quarta-feira, 31 de outubro de 2012

CUIDADO… OU ENTRAMOS EM DERRAPAGEM


Partilha da ideia que quem é mais sobrecarregado, a nível dos encargos fiscais, é quem mais trabalha?

Nascimento Rodrigues – “Seguramente, são os trabalhadores por conta de outrem. É escandaloso o nível de fraude de evasão fiscal no nosso País. A reforma fiscal é prioritária, a minha dúvida está em saber se é apenas para mudar as leis, ou sobretudo para pôr a administração fiscal e tributária a funcionar. Tirando casos excepcionais, o que verificamos é que as inspecções não funcionam e há violação dos direitos dos cidadãos. E depois há a reclamação para o Provedor ou o recurso para os tribunais. O cidadão não acredita na administração pública, na classe política, nos dirigentes, nos governos, e entramos em derrapagem. A Administração fiscal e tributária precisava de ser reequacionada para ser mais operacional e controlar melhor. Haverá sempre situações de fuga, isso é um problema de cultura da própria sociedade. O Orçamento do Estado não tem as receitas que precisaria para suportar as despesas, sobretudo as sociais, de que o País ainda carece. A economia paralela é um cancro. As pessoas que trabalham na economia paralela não têm protecção social, aí está uma área em que deviam actuar a inspecção de Finanças e do Trabalho.”  
IN “Jornal de Leiria” 24 de Janeiro de 2002




terça-feira, 30 de outubro de 2012

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA EM PANTANAS


Diário de Notícias, 19 de Novembro de 2000, – Entrevista Nascimento Rodrigues

“ Assume-se como um homem pouco dado a mediatismos e faz questão de se apresentar como um africano de gema. Não só por ter nascido em Angola, esclarece, mas porque teve a hipótese de percorrer e conhecer todas as ex-colónias portuguesas em solo africano. O gosto pelo continente ficou-lhe no sangue e transporta-o para todo o lado.”

Preocupação. “Não quero que a Administração Pública encare o provedor de Justiça como um guerrilheiro, um bloqueio ou um homem que a aborrece”

Quem procura mais os serviços da Provedoria?

Nascimento Rodrigues – “ O maior volume de reclamações vem dos funcionários públicos contra o Estado-patrão. Todo o funcionalismo público incluindo as Forças Armadas. Queixam-se das condições de trabalho, dos concursos, de não terem sido promovidos, de não lhes contarem a antiguidade… Ora, se se queixam ao provedor é porque não encontram, dentro da sua própria casa, satisfação para as suas queixas. Isto diz-nos que o Estado é mau patrão. Se a administração de uma boa empresa não se preocupar com os trabalhadores e não tiver uma boa política de recursos humanos entra em pandemónio. Olhando para o número de queixas concluímos que a administração pública entrou em pantanas na gestão dos seus recursos humanos.
Há sectores da Administração Pública, seja central, seja autárquica, que são muitíssimo relapsos na resposta a dar ao Provedor. Estes casos acontecem com demasiada frequência revelando uma falta de cultura democrática por parte de alguns sectores da nossa Administração.
Gostava de ser encarado como um agente de cooperação, até porque não tenho poderes decisórios vinculativos. A Administração Pública tem de perceber que não estou aqui para condenar ninguém. Se sou encarado como força de bloqueio não resolvo os problemas dos cidadãos.
De pouco vale que a lei diga que as entidades públicas têm o dever de cooperação com o provedor e que a infracção pode dar lugar a processos disciplinares ou a crime de desobediência (que eu tenho o poder de comunicar ao Ministério Público para efeitos criminais). Mas não tenho ideia que alguma vez o provedor tenha colocado ao MP uma denúncia por crime de desobediência. E, no entanto, há uma infracção muito frequente a este dever de cooperação. A verdade é que não podemos continuar a resolver os assuntos com “ofício para lá, ofício para cá”… Por telefone, novamente por ofício… Isto não pode continuar, porque é o cidadão que está a ser prejudicado”.

Diário de Notícias 19 de Novembro de 2000


segunda-feira, 29 de outubro de 2012

ODE AO COLONO PORTUGUÊS

anónimo desbravador da brenha virgem
deixou
na aldeola natal
a jaleca garrida dos dias de romaria
abandonou
os pais já velhos e a noiva prometida.
mochila às costas
botou-se  mares a dentro
rumo aos sertões ignorados das terras novas
que à terra velha o Português ia mostrando
emagreceu-lhe o rosto
lá nesses mundos de perdição
bronzeou-se-lhe a pele
à torreira ardente do sol dos trópicos
calejaram-se os dedos
ao romper o solo duro e estranho
não vacilou um só instante
trabalhador infatigável homem de tempera rija
machada a machadada
derrubou o emaranhado da selva inóspita.
sacha que sacha
arcou sozinho com a canga da desilusão
o travo amargo da derrota.
depois
na roda dos tempos
o tempo rodou.
outros vieram
gerações novas
criaram novas gerações
e o colono ficou para trás
esquecido na loucura do futuro
e na tontura do progresso
velho e alquebrado
pendurou o ancinho num prego da parede
lançou o último olhar
sobre a imensidão daquela terra amarga
cumprida a missão em que se empenhara
ficou descansando
na campa fria e sem lápide
dos heróis desconhecidos

Escrito pelo Henrique aos 17 anos.quando frequentava o 1º ano da Faculdade de Direito da Universidade Clássica, Lisboa, 1958

sábado, 27 de outubro de 2012

FORMAR E INFORMAR PARA A CIDADANIA


Actualidade Jurídica”- Portugal/Press nª 39/40- Setembro/Outubro de 2000

Pergunta- Despindo a “veste de Provedor” como é que o Dr. Nascimento Rodrigues encara a actual situação da Justiça?

