sábado, 30 de abril de 2011

PARCEIROS SOCIAIS

Um dos valores mais fortemente respeitados em todas as sociedades democráticas é o que assenta na liberdade tradicionalmente assegurada aos sindicatos e às organizações patronais de estabelecerem as suas próprias relações e por essa via, as condições de trabalho.

O quadro de relações profissionais nos países de democracia pluralista é assim, marcadamente influenciado pelas relações entre parceiros sociais.

Eis por que nenhuma política democrática de relações de trabalho pode ou deve ignorar o papel dos parceiros sociais na conformação das condições de trabalho e emprego de cada país.
Daqui decorre, pois, a posição governamental (
VII Governo Constitucional), suportada pela ideia básica de introdução de uma dialéctica mais rica no relacionamento entre a lei e a sua preparação discutida, de situar com exactidão a nossa realidade sócio – económica e de reenquadrá-la legislativamente no âmbito de uma política de discussão social alargada.



E para o efeito se lançou – na efectivação dessa mesma política – a sugestão de criação de uma Comissão Consultiva Tripartida de peritos, representantes das confederações sindicais, das confederações patronais e do Ministério do Trabalho.As conversações nesse sentido levam-me a pensar que há condições de viabilidade para o arranque de um modelo qualitativamente diferente – porque eminentemente europeu, democrático e civilizado – de relacionamento político-social entre os parceiros sociais e os poderes públicos.
Lisboa 11 de Maio 1981

sexta-feira, 29 de abril de 2011

ONTEM COMO HOJE

Em Portugal, como alguém apropriadamente já disse, não precisamos tanto de mais leis do trabalho, precisamos, sim, de melhores leis do trabalho integradas num verdadeiro sistema jurídico-laboral.

Os parceiros sociais reclamam também alterações legislativas, conquanto, como é óbvio, com um sentido diferente.

Apenas para dar alguns exemplos, recordaria as principais reivindicações das centrais sindicais, que apontam para a modificação da lei dos contratos a prazo, para a melhoria do subsídio de desemprego, para o aumento das remunerações mínimas legalmente garantidas, para a revisão do regime jurídico das relações colectivas de trabalho em ordem a assegurar um maior dinamismo dos processos negociais…

Em contrapartida, as confederações patronais reivindicam, fundamentalmente, modificações na lei dos despedimentos individuais, no regime jurídico das faltas…

É preciso que as leis se ajustem às necessidades do desenvolvimento económico e social do País, tanto quanto é preciso que colham aceitação generalizada no húmus em que a sua aplicação prática se faz.

Quando assim não sucede, ocorre exactamente o fenómeno de rejeição (de um ou outro lado da barreira dos parceiros sociais) a que se tem assistido entre nós, e o da desmultiplicação de iniciativas legislativas desgarradas e pontuais.

Lisboa, 11 de Maio 1981

quinta-feira, 28 de abril de 2011

CONVÉM LEMBRAR

Ao falar-se de emprego, convém sempre reter no espírito duas ideias básicas: primeiro, que o nível de emprego e o da actividade económica são interdependentes; segundo, que não existem soluções miraculosas para uma rápida eliminação do flagelo do desemprego.

Isto determina ser a variável emprego muitas vezes mais condicionada do que condicionante da aplicação de um programa de acção económica, se bem que dele tenha de fazer parte integrante e – justamente porque o desemprego atinge graus preocupantes em termos de estabilidade e justiça sociais – nela tenha de assumir um papel e sentido tanto quanto possível decisivos.

É sobretudo à política económico-financeira global que incumbe o estabelecimento de um quadro global de referência capaz de provocar os indispensáveis à criação de novos empregos, logo, à redução do desemprego.

Lisboa, 11 de Maio 1981

quarta-feira, 27 de abril de 2011

"NOITE"- POESIA DE ALDA LARA

COMO A CORRENTE DE UM RIO - 2

Chumbei a Introdução em Outubro, perdendo um ano, pela 1ª vez na minha vida, por causa dessa única cadeira.

Foi justo? Não, não foi, porque eu sabia Introdução para passar

Eu sei que sabia e tive oportunidades várias de o constatar em confronto com outros colegas.

Direi a bem da mesma verdade que sempre prezei, que a minha prova oral – à qual fui com nota de 11, que me permitia um certo sossego – não correspondeu àquilo que eu sabia

Em oposição às provas nas outras cadeiras, eu não consegui brilhar e fazer crer aos outros – e especialmente ao examinador! – que sabia. E desta vez, o caso é que sabia mesmo. Tive pouca sorte, aliada à própria injustiça da prova que me fizeram, excessivamente rápida, (porque seria?) e à própria injustiça com me classificaram, pois poderiam muito bem ter-me aprovado mesmo com 10, tomando em conta que passaram os meus colegas, alguns dos quais fizeram pior prova.Coisas que sucedem na vida de qualquer um! Que sucedem, mas que foi pena sucederem-me a mim, não porque seja eu, mas porque já tinha o ano quase completo.

Seria uma grande vitória – que aliás eu não merecia, não por causa da Introdução à qual, repito quantas vezes forem necessárias, eu merecia a aprovação, mas pelas outras cadeiras, feitas em Julho, e às quais - essas sim só com muita, muitíssima sorte eu passei. Há absurdos e este é um deles, palavra! O mais lealmente que me é possível, imparcialmente, palavra, eu digo que, eu ser chumbado era naquelas em que passei (excepção, talvez, ao Romano) e nunca a Introdução!

O Destino… Consequências desse chumbo? – Nem elas estão ainda definitivamente claras no rumo em que influenciarão na minha vida! Falarei disso mais tarde, quando sentir – e praza a Deus que nunca sinta – que ele teve, de facto, influência decisiva. Não o creio muito, porque estou disposto a que tal não me volte a suceder jamais. Esperemos.
O meu chumbo tirou-me muitas ilusões, quando eu já estava convencido que passaria para o 2º ano. Talvez que a vida tivesse corrido melhor. É uma simples suposição da minha parte, nada mais, porque estou certo - isso sim - ! de que não voltarei a sentir-me tão feliz como na minha terra, enquanto não voltar para ela e não tornar a ter o que sempre tive.

O resto – será um complemento, com mais ou menos força.


31 de Dezembro 1958

terça-feira, 26 de abril de 2011

COMO A CORRENTE DE UM RIO - 1

Faltam apenas 3 horas para morrer este ano celebérrimo de 1958. Numa visão retrospectiva do que passou, ele foi o ano que mais profundamente influenciou a minha vida de rapaz.


Mas 58 foi mais do que os outros anos e só uma dúvida cruel me assalta o espírito neste momento e me faz ter medo de responder: foi bom ou mau?


Eu deixei a minha terra, os meus amigos, o meu lar, um milhão de pequenos nadas que sempre encheram a minha vida.


