas iam mudar” e empenhavam-se nessa mudança. O sentido essencial da mudança apontava para um regime democrático, de liberdade de partidos e associações, de liberdade de reunião e expressão, de liberdade de imprensa e de legalidade do Estado, enfim, como disse para um regime de tipo europeu.

Mas havia evidentemente, diferenças quanto à prefiguração do rosto económico e social adveniente da evolução. Uns colocariam mais o acento no controlo do poder económico, na reforma estrutural da economia e no aprofundamento dos direitos sociais. Outros dariam mais atenção a uma tónica de liberalização económica e social em liberdade. E, é claro, havia também os que não acreditavam ser viável a mudança do regime por forma pacífica e evolutiva.

Mais tarde, quando se verificou que Marcelo Caetano estava capturado pelos que sempre se tinham oposto à mudança, grande parte dos que, na fase inicial, tinham acreditado com esperança e empenho, passou para a oposição declarada ou para a resignação resistente.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

DEDICAÇÃO

A 23 de Fevereiro, de 1983, vésperas do Congresso do PSD, no Hotel Montechoro, o Henrique é entrevistado pelo jornal “A Capital”. Quando se refere à sua falta de tempo para o convívio familiar, diz esperar que os filhos compreendam que não anda na política por ambição.

"Estou à espera do momento em que possa ser dispensado da actividade partidária que hoje exerço como vice-presidente do PSD, embora tenha a intenção e o desejo de exercer qualquer tipo de funções em que sinta ser viável o aproveitamento efectivo daquilo que aprendi ao longo destes anos e que não quero, eu próprio, desbaratar. Julgo que nenhum homem tem o direito de se recusar a dar aos outros, e a si mesmo, o contributo da sua especificidade individual e o património da sua experiência humana e profissional. Se isto é assim em qualquer período, por maioria de razão o deve ser na fase conturbada que o nosso País atravessa. E continua:

“ Julgo que a minha família, onde pontificam cinco filhos cujas idades vão dos 9 aos 16 anos, é quem mais tem pago com a indisponibilidade de tempo que obsta à obrigação de viver e conviver com ela mais assiduamente. Talvez os meus filhos venham a não compreender e não aceitar isto, e essa é uma probabilidade que me apoquenta. Se isto vier a suceder, creio que a única compreensão que lhes pedirei será a de reconhecerem que não tenho andado neste turbilhão de vida por motivos de ambição material nem por ambição de cargos.

Eu acredito que não são as soluções radicalizantes e messiânicas as que farão sair Portugal do seu estado de atraso.

Mas espero bem que não se repita o erro de não haver coragem, firmeza e convicção para mudar na tolerância e regenerar na solidariedade”

terça-feira, 18 de outubro de 2011

QUADROS NA TABANCA (2)


QUADROS NA TABANCA (1)


SAUDADES DOS FILHOS

Em 23 de Fevereiro de 1983 ( ano de grande crise política económica e financeira, do X Congresso do PSD, da Troika saída de Montechoro, do Governo do Bloco Central, do FMI,) o Jornal “A Capital” referia-se ao Henrique desta maneira:

“Nascimento Rodrigues é um homem que tem subido a pulso os degraus da carreira política. Foi ministro do Trabalho, e ao abandonar essas funções, a seu pedido, passou a dedicar-se de corpo e alma ao PSD, cujos destinos liderou substituindo Pinto Balsemão quando este estava muito sobrecarregado com os problemas da Chefia do Governo. Confessa-se uma pessoa diferente, hoje, do Nascimento Rodrigues de há 10 anos atrás. Homem preocupado em estar sempre disponível para acreditar nos outros e para estar sempre ao seu dispor, Nascimento Rodrigues lamenta que, ao invés seja a família e em especial os seus cinco filhos de idades entre os 9 e os 16 anos quem tem pago a factura da sua indisponibilidade de tempo para um maior convívio.”

Da Guiné Bissau, em 7de Outubro desse mesmo ano de 1983 escrevia:

"A minha vida continua a ser muito pacata. Aqui é preciso andar-se em cima das coisas, senão não se obtêm nada.

Quase nem tenho pensado na vida política daí. Apetecia-me que tivéssemos dinheiro para comprar uma boa vivenda, montá-la com conforto e aí passarmos umas férias agradáveis com os filhos.

A vida futura vai ser muito difícil para eles e gostaria que a sua juventude fosse feliz embora sem facilidades demasiadas porque não podem habituar-se a elas."