Nascimento Rodrigues – “ Como sabe, de um ponto de vista institucional, o Provedor tem uma  muita reduzida intervenção no sistema judicial. A que tem, por força de reclamações sobre atrasos em processos judiciais, canaliza-os para o Conselho Superior da Magistratura, ou consuma-a por via informal. Deste ponto de vista, é gratificante o relacionamento do Provedor com as magistraturas.
Mas como cidadão, a minha própria experiência é frustrante. Sou testemunha de defesa de um amigo meu em processo  crime de difamação por ele instaurado, já lá vão uns sete anos. Já fui, com as demais testemunhas, mais de quinze vezes a tribunal para depor. Creio que só foi ouvida uma ou duas testemunhas e repetem-se os adiamentos das sessões de julgamento, por falta de arguidos. Isto descredibiliza a Justiça, cria ira nas testemunhas presentes, tem um custo enorme no plano da confiança no sistema judiciário e também no bolso dos contribuintes que somos todos (ou muitos)
Mas estou confiante porque a crescente informação sobre a crise do sistema judicial levou a um “toque de rebate” agudo. É preciso informal mais – mas é preciso, sobretudo, informar melhor, porque também os magistrados têm direito a ser ” julgados “ com verdade. Se há razões de queixa, sérias, também existem críticas infundadas e superficiais, fruto do desconhecimento ou, por vezes da má fé.
Daqui retiro uma conclusão, que tem a ver com outra vertente do papel do Provedor de Justiça: é absolutamente necessário formar e informar para a cidadania desde os bancos de escola até ao longo da vida. Logo, é necessário reforçar a difusão do conhecimento dos direitos dos cidadãos – quer dizer, reversamente, a sensibilização para os deveres cívicos.”
Pergunta – O que o satisfez mais, até agora, no seu ainda curto mandato? E o que o satisfez menos?
Nascimento Rodrigues – “ Satisfez-me encontrar uma equipe de colaboradores jovens e empenhados.
Satisfez-me receber algumas cartas de cidadãos anónimos, reconhecidos pela solução que encontrámos para as suas queixas. Satisfez-me perceber que esta instituição é olhada com muita confiança, pelos cidadãos e pelos poderes públicos.
O que mais me desagradou? Bem… algumas entidades públicas muito relapsas nas respostas à Provedoria! E também alguns queixosos: uns, tão repetentes que não entendem estar a atrasar, afinal, as reclamações dos seus concidadãos; outros, tão expeditos, que se queixam ao Provedor de actos que a Administração ainda não decidiu e não lhes comunicou! Tudo isto é também uma questão de cidadania”  
                                                                     
Lisboa, Outubro de 2000


sexta-feira, 26 de outubro de 2012

FALTOU… CONTINUAR


FALTOU… CONTINUAR
São fotografias
 enormes
pequenas
ou já sem cor
de jornais
ou de revistas
mas és tu
o meu amor
Teu cabelo
 é branco cinza.
Teus olhos
são de criança
cheios de brilho
e de luz.
Irradiam
toda a esperança
e desejo de voltar
(como nos tempos da Chela)
a ser o  menino
de escola
que sonhava 
SER UM HOMEM.
São fotografias
agora
que me levam
a pensar:
TUDO CORREU COMO QUERIAS.
Mas choro:
faltou-te o tempo
da colheita
junto aos teus.
Do descanso.
Faltou-te o tempo
da escrita,
da leitura,
Um tempo
que não viveste
mas que tu querias
sonhar.

Faltou…

Continuar

AS QUEIXAS CHEGAM DE TODO O LADO



Diário de Notícias – 19 de Novembro de 2000

Pode destacar uma queixa que tenha recebido desde que está na Provedoria?

Nascimento Rodrigues- “ Recebi uma queixa de alguns cidadãos timorenses contra eventuais atentados aos direitos humanos cometidos pela administração colonial portuguesa durante os anos 50 na zona de Viqueque. Esta queixa foi recebida há três meses e enviada de Timor. Queriam saber se seria possível uma reparação civil. A instrução do processo, para já, foi neste sentido: nós não temos provas nenhumas de que tenham sido cometidos os actos invocados. Em segundo lugar, permiti-me fazer uma reflexão para os nossos amigos timorenses: disse-lhes que passados 50 anos sobre acontecimentos de que não temos provas, talvez não fosse altura de reabrir feridas. Depois, para além dos conselhos puramente legais, formulei uma apreciação pessoal: devemos olhar para o futuro, Portugal está apostado em ajudar Timor e é isso que nos deve preocupar e não eventualmente o que se passou há 50 anos.