E eu tinha um amor profundo por tudo isso que era parte de mim mesmo e hoje deixou de existir.Era um sonho a minha vida em Angola, os “problemas” que me desgostavam ora em ora, as ilusões que permanentemente – numa constância tão viva como a corrente de um rio – me enchiam a alma. Eu sonhava! Sonhava coisas belas, muitas delas concretizadas.


Vivia afinal, - e só quando deixamos de ter uma coisa é que lhe apreciamos o valor! - um grande sonho dentro de um grande balão, que não era só feito por mim, era ajudado a encher-se pela própria vida objectiva que lá vivi.


O meu balão se esvaiu quase todo, desde que, num dia, eu deixei a minha terra. Quase que o sabia quando, do convés do “Uíge”, eu não senti saudade, nem tristeza, nem choro, nem nada: senti só um vazio infinito – bem me lembro – uma apatia enorme, gigantesca, que me invadiu completamente e não me fez chorar nem rir, antes me prendeu estonteado com mudança tão radical. Foi essa apatia, essa tristeza que não me fazia sentir triste mas somente alheio, que se prolongou por muitos meses ainda.


Eu vivi, sim; mas eu não vivi interiormente, uma vida só minha, como sempre tinha vivido.


Eu sofri imenso com a brusca transição a que me vi sujeito e confesso-o lealmente, eu não quis reagir contra esta apatia que me invadiu.


Em virtude de tão abismável apatia da minha parte, eu não abri um único livro de estudo – eu fui inconsciente, pela 1ª vez na minha vida!!! Não me interessei pelos estudos, um pouco levado pela ideia (bem idiota) de que seria capaz de passar com uma simples vista de olhos sobre a matéria.


Verdadeiramente, eu só comecei a estudar no início do 3º período e, mesmo durante ele, muitas horas eu perdi.


Não tive – reconheço-o – a “paga” que merecia por esse hediondo “crime” que cometi pela 1º vez na minha vida: eu passei a 3 cadeiras, (e ainda por cima com média de 11 ), como qualquer aluno normal que tivesse estudado um poucochinho.


Para ser verdadeiro, ainda hoje estou para saber como consegui passar a essas três cadeiras.


Eu não sei como passei. Juro que não, porque eu sei que merecia ter chumbado a Português, a Constitucional e talvez até a Romano. Mas eu tive uma sorte medonha nas provas orais. Diga-se também que, especialmente em Romano e Constitucional, eu não fui amedrontado para as orais. Pelo contrário!


Fui, para dar tudo por tudo, embora objectivamente, eu estivesse quase já reprovado pelas notas da escrita.


Mas.. passei. Passei e justamente, porque as provas que eu prestei nas orais foram suficientemente convincentes.


Quem me visse então, poderia ser levado automaticamente a supor que eu sabia – quando afinal, tive tanta sorte que só me calhou aquilo que eu tinha estudado e outras coisas que não tinha estudado, mas às quais não sei como consegui responder bem.



Lisboa 31 de Dezembro 1958

segunda-feira, 25 de abril de 2011

HENRIQUE NASCIMENTO RODRIGUES 12 DE ABRIL 2010

"Henrique Nascimento Rodrigues foi deputado, ministro, dirigente do PSD , presidente do Conselho Económico e Social, Provedor de Justiça. Morreu um "homem impoluto" e que arriscou dar o seu "contributo para tornar Portugal um País melhor".
Durante as últimas três décadas, Nascimento Rodrigues foi uma presença constante, mas sempre discreta na história política nacional. "Social democrata de gema", como a ele se referiu o fundador do PSD, Francisco Pinto Balsemão, foi "pai" do sindicalismo social-democrata e teve nas áreas sociais e do emprego o seu maior empenho. Foi ministro do Trabalho do VII Governo Constitucional, consultor da OIT e presidiu ao Conselho Económico e Social.
Uma "carreira impoluta" marca a vida deste homem, disse Balsemão. Ele, que resistiu até ao fim, ocupando o lugar de Provedor de Justiça, muito para além do que a saúde o permitia. Bateu com a porta, em Junho passado, farto de esperar por um entendimento parlamentar entre os dois maiores partidos portugueses, que o obrigou a permanecer mais um ano no cargo do que o seu mandato permitia.Para Pedro Passos Coelho, o novo líder social democrata, Nascimento Rodrigues deu "um grande contributo para tornar Portugal um País melhor". Cavaco Silva reconhece o "homem político que se destacou em todas as funções que exerceu pela sua estatura moral".




Há Homens assim. Hoje 25 de Abril de 2011 recordamo-lo, com saudade, é certo, mas com um enorme orgulho pelo nome que nos deixou.

Em sua memória,e, recordando a mais bela semana vivida em Portugal (25 de Abril a 1 de Maio de 1974) aqui deixamos a melodia mais marcante desses dias

domingo, 24 de abril de 2011

SINDICATOS E PARTIDOS POLÍTICOS (10)

Pretendi expor-vos, porventura de um modo imperfeito, um quadro sintético dos modelos principais sob os quais é possível encarar os problemas do papel do sindicalismo na sociedade, das suas relações com as organizações políticas, em suma, das concepções de autonomia sindical, que cada movimento sindical, ou cada fracção de um movimento sindical dado, de si possui, se proclama e intenta levar a cabo.

Não penso que a minha função seja de vos dizer qual o modelo da minha preferência, qual aquele que entendo como mais correcto.

Gostaria apenas de fazer uma prevenção que é a seguinte: não julgo que seja adequado raciocinar abstractamente nesta questão da autonomia sindical, isto é, não me parece correcto fazer opção por puros modelos teóricos.

Cada modelo não se repete da mesma forma em todos os países, com excepção, por ventura do Leninista, por ser um modelo mais de doutrina, do que de história ou de experiência.

Consequentemente, há todo um conjunto de factores nacionais que explicam e justificam a adopção desta ou daquela concepção de autonomia sindical. É por isso que devemos raciocinar em termos da situação concreta portuguesa, no próximo passado, no presente e no futuro, tanto quanto ele nos possa ser antevisível.

sábado, 23 de abril de 2011

SINDICATOS E PARTIDOS POLÍTICOS (9)

A autonomia é igualmente reclamada por outro tipo de sindicalismo que, mantendo íntegra a concepção de um não relacionamento orgânico com os partidos políticos, não enjeita, bem pelo contrário, atribui-se a si próprio o papel e o estatuto de agentes fundamentais de transformação social, ao lado das organizações partidárias e de outras forças sociais.

Para esta concepção, o sindicalismo desenvolve uma acção que é complementar da acção política que visa igualmente a modificação do sistema.

Sindicato e partido devem estar conscientes de que não pode haver transformação socialista da sociedade se não houver convergência, de uma forma ou de outra, entre sindicato e partidos da mesma zona ideológica.

O problema põem-se apenas ao nível de se saber que tipo de convergência deve ser essa, como deve manifestar-se, sem perigo para a independência recíproca de ambas as organizações.