Este foi o primeiro passo para a nossa casa da Takula, para os encontros da família, para as férias que ninguém esquece.

Nasceu por vontade do pai que lamentou sempre o pouco tempo que lhe sobrava para dedicar à família.

domingo, 16 de outubro de 2011

SAUDADES DO PAI (1)

Publicado no Jornal "A Capital" em 23 de Fevereiro de 1983

BUBAQUE – ARQUIPELAGO DOS BIJAGÓS

Fui a Bubaque este fim de semana. É uma ilha paradisíaca, mas onde só se pode tomar banho, pois não há mais nada. O mar é um verdadeiro “caldo”, mais quente do que cá fora. A ilha é luxuriante, mas faz muito calor e não há ar condicionado.

Agora estou instalado numa moradia muito boa, tem ar condicionado e frigorífico, mas é enorme para uma pessoa só. Vem cá a mulher da limpeza quando saio para o Ministério e estão a ver se me arranjam uma lavadeira

Continuam a ser muito simpáticos e correctos e sinto-me bem. O pior são as “horas mortas”, ou seja, depois das 6h da tarde. Não se pode trabalhar a seguir ao almoço de modo que durmo um pouco e à noite só consigo adormecer depois da meia-noite. Não me tem apetecido ler ou estudar e, por isso, estas horas têm sido aborrecidas. A falta de companhia é o pior.

Aqui como calculas falta tudo o que é mais elementar. Do que mais sinto falta é do café, não há em sítio algum. Hoje nem nescafé havia como tem acontecido a maior parte dos dias. O almoço e o jantar comem-se razoavelmente, mas não como hortaliças ( aliás, praticamente só servem pepino, de que eu não gosto) o pequeno almoço é péssimo.

Sinto-me óptimo de saúde e não tenho apanhado sol, enfim é uma vida tranquila. Demasiadamente tranquila para os meus hábitos. Às vezes vou dar uma volta pelas “tabancas” com o Mário ( o meu “oficial de diligencias do protocolo”), outras, como hoje, procuro os mercadores de marfim da Côte d’Ivoire. O artesanato local é paupérrimo, as únicas coisas de jeito vêm do Senegal ou da Costa do Marfim. A única coisa que até agora decidi comprar foram quadros a óleo de um pintor local.

Bissau 3 de Outubro 1983

O quadro é de Gui Tavares -1983 Republica da Guiné Bissau

sábado, 15 de outubro de 2011

FARIM, 24 DE SETEMBRO

Hoje tive um dia muito cheio (sobretudo, entrevistas) até á hora de jantar. Depois houve uma destas habituais interrupções de energia eléctrica, que só foi retomada agora, 11.30.

Tudo tem excedido as minhas expectativas. A maneira como tenho sido recebido e me têm tratado é extraordinária. Continuo com o Mercedes e motorista sempre às ordens bem como o “oficial do protocolo”. Mas, para além de tudo sensibilizou-me muito o que se passou no dia 24, Dia da Independência. Fui até Farim e, aí assisti a um comício do PAIGC comemorativo da data. Era o único branco presente… e ainda por cima português.

Anunciaram ao povo quem eu era (fiquei na mesa de honra) e aplaudiram. Houve ataques à guerra colonial ao colonialismo, mas distinguiram sempre o Povo Português. Não há ódio nem feridas e o português é querido.

Isto é extraordinário e para mim, nesse dia, no contexto concreto que vivi, devo dizer que foi dos momentos que recordarei para toda a vida.

Mas houve mais. Regressamos a Bissau por volta das 16.30 e às 18 estava convidado para o Cocktail que o Presidente da República oferecia.

No Salão, protocolo rigoroso: o PR recebia cumprimentos em 1º lugar dos membros do governo e Comité Central do PAIGC, depois os Embaixadores Estrangeiros, depois os representantes das diferentes organizações internacionais, depois os representantes das organizações de massas (mulheres, juventude etc…).

Qual não é o meu espanto quando me “obrigam” a integrar-me no 1º grupo - ou seja, membros do Comité Central do PAIGC e também do governo – à frente dos embaixadores, do representante da OIT etc.. Só te digo que sentia as orelhas quentes dos olhares de surpresa e de inveja (visível) da assistência.