Mas estes atentados contra os direitos humanos não prescrevem…

Nascimento Rodrigues- “Não, não prescrevem e, por isso, eu dizia que a solução legal seria a criação de uma comissão tal como a que foi criada após o 25 de Abril para apurar casos de perseguições a cidadãos das ex-colónias. Mas as feridas devem-se curar, sobretudo num momento em que os portugueses estão lá a arriscar a vida pelos timorenses. Passados três dias depois de ter escrito a carta morreram os militares portugueses. Parece que foi premonitório…
IN “ Diário de Notícias”, Domingo, 19 de novembro de 2000



quinta-feira, 25 de outubro de 2012

RETRATO DE UM HOMEM SÁBIO



Nascimento Rodrigues, Provedor de Justiça – “ Sinto-me incómodo para o sistema”.
 Recusa a imagem do “justiceiro,” mas não abdica do papel de “justo”. Eleito há dois meses e meio para o cargo de Provedor de Justiça, Nascimento Rodrigues afirma que quer “ sair da montanha de processos” e ir ao encontro do “país real”. Nesta primeira entrevista desde que tomou posse, saiba o que o novo Provedor pensa, não apenas das funções que exerce, mas de temas candentes como a descriminalização da droga, espoliados, co-incineração, etc. etc.
Descriminalização do consumo da droga
É minha opinião que (o consumo) deve ser descriminalizado. Não consigo entender, de maneira nenhuma, como é que “ressocializamos” uma pessoa que se droga, mandando-a para a prisão… Mas isto não pode ser dito isoladamente. O que é que vamos fazer para melhorar a prevenção? Não ouço discutir muito isso, e isso precisa de ser discutido. E o que é que estamos a fazer para combater o tráfico? Portanto, nós não vamos resolver o problema, com esta lei. Só vamos resolver uma coisa que a meu ver está certa: uma pessoa que se droga não resolve o seu problema se a mandarmos para a prisão”.
“ Se sou favorável aos referendos? Democraticamente não posso estar contra. Mas com uma condição:
os referendos pressupõem uma informação, longa e prévia sobre a matéria a referendar. Neste problema da droga eu sou favorável, em teoria, ao referendo, mas tenho algum receio da maneira como se põe o problema. Porque pôr o problema desta maneira: “sim” ou “não” à droga… É óbvio que se eu não souber o que está a ser discutido, eu digo “não à droga”. Como qualquer pessoa normal tem que dizer “não à droga”. E assim desvirtuámos aquilo que está a ser discutido. É preciso que o povo saiba, rigorosamente sobre o que está a ser auscultado! Porque senão há manipulação – que é democrática – mas que é má.
Dia mundial sem carros
“ Não vou ser politicamente correcto… É preciso raciocinar como cidadãos normais, e o Provedor é um cidadão normal. Penso que as pessoas estão de acordo com o sentido e com a ideia que estão subjacentes a esta iniciativa. Mas se me dizem que a iniciativa é para sensibilizar, eu penso que vai ter efeitos perversos. Isto vai criar problemas a muitas pessoas que em vez de ficarem sensibilizadas para a necessidade de melhor ambiente, vão ficar extremamente irritadas. Levamos as pessoas a ter uma reacção humana, contrária àquilo que se pretende.
Espoliados do Ultramar
“ Os casos de reinserção, quer do ponto de vista de ocupação das pessoas, quer do ponto de vista da contagem de tempo, eu penso que, na generalidade, estarão resolvidos. Penso que Portugal, nesse aspecto, foi razoavelmente feliz. Nesse aspecto… Agora quanto à indemnização de bens, esse é um problema político e de justiça obviamente. Trata-se de cidadãos portugueses, que fizeram a sua vida nas ex-colónias, deixaram lá todos os seus bens…
Co-incineração
“ Acho que é uma questão tão grave e tão complexa que tem momentos de afluxo e refluxo. Quando se diz “vamos fazer”, temos as manifestações, os protestos, a Assembleia, e durante um ou dois meses todo o país fala nisto. E depois morre! Ou não está morto neste momento? (…) Também se pode dizer que a comissão está a estudar o assunto… Mas enquanto eles estudam, o problema poderia continuar a ser debatido. Nós somos um povo assim… As culpas também são nossas, não são só das instituições. Isto é fundamentalmente um problema de participação das populações… que não devem ser ocasionais ou pontuais.
IN “O Diabo”, 3ª feira, 19 de Setembro

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

SINTO-ME INCÓMODO PARA O SISTEMA


“Nesta primeira entrevista desde que tomou posse, saiba o que o novo Provedor de Justiça, Nascimento Rodrigues pensa, (…) das funções que exerce (…)”
Entrevista a “O Diabo” 19 de Setembro de 2000

Sente que a figura do Provedor de Justiça é incómoda para o sistema?