Esta concepção, ao invés da que referi imediatamente antes, recusa a ideia de que deve existir uma divisão de trabalho ou tarefas entre o sindicalismo e as organizações partidárias. Mas há diferença de papéis e não deve haver uma unicidade na acção. Não existem domínios ou zonas reservadas a um e outro, em contrapartida cada um parte de ópticas diferentes para abordar as mesmas questões.

Como?
A organização sindical organiza os trabalhadores,
põe o acento tónico na situação de exploração capitalista de relações de produção, logo nada interdita que, a partir deste ponto de vista, se ocupe de tudo o que respeita aos trabalhadores e tenha influência na sua própria existência.

O sistema capitalista forma um conjunto que não pode ser atacado apenas de uma perspectiva ou apenas em certas áreas se o queremos substituir por outro sistema.

É com base nesta constatação da experiência que se legitima a criação e a defesa de um projecto sindical de sociedade.

Este projecto não pretende ser único, ele suscita o confronto com outros projectos, nomeadamente os partidários. O partido político encara a realidade de outro ângulo, que é o da sociedade global e do Estado. O seu objectivo é o da conquista do poder político, logo visa gerir a sociedade, através da conquista das instituições políticas e do Estado.

Ora o sindicato não tem esse objectivo, não pode haver aqui confusão de funções.
O sindicato situa a sua acção e o seu projecto numa lógica do desejável, tal como pode ser definida a dado momento pelo conjunto dos trabalhadores. Em contrapartida, o partido defronta-se com a lógica do possível, visto que deve gerir e transformar as estruturas políticas.

Daqui decorre uma certa tensão entre os dois tipos de organização e as respectivas acções. Mas deve procurar-se a convergência na independência para que possa haver efectiva transformação da sociedade. Isto supõe condições
A primeira,
é a de que a própria organização sindical deve estar dotada dos meios, dos instrumentos, para analisar a experiência vivida pelos trabalhadores, recortar dela todas as implicações e extrair-lhe as consequências. Isto supõe a necessidade de a organização sindical se situar por si própria na realidade social, de a analisar com os seus próprios olhos, em suma, de reflectir e de formular com autonomia o seu próprio projecto.
Em segundo lugar, é necessário que esta autonomia de pensamento sindical seja suportada por exigências elevadas de formação dos militantes sindicais e que esta formação seja concepcionada e realizada fora do quadro dos dogmatismos ideológicos existentes.
Em terceiro lugar, e como consequência, a estratégia sindical é autónoma da estratégia partidária e recusa-se designadamente, a inscrever a acção sindical no quadro de preparação de modificações por via eleitoral.

Daí o acento tónico nas lutas sociais como lutas de significado político, como instrumento de modificação da sociedade e a recusa de ir a reboque dos partidos.



Manuscrito 1976/77

sexta-feira, 22 de abril de 2011

SEM RUMO




Minha alma está de luto.
Nem tem forças para voar;
Neste mundo de loucura,
Não te consigo encontrar.

É longa a tua viagem,
Desconheço o teu caminho.
Dá - me um sinal e eu espero,
Encontrar-te bem pertinho.

SINDICATOS E PARTIDOS POLÍTICOS (8)

Pode haver um sindicalismo para o qual exista a necessidade de uma transformação da sociedade, sem que, contudo, o sindicato se pretenda atribuir a si próprio o estatuto de agente essencial da transformação, devolvendo esse papel para as organizações políticas.

É fundamentalmente o estatuto do sindicalismo reformista.

O sindicato reivindica para si total liberdade de contestação económica e social, define-se como um poder autónomo do poder político, quer este poder seja capitalista ou socialista.

Considera que o sindicalismo não deve ligar o seu destino ao do Estado, nem associar-se de qualquer modo a organizações políticas cujo objectivo é a conquista do mesmo Estado, a organização sindical deve realizar o seu programa e abrir as suas perspectivas de acção com total independência.

O papel do sindicalismo não é, então, o de criar ele próprio uma nova sociedade, é tarefa dos partidos políticos a de propor e operar com vista à consecução de modelos de sociedade.

O sindicalismo, na medida em que preserva uma total liberdade de pensamento e acção, opera no sentido da defesa contínua dos interesses dos trabalhadores.

É a concepção de um esclarecimento permanente no puro campo sindical, baseado no dever do sindicalismo de combater as distorções, os desequilíbrios e as injustiças sociais.

A luta desenvolve-se no terreno económico, através do poder contratual nas relações industriais ou de um poder de influência a nível político, vis-a-vis dos partidos ou do Governo. O sindicalismo é uma espécie de “lobby” dos trabalhadores.

quarta-feira, 20 de abril de 2011

QUADRAS DA MINHA SOLIDÂO





Poema de Alda Lara. Música Duo Ouro Negro

VOTAR CONSCIENTEMENTE

Não tenho legitimidade para dar conselhos a ninguém.

Mas se me é permitida uma simples opinião, e não mais do que isso, avançaria com uma ou duas reflexões.
Em 1º lugar, eu diria que talvez seja possível – não estou certo, e apenas admito – operar uma distinção, apenas distinção, entre o nível a que se coloca a nossa intervenção democrática como cidadãos do País, designadamente nos actos eleitorais, e o nível a que se coloca a nossa intervenção democrática como trabalhadores, filiados num determinado sindicato, pertencente a uma dada empresa ou sector de actividade nos quais brota uma luta sindical com reflexos na acção governamental. Por outras palavras, isto significa o seguinte: como cidadão, o meu voto realiza uma determinada preferência entre opções globais de política que me são postas pelos partidos concorrentes às eleições.

E esta opção global tem a ver não apenas com o modo concreto como foi tratada a minha situação de trabalhador na empresa A ou B mas também com o juízo que eu faço sobre todas as dimensões assumidas por uma dada política governamental e pelos políticos que a suportam.

Ora essas dimensões colocam-se ao nível global do País, têm a ver com todas as camadas da população, e não respeitam, até exclusivamente à política interna mas também à própria política externa do País.

E é por esta avaliação global da política do Governo que provavelmente se determinará o voto de cada um como cidadão.

Ora, isto é certamente diferente da opção assumida pela participação numa data luta laboral, ainda que com projecções políticas, e projecções políticas negativas para o “meu governo”, seja decidida pelos trabalhadores, sem interferências a eles estranhas, isto é sem obedecer a uma estratégia partidária, não vejo que aí se possa colocar problema de consciência e de opção.

A opção é então puramente sindical e como tal deve ser assumida, porque é da essência do sindicalismo a defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores.

Manuscrito 1976/77?

terça-feira, 19 de abril de 2011

ATÉ A LOUCURA É PERFEITA




Quero encontrar-me contigo;
Hoje à noite, nas estrelas,
Junto à lua sem luar!
Só um pouquinho… para ver,
Teus olhos brancos de Mar.
Quero encontrar-me contigo;
Amanhã no areal!
Só um pouquinho…para ouvir
A tua voz de cristal!
Não chores, amor, não rias,
Nem queiras voltar atrás.
Tudo foi puro até hoje?
Amanhã, logo verás!
Tenho um espinho no peito
Um cravo no coração.
Até a loucura é perfeita.
A vida sem ti é que não!

segunda-feira, 18 de abril de 2011

AH, DEIXEM-ME CHORAR

"Aqui sobre estas águas cor de azeite,

Cismo em meu Lar, na paz que lá havia:

Carlota, à noite, ia ver se eu dormia

E vinha, de manhã, trazer-me o leite.