Mas… a surpresa maior estava ainda para vir. Às 20h as pessoas começam a despedir-se e recebo o recado de que o PR quer despedir-se de mim numa sala à parte. Ele sai e fico à espera. Levam-me para a sala ao lado. Aí converso um pouco com alguns dos ministros. O PR começa a sair do palácio, a pé, fazemos “comitiva”. Ele vai-se despedindo, ao longo do caminho, dos seus ministros e a mim e ao ministro do Trabalho não dizia nada. Comecei a pensar que ele dava “gaffe” e se ia embora sem se despedir. Claro que só depois percebi. Conduziu-nos à sua residência particular, onde entrei eu, o 1º Ministro o do Trabalho e Negócios Estrangeiros. Estive lá duas horas, a conversar e a beber champanhe (do melhor claro). Isto só contado de viva voz, mas garanto-te que foi inesquecível.

Bissau 26 de Setembro 1983

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

BISSAU 1983

"A ligação com Angola e com outros dos PALOP veio a surgir novamente no meu caminho de forma muito natural. Em 1981, quando desempenhei funções como ministro do Trabalho, procurei que a Organização Internacional do Trabalho (OIT) desse apoio aos PALOP nas questões laborais.

Passados dois anos, quando já não estava no Ministério, o director – geral da organização convidou-me a ir para a Guiné – Bissau a fim de servir de auxílio na estruturação da ordem jurídica laboral.

Gostei muito dessa experiência e penso que os resultados foram de tal forma proveitosos que o ministro do Trabalho passou a palavra aos ministros de outras ex-colónias."

Excerto de uma entrevista concedida ao DIREITO EM REVISTA 2001.

BISSAU 1983

A viagem foi óptima, embora um pouco cansativa por causa da “directa” Genève- Bissau e por não conseguir dormir bem no avião. A Guiné, sobrevoada do avião, é espantosamente verdejante e o rio largo e o mar ao fundo e a vastidão foram, um pouco, o reencontro esperado com a África que, porém já não é a minha. A recepção foi simplesmente espantosa, desde o Ministro do Trabalho, ao embaixador de Portugal e outras personalidades. Declarações para a rádio e jornais – sabem quem sou e “pesa” muito a vice – presidência e o Conselho de Administração do BIT. “Pesa”mais do que ser perito internacional. Fiquei instalado numa suite do Hotel 24 de Setembro, um quarto, casa de banho e sala de estar, tudo com ar condicionado. Não é luxuoso, mas é bom, tem frigorífico (com a gentileza de estar cheio!).

Aliás, estou a ficar incomodado com a maneira como me tratam. Tem sido só isto: um Mercedes Benz (melhor que o do nosso Ministro do Trabalho) à minha disposição durante toda a estadia, com motorista só para mim e um funcionário do protocolo permanentemente à minha disposição!!! O Ministro do Trabalho veio almoçar comigo ao Hotel e à tarde recebeu-me no seu gabinete e levou-me a ver o Ministério. Agora voltei ao hotel, dispensei o motorista até amanhã de manhã, mas ficou o funcionário do protocolo, que me disse estar encarregado de me fazer companhia às refeições e de rubricar todas as facturas…

O tempo está abafado e apetece estar na suite, por causa do ar condicionado. De facto estão a receber-me com honras de Ministro e não de perito internacional. Claro que é agradável, sobretudo num meio onde quase tudo falta, mas, com o meu feitio sinto-me incomodado com tanta honraria.

Bissau 21 de Setembro de 1983

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

NÃO CHORE PAI

" Não chore Pai" Afinal amanhã é um dia de alegria. Amanhã vou casar. Não. Não faz mal. Eu sei que é de felicidade. Por saber que cresci, que caminho pelo meu próprio pé. Do infinito da sua altura ( porque para mim o pai sempre foi alto) as lágrimas correm como poucas vezes vi.
Lágrimas de dever cumprido.
Lágrimas de alegria.
Lágrimas de orgulho.
No momento em que escrevo estas palavras a chuva cai com tanta força que parece que veio para me recordar essas lágrimas. Nesse dia antes de casar a chuva era como a de agora, este dia depois do pai morrer.
As suas lágrimas de alegria são as que verto agora no desespero da minha dor. Mas no dia em que o pai morreu fazia sol.
"Morreu em paz". Sem as lágrimas.
Hoje chove torrencialmente mas amanhã o sol brilhará certamente. Porque a sua luz está comigo e o seu calor secará todas as lágrimas. As do sofrimento. Porque as de alegria com que me olhava quando eu disse "Sim aceito", são para permanecer em mim.
E o sol do lado de fora da igreja brilhava também nesse dia do meu casamento.