Nascimento Rodrigues – “ Sinto. Sinto-me incómodo para o sistema, e não me importo de ser incómodo para o sistema, enquanto perceber que o sistema não entende que deve reagir com muito mais rapidez e com muito mais justiça perante o cidadão. Sinto-me incómodo para o sistema quando reclamo porque é que ele não dá respostas ao cidadão, que é uma coisa elementar. Pode dar uma resposta inclusivamente para dizer que o cidadão não tem razão. Isso é pedagógico! Porque eu vejo os direitos dos cidadãos, mas também vejo os deveres. Se a Administração entende que está a proceder bem, deve dizer isso. E uma das coisas que eu mais verifico é que a Administração leva muitíssimo tempo a responder.”
A Administração tem um “saco roto” onde caem as reclamações?
Nascimento Rodrigues – “ Eu não sei se tem um “saco roto”, até porque não tenho uma análise muito completa acerca do que é a nossa Administração Pública. Eu venho da sociedade, não venho da comunidade jurídica propriamente dita. Venho do mundo da sociedade real, e portanto tenho um pouco o sentimento dos cidadãos reais. (…). Tenho a sensação que, em muitos processos, as grandes Câmaras tratam mal os seus munícipes.
Que tipo de queixas são mais comuns contra os órgãos autárquicos?
Nascimento Rodrigues – “ Tenho imensas queixas contra licenciamentos que não foram autorizados. Ou contra licenciamentos que foram autorizados sem serem “devidamente” autorizados…
Pressente um certo “compadrio” nestas situações?
Nascimento Rodrigues- “ Não posso tirar conclusões… Mas pode acontecer isso. E fico muito perplexo em relação a um tipo de reclamações, quando nós perguntamos a uma Câmara porque é que este processo de licenciamento foi concedido nestes termos irregulares – está detectado que foi irregular – a Câmara responde: “ estamos a proceder à regularização”. Muito bem! Isso é corrigir um acto que a Administração verificou que era ilegal, ou irregular! Está certo. Mas quanto tempo leva a corrigir este acto irregular? Eu tenho, nesta Provedoria, alguns processos com anos! Mas leva anos a corrigirem um acto irregular? Nós vamos insistindo e a resposte é: “ agora, para efeitos de regularização, pedimos mais este documento, ou mais aquele”… Isto é que eu chamo, em linguagem corrente portuguesa “o embrulha”! E eu obviamente que aí não vou ter contemplações. Eu vou perguntar às Câmaras quando é que elas terminam os seus processos: que processos de contra-ordenação é que aplicaram às pessoas a quem não licenciaram, ou licenciaram irregularmente; qual a coima aplicada; quanto tempo levou o processo de contra-ordenação. Eu vou ser muito incómodo nestes casos!
Pelo tom que usa, parece que passa por aí alguma indignação… alguma surpresa…
Nascimento Rodrigues – Na minha vida profissional nunca tive contactos com Câmaras Municipais e agora estão-me a passar estes processos pelas mãos e estou mesmo a ficar indignado, é verdade!

IN “ O Diabo 3ª feira 19 de Setembro

terça-feira, 23 de outubro de 2012

JUSTO? SIM! JUSTICEIRO? NÃO!


Logo no início do primeiro mandato, o Henrique dá uma entrevista ao semanário “O Diabo”. Entre as inúmeras perguntas que o jornalista vai formulando surge a pergunta do “Justo ou Justiceiro”, e a adequada resposta:

“Lendo o Estatuto do Provedor, fica-se com a ideia, em traços muito gerais, de que estamos perante um “justiceiro”, um “defensor dos fracos e oprimidos”. É assim que entende a função de Provedor de Justiça?”

Nascimento Rodrigues – “ Eu entendo a função de Provedor de Justiça como titular de um Órgão de Estado que deve defender os interesses dos cidadãos. Mas tenho recusado para mim próprio essa imagem de “justiceiro”. É curioso que a empregue, porque ninguém me perguntou isso. Mas a mim próprio perguntei-me: eu devo ser um “justiceiro”, ou não? E eu considero que não devo ser um “justiceiro”.
Devo ser um “justo”, o que é muitíssimo mais difícil. Porque, bem ou mal, eu associo à palavra “justiceiro” uma imagem de repressão e de grande dureza. Se eu olhar para o grande volume de queixas e reclamações que me aparecem aqui, na Provedoria,(…), verifico que, muitas vezes, os cidadãos têm razão. (…). Provavelmente as questões de que os jornais têm conhecimento, essas são minúsculas na provedoria.
Os casos menos mediáticos são o nosso dia a dia, e são as questões mais importantes para as pessoas
A esmagadora maioria -  das 6.000 reclamações anuais -  é de cidadãos individuais – o Fernando, a Maria, que se dirige ao Provedor. E o tipo de reclamações que recebo diz respeito a toda a vida das pessoas. (…). Recebo as reclamações mais inimagináveis… Desde a pessoa que protesta porque lhe rebentaram a laje da sepultura familiar e a Câmara não ligou nenhuma…(…).  É um problema individual, mas quase sagrado para a pessoa. Ou outro que reclama porque no andar de baixo existe um “dancing” que não observa as normas de funcionamento… e portanto, coitada daquela família não consegue dormir até às 4 ou 5 da manhã, sobretudo sexta e sábado à noite! Até ao funcionário público que reclama porque, num concurso foi afastado, ou porque não lhe contaram a antiguidade. Isto é o espelho da vida real dos portugueses.
Os casos mais mediáticos… está bem, são os que dão o nome à Provedoria. Mas eu não posso andar à procura dos casos mediáticos, eu tenho é que dar solução aos casos individuais que me aparecem”.
IN “ O Diabo 3ª feira 19 de Setembro




segunda-feira, 22 de outubro de 2012

A LUTA CONTINUA

O projecto
era de muitos e era um

mas ainda que a tristeza seja agora tanta
e mesmo se esta balbúrdia revolta e desencanta
não podemos perder a palavra...

o projecto só será amanhã se for comum.

Tiago de Buca

Escritor angolano nascido em 1960
In " Esquebras de Uma Paixão"- edição do Autor, Luanda 1998
Fonte. Antologia de Poesia Angolana " Entre a Lua o Caos e o Silêncio: a Flor
de Irene Guerra Marques e Carlos Ferreira

MUPIOZZO AME:

TEMPO PARA SAIR DO GABINETE


Gostaria de marcar o meu mandato com iniciativas no campo de inspecções junto da Administração”.