Aquí, não tenho um único deleite!

Talvez... baixando, em breve, à água fria,

Sem um beijo, sem uma Avé-Maria,

Sem uma flor, sem o menor enfeite!

Ah, pudesse eu voltar à minha infância,

Lar adorado, em fumos, a distância,

Ao pé da minha irmã, vendo-a bordar:

Minha velha aia! conta-me essa história

Que principiava, tenho-a na memória,

"Era uma vez..."

Ah, deixem-me chorar!


Lisboa 1958

PEQUENAS ESTÓRIAS ( BONJOUR TRISTESSE )

Este é o meu quarto de estudante: a cama, o guarda-fatos, a mesinha com o rádio, a cómoda com o retrato dos Pais, a secretária cheia de livros.

Meia – noite! Meia – noite, a solidão do meu quarto, o tiquetaque do relógio de cabeceira e o fumo azulado, acobreado, da ponta do meu cigarro.

Meia – noite nesta terra desconhecida, em que o estrangeiro sou eu, perante ela; em que a tristeza é mais triste e menos alegre do que na minha terra bendita;

Solidão … sonho… tristeza… uma bola de fumo que sai da boca, fica a rolar, a rolar, e se desfaz lá em cima no tecto; um coração que chora baixinho pelo bater monótono e pungente destas 12 badaladas monocórdicas, um sorriso triste e saudoso ao canto dos lábios quentes…

Oh meu Deus, porque é que a vida não é um “mar de rosas”?

Porque é que eu me sinto tão cansado, com tanta vontade de dormir… ! Decididamente, é difícil de adormecer! Não consigo conciliar o sono, nem descansar tampouco das canseiras do dia de ontem.

Ontem, porque já são três horas da madrugada! Como vai amanhecer o dia de amanhã? Amanhã, quando acordar, e vir lá fora a mesma paisagem de sempre, a mesma terra estranha e as caras que não são as caras que eu queria ver, de mansinho me erguerei e num murmúrio hei-de dizer para mim mesmo:

“Bonjour tristesse”.






Lisboa Outubro de 1958






domingo, 17 de abril de 2011

FLEXIBILIZAÇÂO DA LEGISLAÇÂO DE DESPEDIMENTO INDIVIDUAL

É verdade, há críticas da parte das organizações sindicais relativamente à lei dos contratos a prazo. Estas críticas em grande parte são justificadas, a legislação tem permitido a utilização da lei com desvirtuamento da finalidade essencial do contrato a prazo de algum modo até abusiva. Mas a verdade é que temos que encarar os problemas com realismo e sem ser demagógicos. Ora bem, se quisermos ser sérios na maneira de afrontar estes problemas, deveremos reconhecer que toda esta situação de algum modo até abusiva, que se vive no domínio da contratação a prazo resulta ao fim e ao cabo de pouca flexibilidade na nossa legislação de despedimento individual. Eu penso que em países democráticos devemos encarar as greves com uma certa naturalidade. Devemos encará-las com naturalidade de um duplo ponto de vista. Por um lado o direito à greve é um direito que os trabalhadores têm e que a nossa Constituição consagra, e que deve continuar a existir. Por outro lado a greve é efectivamente como se costuma dizer nos meios sindicais, uma arma a utilizar em última instância. Infelizmente o que se verifica por vezes é que a greve é utilizada como 1ª arma, digamos assim. Eu julgo que os trabalhadores portugueses na sua generalidade, já se aperceberam de que a utilização da greve pode ser arriscada em certas ocasiões. As relações de trabalho, os conflitos de trabalho devem fundamentalmente ser resolvidos pelos próprios interessados, isso é uma prova de maturidade das organizações sindicais e das organizações representativas dos empresários. Portanto a linha de rumo que eu pretendo imprimir no futuro, é aquilo a que já chamei o reforço da autonomia colectiva dos próprios parceiros sociais. Simplesmente, o que entendo é que deve haver um esforço dos próprios sindicatos e das próprias associações patronais, no sentido de tentarem resolver os seus problemas. Porque os problemas devem ser resolvidos por quem os conhece melhor e quem os conhece melhor são efectivamente os dirigentes sindicais e os dirigentes patronais.




15/3/1981 RDP/1 Noticiário das 23.30 – Excertos de uma entrevista com o Ministro do Trabalho conduzida por Pedro Cid

sábado, 16 de abril de 2011

SAUDADES DO AVÔ (6)



Uma Família feliz. Um exército de netos. Um avô feliz e orgulhoso da sua descendência.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

HAVEMOS DE DIZER "VITÓRIA"

Eu, pouco ou quase nada tenho estudado. Cheguei à conclusão inevitável de que não sou estudioso! (que descoberta…). A única coisa que tenho feito é ler, ler, ler até mais não! Ainda não me deitei uma vez que fosse, antes das 2 da madrugada! Aliás, creio que nunca tive tanta vontade de trabalhar e de me cultivar, como agora. Mas, infelizmente, trabalhar é bem diferente de estudar… De qualquer maneira, tudo isto não me poderá ser prejudicial, antes, contribuirá para a formação de uma mais ampla mentalidade cultural. E, sob este aspecto, estou convencido de que o trabalho não será infrutífero. Não calculas o dinheirão que tenho gasto em livros, especialmente naqueles que dizem respeito à minha terra! Esta noite vou acabar de ler “ Angola Portentosa”, do Capitão Gastão de Sousa Dias. O livro está um pouco desactualizado, mas ainda assim é bom. Recebi uma carta do Padre Noronha. Não sei se sabes que está como professor de Filosofia e de OPAN (Organização Política e Administrativa da Nação) no Liceu “Diogo Cão”. Citou em plenas aulas as minhas ”abalizadas” opiniões sobre a cultura dos rapazes angolanos, as quais, por sinal, são perfilhadas inteiramente por ele, segundo me confessa. Diz o Padre Noronha que se admirou francamente com o meu pensar sobre esta vida de cá em comparação com a de Angola (no aspecto cultural claro), e que me apoia.“Subiste 100 por cento na minha consideração” - diz ele! Como triste nova, vou-te dizer que a “Huíla dos Novos”… faleceu! Bastante pena eu tenho, mas isso só vem confirmar plenamente a mina opinião de que o rapaz angolano, em cultura, ainda é inferior ao metropolitano, muito embora as suas qualidades de inteligência, de nobreza e de trabalho sejam superiores aos de cá. Junto me enviou o Padre Noronha um convite do Director do Jornal da Huila para que remetesse os meus trabalhos para lá. E informava-me também, de que os contos que eu tinha enviado para a Huila dos Novos seriam publicados no outro Jornal, a pedido do Director. Naturalmente fiquei satisfeito por saber que a minha “prosa bárbara” tem tanta cotação no ambiente lubanguense. Angolano que me prezo eu quero ser dos principais a ajudar a minha terra a tornar-se melhor e maior, nem que para tanto, ao princípio tenha que contar com a antipatia (natural, aliás) dos meus compatriotas. Daqui a anos, teremos uma Angola muito mais culta e…. civilizada! E eu hei-de ser, se Deus quiser, dos primeiros na brecha! E havemos de dizer “Vitória”.