NUNO

DEZOITO MESES

Depois da morte,

Ausência… Até quando?

Falta… E agora?

Tristeza… Espanto!

Lágrimas… esperança?

Nada mais….

Depois da morte,

Vida, fuga luta… para sempre!

Saudades, lágrimas, memória….

Reencontro.

Coração aberto… Alma vazia.

O grande abraço?

Que não se deu…

Aquela conversa….

Que cá ficou!

Nada mais…

Arrependimento… Ansiedade…

Porque não disse? Tudo que sinto …

Porque perdi? O que me falta hoje…

Porque não fiz…. aquela viagem?

Porque não dei…. o que me pedia?

Agora é tarde…

O reencontro? Engano…

Saudades, memoria, recordações…

Nada mais….

Tudo fugiu naquele momento,

Depois da morte.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

CARREIRA PROFISSIONAL (1964/1974)

Finalmente a 30 de Janeiro de 1964 termina a Licenciatura em Direito na Universidade de Lisboa.

Em 2001, numa entrevista ao DR, (Direito em Revista), revisita, respondendo ao Jornalista, os anos da Faculdade, e, a difícil adaptação ao Portugal Continental. Vamos ouvi-lo.

" Cheguei a Portugal aos 17 anos, a fim de ingressar no ensino superior. Até essa altura a minha vida fora passada em Angola. Posso adiantar que os meus primeiros anos foram terríveis, pois tive uma péssima adaptação ao clima do País.

Achava mesmo que Portugal era uma verdadeira Sibéria, depois de me ter habituado ao sol e aos grandes espaços Africanos. A minha ligação a Angola é, de facto, muito forte, e a forma de se encarar a vida em Angola ficou-me muito marcada na pele.

A minha dolorosa integração em Portugal influenciou os estudos, e os dois primeiros anos da Faculdade de Direito não foram de grandes classificações. Cheguei mesmo a pedir a meu pai para desistir do curso a fim de regressar a Angola. Esse pedido não foi tido em consideração, e ainda bem.

Fui conseguindo adaptar-me sucessivamente e terminei a Licenciatura em Direito. Apesar de tudo, mantive sempre o desejo de regressar a Angola depois da formatura."


Ainda na entrevista ao DR explica a razão pela qual não regressou a Angola ao terminar o Curso de Direito

"A razão principal prendeu-se com a necessidade de não prejudicar a carreira profissional da minha mulher, que estava a estudar Medicina em Lisboa. Na altura decidi apostar na carreira de Magistrado, tanto que ingressei num estágio para o Ministério Público."

( Inicia o estágio na magistratura do Ministério Público num dos Juízos Criminais do Tribunal da Boa-Hora, em Lisboa, e, nesse período, exerce de facto, interinamente, até Setembro desse mesmo ano, funções de delegado do Ministério Público, - por impedimento do titular do cargo).

"Apercebi-me, no entanto, que a colocação numa comarca longínqua dificultaria o meu casamento. Ou seja, decidira não ir para Angola a fim de não o comprometer , e, estava agora a optar por uma eventual colocação em Bragança ou no Corvo…

Por isso, acabei por ingressar no Estado, como tarefeiro no Fundo de Desenvolvimento da Mão-de-Obra um organismo recém-criado ( 1962) que se dedicava ao Direito do trabalho e da contratação colectiva."

Em Setembro de 1974, e, exclusivamente por se sentir coarctado no exercício independente das suas funções, que nunca tinha sido posto em causa, requer e obtêm licença ilimitada.

"Já praticava o exercício da advocacia em regime de "part-time". Depois do horário de trabalho mantinha um escritório, partilhado com mais colegas, com quem apenas dividia despesas. Depois de 10 anos de exercício de funções públicas, decidi finalmente dedicar à advocacia tempo inteiro. Acabei por ser consultor jurídico de vários sindicatos, mantendo-me intimamente ligado ao direito laboral."