“ A nossa Administração é lenta, em muitos casos ineficaz. Em muitos casos eu diria mais que é pesporrente! E isto aplica-se tanto à Administração Central como à Administração Autárquica!”.

“ Estou a pensar sair daqui, sair da montanha de processos com os meus colaboradores e irmos aos locais. Por hipótese irmos para meia dúzia de Câmaras, irmos para o Sistema de Segurança Social, para o Sistema Fiscal”.

“ Recebendo mais de 6.000 queixas por ano, não é fácil ao Provedor de Justiça desempenhar a contento, isto é com eficácia e celeridade necessárias, este papel, e eu não posso arrancar para o concreto, deixando depois as reclamações dos cidadãos paradas"

IN “ O Diabo” 19 de Setembro de 2000


domingo, 21 de outubro de 2012

CIDADANIA TRIBUTÁRIA


“ O provedor de Justiça tem reservas quanto à quebra do sigilo bancário sem controlo judicial. Receia atitudes persecutórias da máquina do Estado contra os contribuintes”.

“(…) Há um largo e sentido consenso na nossa sociedade sobre a urgência de adopção de medidas eficazes para o combate à fraude e evasão fiscais. Torna-se imperioso empreendê-lo, por motivos de justiça, de igualdade contributiva e de solidariedade nacional. É nesse enquadramento que se pode entender o propósito de alargar o quadro legal de acesso às contas bancárias.
Cabe, todavia, perguntar: são inviáveis, ou mesmo ineficazes, outras medidas e acções de fiscalização tributária? E porquê?
Caso o sejam – e só então – admito que o direito à privacidade, constitucionalmente consagrado e enquadrado em várias normas, consentirá limitações mais alargadas do que as já existentes. Mas só o deverá consentir no confronto de valores: os que subjazem ao direito de sigilo sobre a situação bancária de cada cidadão e aqueles que sejam de irrecusável interesse público e venham. por isso mesmo, a merecer tutela jurídica, devendo fazer ceder os interesses privados nesse confronto valorativo.
Mesmo assim, tal hipotética “invasão da privacidade” deveria ter lugar, sempre, mediante adequadas garantias legais para o cidadão, que cortem o passo à discricionariedade ou, ainda pior, ao arbítrio da Administração (diferente seria o alargamento do acesso às contas bancárias se permitido mediante decisão judicial).
Ainda que tais garantias sejam instituídas, como parece irrecusável, deve também ajuizar-se sobre se, na prática, poderão vir a ser expeditamente exercidas pelos cidadãos – sob pena de se tornarem em garantias vazias de exequibilidade real, criando, então, insegurança em lugar de transparência e maiores oportunismos de fuga fiscal em vez de acrescidas responsabilidades no exercício da “cidadania tributária”.

Posição do Provedor de Justiça, Nascimento Rodrigues, prestada ao Euronotícias,
Junho de 2000 

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

ONDE PÁRA O DINHEIRO?


A 25 de Maio de 2002 noticiava o “ Expresso”, na sua coluna “Altos & Baixos”.


“O Provedor de Justiça veio alertar para os prejuízos de elevadíssimos milhões de euros que resultam de o Estado não cobrar em devido tempo (e deixar caducar) impostos como o IRC e o IVA. E não esqueceu o inadmissível atraso do país no que respeita à fraude e evasão fiscal. No dia seguinte, um estudo do Instituto Nacional de  Estatística não só lhe veio dar inteira razão como apontar a não tributação de vastas zonas de riqueza dos cidadãos e um claro imobilismo de décadas ao nível da estrutura fiscal. A ministra das Finanças já revelou que, nesta matéria, prefere agir a fazer promessas. Mas até agora, não se lhe viu a firmeza, a celeridade ou a vontade política com que resolveu enfrentar outros problemas. E, nesta questão. exigem-se medidas rápidas e exemplares”.

 “Onde pára o dinheiro”, (28 de Maio de 2002), foi o título de notícia de “O Diabo” a propósito de “ Milhões de contos de impostos que a Administração Fiscal deixa de cobrar todos os anos. Como e porquê são respostas que ninguém sabe (ou quer) dar. O DIABO investigou e concluiu que nenhum organismo estatal tem controle sobre os valores que o provedor de Justiça procura…”

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

PELOS DIREITOS DOS POLÍCIAS


Nascimento Rodrigues tem fama de ser contra o sindicalismo da polícia. Mas o novo provedor diz que num parecer que lhe foi pedido na primeira metade dos anos oitenta, esclareceu apenas se uma lei limitativa dos direitos de sindicalismo da polícia era legítima à luz das convenções da OIT, nomeadamente a nº 87, sobre liberdade sindical. A resposta foi afirmativa, uma vez que essas excepções estão previstas nas referidas convenções. Na sua opinião, “muito do que se tem passado é como uma onda que vem de trás, porque não atenderam às justas reivindicações dos seus agentes”. Por isso, defende que, com sindicatos ou com outras formas de associação, “tem que haver legislação para assegurar os direitos dos polícias”.