Lisboa 29 de Dezembro 1957

quinta-feira, 14 de abril de 2011

PEQUENAS ESTÓRIAS (NOTÍCIAS DA GUARDA)

É da Guarda, do Café Mondego, ponto de reunião dos estudantes de cá, que te escrevo estas linhas, sob um frio horrível, que me faz bater os dentes. Morreria se cá estivesse mais dias. Concordo em absoluto que o frio faz bem, mas não consigo suportá-lo. Inconvenientes de se ter sangue quente… Acho a Guarda uma cidade muitíssimo pitoresca, pois, até hoje ainda não vira nada no género. Estas ruas, estas casas, esta gente, tudo isto é engraçado e crê que não minto ao dizer que gosto. Gosto… mas só para ver e passar aqui dois dias; mais, nunca! Seria incapaz de me adaptar a este modo de vida. As casas são muito típicas, mas palavra de honra que não sei como há gente que consegue viver nelas. Mas ainda assim, achei tudo isto digno de se ver. Não sei como te explicar o que sinto por estas terras. O meu companheiro de viagem, veio-me dando uma explicação acerca das terras e das gentes das regiões que percorri: partes do Ribatejo, Estremadura, Beira Baixa e Beira Alta, É fantástico como não se encontra um palmo de terra por cultivar, nem um único quilómetro que esteja por povoar! Tudo aproveitado ao máximo, tudo cheio de aldeias, que a terra é pequena e não dá para tanta gente. E lembrar-me eu que, em Angola, há milhas e milhas sem uma casa, campos virgens que tanto rendimento ofereciam, se explorados! Aqui da Guarda, desfrutam-se uns horizontes maravilhosos. Não sei porquê, mas isto faz-me lembrar Sá da Bandeira! Não a cidade, que é muito diferente, mas os campos e sobretudo as serras que eu avisto. Até o próprio modo das pessoas é mais natural e singelo. Decididamente prefiro o campo à cidade. Aqui vim encontrar um pouco do modo de ser franco e rude de Angola, um pouco de franqueza e amizade. Só não gosto é do frio…Brrr!




Páscoa de 1958

quarta-feira, 13 de abril de 2011

QUASE TUDO

Quase Tudo
Pai: faz hoje 1 ano que partiu. Partiu o seu rosto, o seu cheiro, a sua mão. Partiu a sua presença, tão essencial. Mas é inegável e surpreendente. Continua presente em cada dia, em cada encontro de família, em cada data importante para nós, até em cada interpelação dos tempos complexos e difíceis de compreender, que o país atravessa. O que diria o Pai? Como leria estes tempos? Como os entenderia, para lá do que conseguimos ver? Está presente, Pai, ensinando-nos que quase tudo pode terminar. Quase tudo pode, realmente consumir-se. Quase tudo pode desmoronar, com o passar do tempo. Quase Tudo, menos o Amor. O Amor persiste para além do tempo; persiste para além dos nossos sentidos; persiste para além da morte. Basta parar. Respirar fundo o ar da Primavera. Recordar tudo o que nos ensinou. Procurá-lo nos sinais. E perceber que isto que somos é fruto de si.




Sofia

AVÔ

Olharei para as estrelas hoje para te tentar encontrar nelas. Encontrar os teus olhos brilhantes que, espero, pousem em mim nos anos vindouros. Passou um ano desde que seguiste outro caminho, um que não podemos seguir contigo, e, passado esse mesmo ano escrevo-te e conto-te aquilo que, por pena minha, não pudeste presenciar. Gostava que cá pudesses estar para me veres fazer dezoito anos, de te fazer orgulhoso, tão orgulhoso quão orgulhosa sou em ser tua neta, por te ter tido na minha vida. Não há dúvidas que sinto a tua falta, do cheiro do tabaco na tua roupa, do teu rosto enrugado de sabedoria e conhecimento que gostaria de ter partilhado contigo. Sinto saudades desses olhos cansados de batalhar pelo bem - estar dos outros, e se há algo de que mais sinta saudades é do teu toque, do teu suave toque que me acalma e aquece. Quero poder reencontrar o teu colo e aninhar-me nele, adormecer nele, quero ser embalada até sentir o conforto e a segurança que sempre me transmitiste, a sensação familiar que só tu és capaz de me transmitir. Hoje quando vir as estrelas, vou reencontrar essa sensação familiar e guardá-la mesmo aqui, no meu coração




Lisboa 12 de Abril de 2011 Catarina

terça-feira, 12 de abril de 2011

H. NASCIMENTO RODRIGUES



Fez hoje um ano que regressou à ‘Casa do Pai’ um Homem Bom: Henrique, para uns, Nascimento Rodrigues, para outros, sempre com uma palavra positiva, de encorajamento e de apreço para toda a gente. Um exemplo para os políticos de hoje Face aos tempos de austeridade e à grave crise que o país hoje atravessa, quero aqui referir o seu exemplo de homem íntegro. Sou testemunha que, quando ele foi Ministro do Trabalho, em 1981, se levantava cedo, saía de casa, ao volante do seu Citroen “Diane”, levando a mulher ao trabalho e os filhos à escola, após o que regressava à porta de casa, onde o esperava o carro do Estado, cujo motorista o conduzia então ao Ministério, onde chegava sempre pontualmente às 9H da manhã. Como ele ainda hoje poderia ser útil ao país! Os que com ele privaram jamais o esquecerão. Espero que, pelo menos, sirva de exemplo para o “seu” PSD, nestes tempos difíceis.


Jorge da Paz Rodrigues Publicado terça-feira, 12 de Abril de 2011 22:45

PALAVRAS NO AR

NÃO!!!

Nesse segundo antes do outro segundo o telemóvel tocou. Sempre pensei que ia saber como seria esse segundo antes do segundo seguinte. “Nuno, querido é o pai… O pai morreu, Nuno."

NÃO!!!

Voou a minha vida naquele grito pelo meio das árvores. “Nuno, querido.” Nos segundos antes do dia anterior nada fazia prever. Telefonei à mãe, talvez fosse lá jantar, mas tu tinhas-te sentido mal. Estavas a vomitar, foste internado. Nos segundos antes desse dia, a mãe telefonou a dizer que te ia ver, para não me preocupar. Só uns segundos antes do telefone tocar.