Direito em Revista nº2 Março/Maio 2001

domingo, 9 de outubro de 2011

O VALIOSO TEMPO DOS MADUROS



"Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para a frente do que já vivi até agora.
Tenho muito mais passado do que futuro. Sinto-me como aquele menino que recebeu uma bacia de cerejas.. As primeiras, ele chupou displicente, mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço.
Já não tenho tempo para lidar com mediocridades. Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflamados.
Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte. Já não tenho tempo para conversas intermináveis, para discutir assuntos inúteis sobre vidas alheias que nem fazem parte da minha.
Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas, que apesar da idade cronológica, são imaturos. Detesto fazer acareação de desafectos que brigaram pelo majestoso cargo de secretário geral do coral.‘ As pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos’.
Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência, minha alma tem pressa…Sem muitas cerejas na bacia, quero viver ao lado de gente humana, muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleita antes da hora, não foge de sua mortalidade, Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade. O essencial faz a vida valer a pena. E para mim, basta o essencial!"


Mário Pinto de Andrade. Escritor e político angolano de nome completo Mário Coelho Pinto de Andrade ( 1928- 1990)

Quando o Henrique morreu, encontramos, escrito pelo seu punho, este texto enviado por um amigo, por correio electrónico.
Quem o conheceu entende, na perfeição que o tenha guardado entre outros documentos da sua autoria.
Com imensa saudade e em sua memória, fica hoje nas recordações do Ouvidor do Kimbo.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

À PROCURA DE TRABALHO-3


A Viagem a Cabo Verde não tinha corrido bem e o Henrique começa a emagrecer e a queixar-se de sérios problemas de saúde. Adia os exames para uma época especial, anda, triste desiludido desanimado.

Ontem passei o dia tremendamente mal disposto, mas hoje, porém já me sinto melhor. Estudei hoje um pouco da parte da manhã e depois do almoço fiz um repouso de quase duas horas.

Hei-de fazer todos os possíveis por engordar e ficar melhor, pois não ando a sentir-me muito forte

Afinal ainda não foi hoje que consegui falar com o tal juiz reformado, porque Sua Excª, ao que parece, quase nunca para em casa. Hoje fui à Direcção Geral dos Serviços de Conservatória saber de vagas para conservadores. Há poucas, por ora, - só 4 - , mas eu não estou nada interessado na profissão de conservador.

Agora vou estudar um bocado, porque isto não pode continuar assim. O pior é que não me dá grande vontade de estudar quando começo a pensar que ainda não sei nada acerca do meu futuro.

Hoje levantei-me cedo e já comecei a estudar. Vamos ver se consigo estudar todos os dias, nem que seja um bocadinho.

Ninguém sabe ainda ao certo quando são os exames. Em princípio serão em Dezembro mas já me disse o meu contínuo que, no ano passado, os militares conseguiram adiamento para Janeiro.

Queira Deus que tal não aconteça este ano, porque quanto mais depressa melhor. Sinceramente, eu acredito nas minhas possibilidades de trabalho e inteligência, não digo que seja para ir muito alto, mas estou convicto de que irei um pouco acima da banalidade.

É certo que eu tenho sempre praticamente assegurado um lugar como delegado, ou aqui na província ou no Ultramar. Portanto em última análise não fico desempregado, e não constituirei por isso qualquer encargo para o meu pai. Mas essa solução não é a que corresponde aos nossos projectos. É claro que a vida não para por isso e de qualquer modo tenho o meu lugar assegurado, mas é sempre custoso nós termos que abandonar os sonhos que nos são mais caros.

31 de Outubro 1963

Fotografia do por do sol na Casa da Takula (Homenagem ao Pai, da Sofia)

À PROCURA DE TRABALHO-2

Fui hoje à inspecção do Trabalho para saber de vagas actuais na Magistratura do Trabalho e nova desilusão: só há, agora, vaga em Faro, e mais nenhuma! Nem faço comentários – para quê? Ao fim e ao cabo o meu feitio pessimista habilita-me muito bem a sofrer estas contrariedades, pois é como se sempre as esperasse. Assim paciência. O pior de tudo é eu não ter aqui ninguém que me orientasse, isto é só queria que me dissessem quais os lugares vagos que eu poderia preencher. Sabes o que me responderam quando eu perguntei o que seria preciso fazer se amanhã houvesse alguma vaga? Só isto “ um requerimento ao Senhor Ministro e uma boa cunha”!!! Bom, uma vez que está encerrada esta hipótese, agora não sei o que poderei fazer quando acabar o curso. O Noronha disse-me outro dia que até na magistratura ordinária já não havia vagas. Será que nem a pior coisa eu consigo arranjar?