In “Visão” 8 de Junho 2000

Pergunta- O Dr. é conhecido por defender até à exaustão os Direitos Humanos. Gostaríamos de saber qual o seu parecer sobre a criação de um sindicato da polícia.
Nascimento Rodrigues- “ O direito dos trabalhadores à sindicalização é um direito fundamental. Todavia, este direito admite ou restrições nuns casos, ou adaptações noutros casos, sempre que se trate do exercício de funções que implicam com a soberania  do Estado, ou com outros direitos fundamentais dos cidadãos. Por exemplo, há países em que os juízes, os diplomatas, ou as forças armadas não têm direito à organização sindical e não são menos democráticos por isso. A questão, portanto, deve ser ponderada com todo o bom senso e de acordo com o que é a nossa própria cultura, o sentimento colectivo. Mas isto não deve conduzir à negação do reconhecimento de que aos polícias assiste um direito de participação negocial nas suas condições de trabalho e de exercício das suas funções. Isto é o que me parece irrecusável e pode conseguir-se sob fórmulas diferenciadas, como as experiências estrangeiras demonstram. Espero, portanto, que a Assembleia possa encontrar uma solução justa e equilibrada para esta questão em momento de serenidade. Mas seria inconveniente o seu arrastamento, sob pena de se deixar agravar um mal estar que é prejudicial a todos”.

In Entrevista  ao Jornal Regional “Postal do Algarve”, 29 de Junho de 2000

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

DIRECTAS


“Nascimento Rodrigues foi empossado Provedor de Justiça para substituir Menéres Pimentel.
À volta da missão de Nascimento Rodrigues criaram-se muitas expectativas, tendo em conta  que o “defensor do povo” é conhecido pela sua independência, capacidade de trabalho e defesa intransigente dos Direitos Humanos. Especialista em Direito do Trabalho, o novo provedor espera não tirar brilho nem mérito ao trabalho realizado na Provedoria, embora admita imprimir um novo ritmo à instituição que recebe, por dia, dezenas de reclamações e queixas. A imparcialidade e o rigor são dois elementos que marcarão presença no seu mandato.”
In “Jornal Regional do Algarve” 29 de Junho de 2000
Entrevista
P- O seu nome surgiu “ como solução possível”, e não como primeira escolha para ocupar o cargo de Provedor de Justiça. Isso incomoda-o?
R- “ Não sei se fui a segunda ou terceira alternativa. Incomodar-me-ia muito, sim, se o País não tivesse, como tem felizmente, várias pessoas com qualidades para desempenhar as funções de provedor de Justiça. Mas só uma pode ser eleita. Fui eu. É isso o que, agora, releva.
P- Está a pensar imprimir um novo estilo na Provedoria?
R-“ Cada pessoa é um ser irrepetível. Portanto, eu terei, necessariamente, o meu estilo de actuação e isso vai-se reflectir na Provedoria.
P- Acredita que vai ser fácil trabalhar com este Governo?
R-“ Respondo com outra pergunta: porque razão teria dificuldades?
P- Qual o comentário que lhe merece a actividade desenvolvida por Menéres Pimentel?
R- “(…) Foi um excelente provedor, de cuja acção a memória colectiva guardará uma recordação marcante e perdurável.
P- O que espera realmente do cargo de provedor?
R- “Não deslustrar o legado que me foi deixado pelos meus antecessores, não esmorecer na defesa dos valores essenciais da cidadania, abrir caminhos novos no relacionamento dos cidadãos com os poderes públicos, por forma a alcançar melhores soluções para os problemas que nos são colocados”
 In “Jornal Regional do Algarve” 29 de Junho de 2000

terça-feira, 16 de outubro de 2012

OUTRAS QUEIXAS


Agora vou-lhe contar outra que, eu penso, ainda dentro dos casos atípicos – nós encerràmo-la – e que esta, provavelmente, tinha alguma coisa de má fé. Nós tivemos aqui, não poucas queixas, contra empresas, que são privadas, mas em relação às quais o Provedor tem competência de jurisdição, visto que há relações num domínio muito especial deste tipo de empresas em relação à fiscalidade. Normalmente, são casos que nós chamamos de consumidores em geral. Uma senhora, em Lisboa, que habitava num andar e que se me queixa nestes termos: “ Sr. Provedor, houve um rebentamento das canalizações de água – a culpa é da EPAL – a água entrou-me em casa, estragou-me os soalhos e as carpetes e eu, perante aquilo, decidi sair de casa e fui-me instalar num hotel da Costa da Caparica”. Depois verificamos, curiosamente, que a queixa coincidia com o período de Verão. Regressou a Lisboa, dirigiu-se à EPAL para pedir indemnizações – é claro que a EPAL recusou – depois veio queixar-se ao Provedor dizendo: “ Faça favor, eu quero uma indemnização da EPAL, não só por causa das alcatifas e do soalho, que estava estragado, como quero o ressarcimento de três meses que eu estive num hotel da Costa da Caparica”.
Bom, nós ouvimos a EPAL, obviamente, que disse: Houve realmente um rebentamento de canalizações, mas podemos comprovar que não entrou água no rés-do-chão da senhora. Se houve água, isso é da canalização interna, aí já não da nossa responsabilidade. E de qualquer maneira, nós nunca poderíamos ter feito a reparação no interior da casa, visto que a senhora fechou a porta e se foi embora”. Isto é o que eu chamo uma queixa a roçar a má fé. Acontecem casos desta natureza, mas não são a maioria.  