NÃO!!!

Tu não tinhas parado como era o nosso medo. Tu estavas a conseguir pai. Como é incrível a volta que deste à tua vida. Tu que não sabias trabalhar com o telemóvel, o que para alguém que trabalhou a vida toda como tu era intrigante. Para alguém como tu em que trabalho é esforço, trabalho é dedicação, trabalho é nunca desistir, trabalho é sermos mais e melhores, esse pequeno e simples objecto não fazia o sentido de uma caneta. Tu deste outra vez a volta. Escreveste com a caneta os teus apontamentos de informática que só agora vi. Não percebi o que escreveste. Não me explicaste enquanto podias. Como sempre. As meias palavras escritas ou ditas eram afinal a nossa especialidade. Parece que quando flutuam no ar depois de sair da nossa alma elas perdem sentido. As palavras ditas nunca são as mesmas que as sentidas no coração. Deve ser por isso que não as sabia dizer-te. Parece que ainda agora não as sei colocar aqui. Não sei. Mas sei que tu as conhecias melhor que ninguém. Entre o “sim fui a Espanha esta semana” e o “não lutes com o teu irmão” estavam as outras palavras. Aquelas que o teu olhar profundo não sabia esconder. Eu sei que eram essas palavras que o ar devia ter trazido e ficaram aí. Mas a Mãe sabia trazê-las de um coração para o outro. E a vida fazia questão todos os dias de me as mostrar na intensidade de cada momento. Mas escreveste-as no teu blogue. As palavras. Não aquelas que ambos sabemos existirem mas as outras da tua vida. De África. Da política. Essa tua vida que nós conhecemos pelas palavras dos outros. De África muito pouco. Da política demasiado. Mas o teu blogue permanece. E com ele as tuas palavras para quem as quiser escutar. As outras escrevo-as para garantir que o ar não as leva nunca:


“Amo-te Pai”

segunda-feira, 11 de abril de 2011

MANHÃ

Em 12 de Abril do ano 2010 a vida revirou-se. Diria mesmo, re-vidou-se. Numa manhã igual a mil outras o anúncio caiu-me no colo e deixou-me perdida, “ o pai, minha querida, o pai morreu”. Sem mais. As palavras mais assustadoras e incríveis, (mesmo de não crer nelas..), que me foram ditas até hoje. Já estivera antes perto desse medo fundo que é o de perder alguém que nos é querido. Mas nesse dia, as palavras não tinham esperança, e, não tinha motivo para ir em frente e lutar. E então restou-me ficar ali. Sem reacção. A princípio, a perguntar-me mil vezes se tinha ouvido bem, a perguntar porquê e como. A gritar bem fundo a pergunta de que nada serve, “porquê”? Depois faltou-me o ar, pensei em correr e em fugir. E senti-me fugir de mim mesma, pois não havia para onde ir. E o ar a rarear e a garganta a fechar-se num nó cego. E a pergunta injusta: “porquê”? Há momentos em que nos perdemos no mundo. Claramente. E a sensação de perda é tão intensa e tão evidente que só do fundo de algo – que me pareceu ser a consciência, a razão evidente da necessidade – veio a reacção fria e cortante: “Respira, precisas de respirar…” por favor, deixa-me respirar. Não chores, não digas mais, não repitas e não me acarinhes. Deixa-me só respirar. E depois de conseguir que o ar me deixe viva, a queda. Como que um peso invisível nos ombros e a necessidade imperiosa de me sentar no chão e chorar. Não foi tristeza, foi um sentimento sem nome que me deixou mais que vazia. Um sentir assim de impossibilidade que me deixou perto da terra e da segurança de que não iria voar. E o tempo a voar nos momentos de ir despertando. Num torpor de reagir, porque sim. Nas mãos de segurar os outros. Na certeza de que assim me seguraria. E as palavras que têm que ser ditas vezes sem conta. E as respostas, sempre iguais e incrédulas como a minha própria incredulidade. E o olhar em volta à procura de espaço para existir. À procura de ser útil, para me sentir viva. E o nó a apertar, e eu, a tirá-lo para longe de mim.




Ana Nascimento Rodrigues




Um ano - Amanhã

domingo, 10 de abril de 2011

QUANDO EU MORRER

Quando eu morrer

não me dêem rosas

mas ventos.

Quero as ânsias do mar,

quero beber a espuma branca

duma onda a quebrar

e vogar.

Ah, a rosa dos ventos

a correrem na ponta dos meus dedos

a correrem, a correrem sem parar.

Onda sobre onda infinita como o mar

como o mar inquieto

num jeitode nunca mais parar.

Por isso eu quero o mar.

Morrer, ficar quieto,

não.

Oh, sentir sempre no peito

o tumulto do mundo

da vida e de mim.

E eu e o mundo.

E a vida.

Oh mar,

o meu coraçãofica para ti.

Para ter a ilusão

de nunca mais parar.


(Poesias, 1961)


Alexandre Dáskalos, (Poeta Angolano)

sábado, 9 de abril de 2011

ANGOLANO




Muxima [Carlos Aniceto Vieira Dias]
Muxima ue ue, muxima ue ue, muxima
Muxima ue ue, muxima ue ue, muxima
Se uamgambé uamga uami
Gaungui beke muá santana
Kuato dilagi mugibê
Kuato dilagi mugibê
Kuato dilagi mugibê
Lagi ni lagi kazókaua
Kuato dilagi mugibê
Kuato dilagi mugibê
Kuato dilagi mugibê
Lagi ni lagi kazókaua



A palavra "muxima" quer dizer coração em Kimbundo. Essa música fala da Nossa Senhora do Coração dos Angolanos, também chamada Mama Muximaue; é um verdadeiro hino em Angola
Muxima (Duo Ouro Negro), foi o último post colocado pelo Ouvidor do Kimbo, dia 09 de Abril de 2010 às 16.10.
"Angolano", poema de Albano Neves e Sousa, foi editado, neste blogue, pelo Henrique em 4 de Março de 2010






sexta-feira, 8 de abril de 2011

SEM IDEAIS, E SEM ENTUSIASMO, o trabalho não presta.

É certo que eu tenho sonhos e ideais muito diferentes dos da maioria; mas também sei que eles serão praticamente irrealizáveis.Só um rapaz que fosse verdadeiramente excepcional os poderia concretizar, mas eu sei positivamente que não sou. É que, conseguir concretizar o que sonho vai-me custar muito, só o poderei fazer à custa de imensos sacrifícios. Talvez mesmo, mais do que isso – à custa, até, à custa de um sonho para ver realizado o outro. Sei que é impossível as duas coisas ao mesmo tempo.

Por isso mesmo eu vou deixar perder estes sonhos que a mocidade sempre acalenta, para poder concretizar o outro: a minha carreira e o meu futuro.