28 de Outubro 1963

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

À PROCURA DE TRABALHO-1

Estamos em fins de Setembro princípios de Outubro de 1963. Depois da viagem na Caranguejola do “Manuel Alfredo” era necessário pegar nos livros, preparar os exames, acabar o curso, e o que se tornou verdadeiramente complicado para o Henrique, procurar e conseguir emprego.

Fui ao Ministério do Ultramar para ver se conseguia falar com o P. Correia. Afinal falar com ele é mais difícil do que se julga! Fui atendido pelo respectivo secretário, que me informou que apenas podia pôr-me na lista de espera, a qual contem à minha frente umas 50 pessoas… Posto isto e os actos apenas posso aguardar a chamada…

Depois fui a casa de um juiz reformado, para quem o meu pai enviou uma carta por minha causa. Sua Exª não estava e tenho que lá voltar amanhã. De regresso a casa encontrei por acaso o juiz de S. Vicente, que fez viagem comigo e estivemos conversando um pouco.

Parece-me que ele quer sair da magistratura, porque diz que dá muito trabalho e nenhuma recompensa.

Finalmente, quase ao chegar a casa, topei com aquele rapaz goês, magricela, que é meu colega e como sei que ele é um fura vidas de 1ª ordem meti conversa com ele e tentei saber se ele conhecia algum lugar vago.

Claro, nada me disse de concreto (evita-se a concorrência), mas falou-me vagamente nas Caixas de Previdência, nas repartições ministeriais e…. no Instituto do teu primo que segundo me disse “alberga” alguns colegas nossos já formados.

Enfim todo o meu problema é saber de lugares que estejam vagos, para depois poder fazer alguma coisa.

29 de Setembro 1963

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

DIZEM


Teu corpo é pó, cinza, e, nada. Eu vi. Eu sei. Eu sinto? Eu creio? Não! ...

Tu és tudo! Corpo, Alma, Espírito, Vida. Nunca serás cinza, pó, ou nada.

Serás sempre Tu.

Eu vi. Eu sei. Mas não sinto. Não creio. Espero!


Fotografia - Sofia Nascimento Rodrigues (Verão 2011)

MOÇÂMEDES - ANGOLA

Há, no decurso de uma vida, acontecimentos, encontros, desencontros… No fim, quando tudo termina, e olhamos para o que resta, nas recordações do passado, ficamos a pensar se alguma coisa acontece por acaso. Quando, no espaço e no tempo, encontramos alguém que nos marca, esse encontro faz ou não parte de um desígnio, de um plano pré – estabelecido? Pode ser. Depende é de cada um de nós, seguir ou não esse caminho. O encontro existiu. O resultado, não foi desígnio, foi vontade de construir um futuro comum.

Neste blogue de memórias do Henrique recordamos hoje 1957; férias da Páscoa - excursão do Liceu Nacional de Diogo Cão a Moçâmedes.

Contar a minha vida por estas “praias morenas” seria um tanto fastidioso pela monotonia deste ambiente moçâmedense, que de superior ao do Lubango só tem os divertimentos de praia. De resto é tudo igual, havendo até, como é de esperar, menos camaradagem. Os rapazes da excursão lá partiram ontem, de comboio, juntamente com os finalistas de Luanda e os alunos da Escola Comercial de Moçâmedes. A nossa excursão não teve o brilhantismo que todos esperávamos, pelo simples facto de se atravessar, presentemente, um período difícil devido às constantes inundações causadas pela chuva, mas, mesmo assim levo algumas recordações agradáveis. Mas em Sá da Bandeira, terei melhor oportunidade para relatar o que se passou.

Será bom não esquecer que, no 3º dia após a abertura das aulas, temos um grandioso lanche com orquestra e tudo. Isto é um facto tão importante como o de eu ainda não ter começado a estudar…

Aceito o desafio para tirar melhores notas que tu nos exames. Creio que, nestes tempos mais próximos, não haverá professor de Filosofia nem História. Sinceramente, não sei o que nos vai acontecer nos exames, com tanta sabedoria! De qualquer maneira eu continuo a ter confiança… e garganta!

Moçâmedes 12 de Abril de 1957

sábado, 1 de outubro de 2011

HORAS A FIO


mundo virado
livro fechado
elevador parado
chave na porta
horas a fio
sala vazia
alma roubada
vida gelada
dia após dia
horas a fio
os olhos morrem
o mundo gela
a alma seca
a saudade dói
horas a fio
porque não te vejo
porque tu não estás
porque tu não és
é que tudo para
nesta vida pouca
horas a fio