In “Justiça e Cidadania”, (suplemento do jornal "O Primeiro de Janeiro, dedicado exclusivamente a questões jurídicas) 25 de Fevereiro de 2002

O CIDADÃO O JAVALI O ESTADO E OUTRAS QUEIXAS


“Há queixas que são mais um desabafo do que uma queixa e há queixas muito sérias; desde a queixa simples à que é muitíssimo complicada. Vou-lhe contar dois casos, que são recentes e me deixaram estupefacto.

Houve um cidadão – isto foi há muito pouco tempo – que se queixou – isto com toda a seriedade – por esta razão: ele ia a guiar o seu carro, que era um carro novo comprado há pouco tempo, numa estrada de Trás-os-Montes, e, de repente, vê ao lado um javali em grande velocidade que vai embater no carro. Conclusão disto: o javali desapareceu, cheio de vida e de saúde através dos montes, e o carro ficou bastante abalado com o embate. E, então, o senhor veio-me dizer isto: Sr. Provedor isto aconteceu, está aqui o meu carro, tirei fotografia, há testemunhas de como o carro ficou, peço-lhe uma indemnização do Estado.
Bom, isto é de facto uma queixa atípica. Nunca me tinha passado pela cabeça que isto fosse possível. Dirigimo-nos à Direcção Geral das Florestas, e à Agricultura, e perguntamos como era isto dos javalis. Verificámos também qual era a legislação e depois chegámos, de facto, a essa conclusão: há zonas do País em que se sabe da existência de Javalis. Nessas zonas, o Estado é obrigado a colocar nas estradas as placas de sinalização denunciando que há javalis, de forma a que o condutor tome as devidas precauções. Naquela zona – foi-nos comprovado pela Direcção Geral das Florestas (e nós não podemos duvidar) – nunca tinha aparecido um javali, portanto não existia lá a placa. Bom, a queixa teve de ser resolvida assim: nós dissemos ao cidadão: não vemos aqui que exista culpa do Estado, porque de facto está provado que é uma zona onde nunca foi assinalado um javali, mas como apareceu pela primeira vez vai ser assinalada a estrada. Entretanto, nunca podemos dirigirmo-nos ao Estado para que lhe pague uma indemnização, visto que não há aqui provada uma culpa objectiva, sequer, do Estado como causador desse acidente. Aí tem uma queixa que é séria, obviamente mas que é atípica”.
In “Justiça e Cidadania”  (suplemento do jornal "O Primeiro de Janeiro", dedicado exclusivamente a questões jurídicas) 25 de Fevereiro de 2002


segunda-feira, 15 de outubro de 2012

DUAS RECOMENDAÇÕES EM AGENDA


Dirigi, recentemente, uma recomendação ao ministro da Reforma do Estado para que nos concursos de admissão na Função Pública, a entrevista dos candidatos passe a ser pública. Hoje participam apenas o júri e o entrevistado.

Em nome da transparência de regras, qualquer pessoa deve poder entrar na sala. Não sei se vou ter êxito.

Já consultamos a Direcção Geral da Administração Pública e o Secretário de Estado e sabemos que, em ambos os casos, o parecer é negativo. Tive de recorrer directamente ao ministro. Vamos a ver.

Vou dirigir-me ao primeiro-ministro, por causa de legislação recente, que concede aos membros do Governo e altos dirigentes da Função Pública patrocínio judiciário e isenção de custas, quando lhes são postos processos. Então e os outros funcionários? Vou propor o alargamento desse benefício a todos, com uma condição

Se ficar provada a negligência ou irresponsabilidade do funcionário, terá de pagar ele as custas”. 

In “A Visão” 4 de Outubro de 2001


PS- A 13 de Janeiro de 2003 - Nota à comunicação social - Governo aceita recomendação do Provedor de Justiça sobre publicidade da entrevista profissional de selecção.

A recomendação foi aceite pela Secretaria de Estado da Administração Pública e elaborada circular para todos os Serviços Públicos

domingo, 14 de outubro de 2012

ANGOLA

MEU AMOR DO OUTRO TEMPO



minha dor
minha saudade
meu amor
do outro tempo
dorme comigo
ao luar
abre tuas asas
ao vento
anda comigo
sonhar
que a vida
começa agora
eu e tu
vamos dançar
corre nas asas
do vento
brinca comigo
ao luar
dá-me teu corpo
inteiro

meu amigo
e companheiro

meu amor
do outro tempo




RÁPIDAS


“Jornal de Notícias”, sábado 15 de Fevereiro de 2003

Para o Iraque rapidamente e em força? Não.
Finalmente, a justiça chegou aos poderosos? Chegou. Isso é visível. E ainda bem, porque durante muito tempo se pensou que a justiça era apenas para os fracos e agora verifica-se que é de facto justiça.
Morosidade dos tribunais é sinal de subdesenvolvimento? Não
Temos funcionários públicos a mais? Em alguns sectores, sim; noutros, não.
A pedofilia merece penas mais duras? Eventualmente, sim, porque é um crime horroroso.
Clonagem: nunca ou só em certas circunstâncias? Clonagem em que termos? Em que está a pensar? Clonagem humana, não; terapêutica, sim. O ser humano é irrepetível.
O mundo do futebol é pouco transparente? Eu sei muito pouco disso.
Tem saudades da outra AD, em que participou? Tenho saudades do tempo político da AD em que participei, não propriamente da AD.
O fosso entre ricos e pobres está a aumentar em Portugal? Não tenho dados estatísticos que me permitam dar uma resposta concreta acerca disso. O que é inegável é que o fosso entre pobres e ricos está a aumentar no Mundo. Isso é incontroverso.