Creio que me vai custar imenso, mas, com a ajuda de Deus, eu hei-de vencer! Talvez um dia mais tarde eu me venha a arrepender do passo que tomei, e só então reconheça que, a ambição e o desejo de vir a ser alguém muito grande nesta vida, não me puderam fazer esquecer outros sonhos que poderia ver realizados à custa destes.

Mas paciência, o futuro o dirá. Já comecei a trabalhar, com cuidado e com afinco, no meu livro. Tem-me dado imenso trabalho, e há momentos em que me chego a convencer de que não vale a pena o sacrifício. Eu sei que estou ainda muito “cru” muito “verde” em Literatura, mas, com força de vontade, hei-de ver o meu livro publicado, dentro de 2 a 3 anos, se Deus quiser. Antes não pode ser, porque ainda preciso de aprender muito. Creio que mais vale esperar um pouco e “andar com calma” a precipitar-me e ter um fracasso. Mas tenho fé! E hei-de ver este pequeno sonho, que há tanto acalento, realizar-se! Às vezes creio que sonho demais e que também sou demasiadamente entusiasta. Mas, palavra, sem ideais e sem entusiasmo o trabalho não presta. Ora! Deixa andar!


Lisboa 27 de Dezembro 1957

quinta-feira, 7 de abril de 2011

23 DE JUNHO DE 2008




Fim do 2º mandato como Provedor de Justiça. Esperou inutilmente que a Assembleia da Republica chegasse a um acordo para o substituir. Ao fim de um ano, e devido ao impasse criado, decide renunciar ao mandato, o que faz em 3 de Junho de 2009. Após a renúncia, rapidamente a mesma Assembleia chega a um acordo para eleger o novo Provedor de Justiça, o que ocorre em Julho de2009.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

EU NÃO VOU POR AÍ, EU VOU POR ONDE QUERO

O maior erro dos jovens de hoje é o de não quererem procurar algo de mais forte e valioso que a hora que passa; é não buscarem aquelas raízes que prendem muito mais do que o ambiente e o agradável da companhia; é não arranjarem o motivo que os entusiasme permanentemente e não só por um espaço qualquer de tempo. Tenho ouvido dizer e tenho lido em autores de artigos, que tudo isto é motivado pela era que atravessamos; que as transformações por que o mundo passa são tão rápidas e as mudanças tão constantes, que a mocidade ganhou uma incerteza pelo futuro e, logicamente, não quer prender-se senão pela hora presente. Ora se isso que os “entendidos”dizem é verdade, a mocidade comete um erro: porque, se só olha para o presente e só se interessa pelo que se lhe depara num momento, ela deve lembrar-se sempre que se o mundo está sofrendo transformações tão bruscas e radicais, a hora presente também sofrerá essa mudança e desaparecerá. Se tudo muda a matéria também muda; o espírito, unicamente, esse não pode mudar, senão para uma transformação total.


Está visto que nunca poderei ser bondoso, porque essa virtude não nasceu comigo e não é coisa que se aprenda! Talvez, realmente, eu não seja bom; talvez haja, sempre em mim, um fundo de dureza, uma barreira muito minha que eu não gosto de ver destruída pelos outros. Embora! Se há erros em tudo o que penso, hei-de amargá-los mais tarde, ou mais cedo, se não há todos aqueles que não pensam como eu reconhecerão o caminho mau porque enveredaram e sofrerão, coitados. Contudo os riscos serão iguais para ambas as partes! Eu estou lançado no meu caminho, já não há nada que me faça recuar. Se ele estiver certo, eu sairei como um vencedor, eu serei sempre feliz; se não estiver, paciência, então talvez seja a hora de ter saudades e dizer que perdi a fé. Eu já sei o que quero, já vi o que estava errado e o que estava certo. Não vale a pena lamentar-me do errado; só quero prosseguir no certo - no meu caminho.


Lisboa Agosto de1958

terça-feira, 5 de abril de 2011

SÓ É UM HOMEM AQUELE QUE SE VENCE A SI PRÒPRIO

Deveria sentir-me mais saudosista, mais revoltado, porque vim para uma terra que detesto, não conheço quase ninguém, não sou conhecido, não tenho a minha casa, não tenho a paisagem que é a “minha”, não tenho o nome que lá tinha. Mas não sou! Não sou, porque a vida não parou, não sou, porque ainda tenho imensos anos à minha frente, não sou, porque sou novo, tenho fé e esperança. Fé e esperança em quê? Fé na vida, porque não sei ainda o que é a vida; esperança no futuro, porque o futuro não é aquele que passou, é esse que está aí à frente, mesmo à minha frente, à espera que eu o agarre, que eu lute, que eu tropece mas saiba erguer-me. Não, decididamente é cobardia é pobreza de espírito pensar que “não há nada mais”. Estupidez! Estupidez crassa da juventude de hoje! Eu, eu também porventura não sei o que são horas más? Alguém sabe o que é estar a estudar para tirar um curso e saber que, pelo simples facto de ser angolano (é crime sê-lo?), enquanto tudo estiver como está, eu não posso ocupar o lugar com que sonhei? Já alguém me ouviu dizer que não tenho idade para fantasias? Que a vida não é bela? Sim talvez seja uma vergonha falar como falo, rir-me do passado e dizer que tenho fé no futuro, quando não sei apontar uma realidade pela qual o possa afirmar convictamente. Talvez! Mas de uma coisa fique ciente quem quiser: para me ouvirem dizer “desisto”, para me olharem como um rapaz tombado – terão de passar por cima de mim, terão de me obrigar a baixar a cabeça, terão de me fazer chorar de desgosto. Quem quiser, quem se achar com forças para isso, então que venha, que venha obrigar-me a ver se consegue! Talvez o consigam sim, há-de haver alguém que me vença, certamente – mas que venha ele ou essa coisa. Antes, recuso-me terminantemente, recuso-me, a pensar assim e a não ter fé. Só é um Homem aquele que se vence a si próprio. Quem se vê continuamente em estado de derrotismo, de fatalismo, ou o que lhe quiserem chamar, não pode, claro, dizer que tem fé; mais: nunca esse alguém poderá sentir-se seguro de si, nunca poderá ter alegria, nunca formará ideais. Será um nulo. Mais um que cá anda por andar.






Lisboa Agosto de 1958

segunda-feira, 4 de abril de 2011

MUÂNA

Hoje encontrei um velho amigo de Angola. Há mais de cinco anos que o não via e não calculas quanto tempo estivemos a conversar. Sabes o que me disse ao despedir-se? “ Quem o vê hoje, nota uma diferença fantástica em si; mas quem o ouve falar, parece que o está a ouvir anos atrás”. Fiquei satisfeitíssimo, nem calculas. Por mais que me queiram desenganar, a gente de Angola é muito diferente da de cá! E o pior é que continuo a ser para eles o mesmo de há anos. É um absurdo palavra. Comecei a escrever de novo o meu livro. A este não faço o que fiz ao outro. Hei-de publicá-lo, com mais ou menos alterações, mas ele há-de ser o meu 1º livro, porque foi escrito aos 18 anos. E eu acredito tanto nesta idade, que mais de um facto a há-de relembrar pela vida fora. Sabes como “baptizei” o livro? – “MUÂNA”! Bem, dois motivos me levaram a pôr-lhe esse nome. Primeiro, porque Muâna, logo se vê, é um nome gentílico e os temas serão, na maioria, sobre Angola. Depois, porque “Muâna”para os Luenas ( e eu nasci em terra de Luenas!) quer dizer “criança”. Criança é sinónimo de sonho, de esperança, de entusiasmo. O maior erro do Homem é amordaçar a esperança que vivia em si quando criança. Portanto … muâna é muâna, e eu sou muâna e eu tenho fé. E sorrio! Sorrio porque, para além dos sonhos dos meus 18 anos, eu sei muito bem o que quero e para onde vou. Sorrio perante a antevisão do meu futuro, da minha própria verdade, que há-de ser tão nobre e tão grande que os surdos a hão-de ouvir e os cegos ver!!!




Lisboa Agosto de 1958

domingo, 3 de abril de 2011

CARTA AOS MEUS TREZE NETOS (2)

Há uma coisa que eu não admito seja a quem for: quererem por em foco aquilo que eu valho ou aquilo que eu possa fazer. Porque, quando a isso me provocam, a minha reacção não costuma ser boa. Eu sou superior aos meus próprios ideais, por saber afastá-los quando necessário. Quando se tem um sonho e ele é irrealizável, a questão está em se procurar uma compensação e encontrá-la!

E há tanta compensação que nós temos à mão e desprezamos, que só o orgulho nos faz não vê-las . Porque há muita coisa que vale a pena nesta vida e nessas coisas eu buscarei a compensação do que mau se passou. Mas fugir é uma cobardia!

Eu não fujo à luta nem a procuro. Antes, busco compensações para ela.

Hei-de provar, custe o que custar, que a vida é uma questão de vontade própria e não de circunstâncias favoráveis: nós queremos ou não queremos, e só isso.

A vida nunca para e nós temos que acompanhar a vida. Sinto uma fé inabalável em tudo o que eu desejo e quero alcançar; sinto que eu posso e quero fazer alguma coisa de útil e valioso – e que sou capaz muito capaz mesmo, de tudo conseguir. Mas mais do que nunca eu lutarei com ardor e fé, com entusiasmo e força, por outra coisa.

Nem tudo, é certo, eu posso ter; mas aquilo que eu tiver de deixar para trás, será substituído por outra coisa qualquer que valha a pena eu obter e lutar por ela – é a lei das compensações.

Não acredito que a vida seja má; acredito unicamente que ela por vezes, nos possa apresentar um ou outro obstáculo que nós não podemos saltar. Rodeemo-lo então e prossigamos no caminho que quisermos percorrer.

Deus há-de auxiliar-me e eu vencerei, tenho a certeza. Porque Deus já me fez a primeira vontade e já me deu o primeiro desejo que lhe pedi: ser eu mesmo



Lisboa 1958

sábado, 2 de abril de 2011

CARTA AOS MEUS TREZE NETOS (1)

Os ideais, se os temos, são para se alcançarem. Porque, ou nós temos a convicção de que somos alguém e, consequentemente, muito capazes de os alcançar; ou nos consideramos impotentes e então, claro, nem merece a pena ter ideais. Quem os tem deve lutar para os alcançar, mesmo que isso custe imenso e mesmo porque uma vitória difícil é mais gostosa do que uma fácil.

Portanto, a primeira etapa, em que vamos alcançar os ideais que se fomentaram na juventude, é morosa, certamente, mas vale a pena nós suarmos para obter o que desejamos, mesmo que se verifiquem uns trambolhões pelo caminho!

Se há ideais que nos parecem elevados, merece a pena tentar obtê-los. Se alcançados, pode ser que, eles se transformem em realidades amargas.

Mas o caminho não tem aí o seu fim. Quando chegamos à primeira plataforma, quando, portanto, temos nas mãos o primeiro ideal realizado – e mesmo que ele seja diferente do que esperávamos – outros ideais nós temos que criar e outra caminhada nós temos que empreender.

Isto, é como se fosse uma pirâmide: transposta a 1ª etapa os ideais deixaram de o ser para se tornarem realidade; mas, então, outros se alevantam e esses constituirão a 2ª etapa; quando terminada, outra e mais outra teremos que empreender e assim sucessivamente até morrermos.

Deus não nos pôs no mundo, para nos agarrarmos a um sonho, que, embora muito alto julguemos inatingível. Nós se vivemos é para lutarmos e para alcançarmos o que queremos; e quando atingimos o nosso objectivo, não é caso para ficarmos parados, cansados, desistindo de lutar mais, lá porque se chegou ao fim.

Cada vez mais, outros fins surgirão e a nossa vida será uma luta constante, uma caminhada com diversas etapas e diversos fins.

A nossa missão nunca se cumpre totalmente. Até à morte, há que batalhar. Só assim eu compreendo que se possa chamar a um ser humano “Homem”.



Lisboa, Junho de 1958

sexta-feira, 1 de abril de 2011

PEQUENAS ESTÓRIAS, (LISBOA11 DE JULHO 1958)

Meus Pais partiram há poucas horas ainda. Desta vez fiquei sozinho com mais responsabilidades do que as habituais, o que me faz sentir um peso enorme em cima de mim.



Não tentes sequer calcular o que eu sinto. Num meio tão diferente daquele em que eu vivi, sem poder contar com ninguém e tendo que lutar contra tudo, é difícil ver os pais partirem. Hoje deixei de ser criança, pelo menos tão criança como era.

Não podes calcular o que isto custa, saber que só eu governarei a minha vida, tomarei todas as decisões, enveredarei por este caminho, obrigado a pensar depressa, quando isso for necessário.

Não tenho medo. Se eu continuar a ser o que até hoje fui, eu sei que vencerei e que nada poderá obstar a ser aquele “alguém” com letra grande!, que eu quero ser.

Tu pensas que eu sou assim, pelo simples facto de ser orgulhoso, ambicioso ao máximo ou querer ser sempre vencedor? Não. Tenho um nome honrado, tenho obrigação de não deslustrar esse nome. É essa a minha maior ambição. Eu quero. É estranho que um “miúdo” de 17 anos fale assim? Mas eu não sou garoto. Eu só sou criança naquilo que vejo que devo sê-lo, porque, para o resto, eu já penso como um adulto. Para mim começou uma nova vida. Eu poderei, aparentemente, parecer modificado. A vida na metrópole, talvez mo venha a exigir; mas no fundo, cá no íntimo, eu serei sempre o que tenho sido, porque os meus Pais têm orgulho nisso, os meus filhos também o hão-de ter… e eu também! Queria que soubesses – que eu, serei eu, por toda a vida! Sempre, porque estou plenamente convencido, sem vaidades, que este é o caminho que eu devo trilhar, para ser um homem de bem, honrado e digno.