 IN "BOA - Ordem dos Advogados"
19 de Junho de 2001

Não sou adepto de dois passos em frente, um passo atrás. Prefiro meio passo, meio passo, meio passo…”

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

OS MEUS COLABORADORES


A 19 de Junho de 2001, o Henrique responde a perguntas, escritas, que lhe são enviadas pelo BOA (Ordem dos Advogados). As perguntas incidem sobre variados temas, como por exemplo:
Que balanço faz do trabalho realizado? Quem recorre mais à mediação do Provedor de Justiça?
Que futuro espera este órgão? A esta pergunta o Henrique responde assim:

“ Suponho ser indiscutível a credibilidade que, por mérito dos meus antecessores, já alcançou a existência do Provedor de Justiça. É minha obrigação sustentá-la e, se possível, amplificá-la. (….).
Não quero falar, porém, exclusivamente, no “Provedor de Justiça”; falo, antes, nos meus colaboradores, porque quero fazer tudo isto só com eles. Sem eles o Provedor é pouco. E, ao dizer isto, sinto que já estou a marcar outro eixo de perspectiva nesta instituição: quer dizer, o órgão continuará a ser unipessoal – o que está certo -, mas  deve ser, também colegial no esforço e no serviço que presta aos que a ele recorrem.
Não sou só eu que tenho que sentir “o Provedor”. Sem abdicar em nada desse estatuto, desejaria que cada um, e todos os meus colaboradores, partilhassem comigo a função para que fui eleito, ajudando-me a exercê-la com dignidade e competência. Se tem que existir um rosto, deve existir um corpo coeso”.
Lisboa 19 de Junho 2001

 Continuou a servir os cidadãos, (muito para além do tempo de vigência do seu segundo mandato), nas mais  precárias condições de saúde.  Uma das razões -  a solidariedade institucional para com “o corpo”- Provedoria de Justiça.
O Henrique morreu faz hoje dois anos e seis meses. Todos, familiares e amigos, sentimos como é dura a sua ausência.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

EM DEFESA DOS CIDADÃOS


Nascimento Rodrigues,  entendia que o cargo de Provedor lhe impunha uma matriz de perfil em que se entrecruza a serenidade da rectidão, a irrequietude do combate, a solicitude do coração, a afabilidade no trato, a seriação do Direito, e a ponderação da Justiça.
De uma forma simples, mas enfática, interrogava um dia os senhores deputados reunidos na Comissão de Orçamento e Finanças em audiência do Provedor de Justiça sobre « Relatório de Inspecção aos Serviços de Finanças» em matéria de execuções fiscais: Qual é a função nuclear do Provedor de Justiça em Portugal? E a resposta vinha pronta, sem rodeios: A defesa dos cidadãos. Logo a seguir o meu pai acrescentou: Ponto final.
Usava frequentemente a imagem da Provedoria de Justiça como um “caleidoscópio” de observação daquilo que os cidadãos sentem e do quotidiano do português, tal a diversidade das queixas que recebia.
Foi diversas vezes questionado sobre o modo parco e reservado com que comunicava mas quando interrogado sobre as razões porque “fugia aos jornalistas” respondia: É a minha natureza. Nunca assumi este cargo como um contrapoder. Prefiro uma relação de mútua cooperação porque quanto mais intrusivo o Provedor for, menos hipóteses tem de resolver os problemas dos cidadãos, que é o meu  principal objectivo.
Numa outra circunstância, ainda a respeito da cultura de cooperação que considerava indispensável, referiu: (…) reputo como indispensável que o Provedor de Justiça e as Administrações estabeleçam entre si um quadro de relacionamento cooperativo, sistemático e frutuoso. Não acredito muito que este objectivo se alcance a curto prazo, e menos ainda que se atinja através de normas legais ou dispositivos regulamentares. Acredito mais nos homens, na sua lucidez e na sua vontade esclarecida. Acredito mais nas políticas como instrumentos de ordenação social e serviço de bem servir. Possivelmente com muita dose de utopia. Mas a utopia também é necessária para que juntos – Provedor de Justiça e Administrações – lutemos por uma efectiva e melhor cidadania no nosso país, para os nossos cidadãos, para as pessoas.”
Sofia Nascimento Rodrigues


terça-feira, 9 de outubro de 2012

BAÍA DE LUANDA


MAIS RAZÃO DO QUE PODER


Um dia, em Junho de 2001, alguém fez esta pergunta ao Henrique:
“ Não deveria caber nas competências do Provedor de Justiça um papel mais determinante na feitura das leis?”
Resposta:
 “ Em meu entender, as competências que nesse sentido me são conferidas pela legislação são suficientes. Repare-se que o Estatuto do Provedor estabelece que a este compete “assinalar as deficiências de legislação que verificar, emitindo recomendações para a sua interpretação, alteração ou revogação, ou sugestões para elaboração de nova legislação”.
“ Normativamente, é quanto basta. O Provedor emite, de facto, recomendações legislativas, é certo que em menor número e com menos frequência do que as recomendações que visam a correcção de actos ilegais ou injustos dos poderes públicos. Mas isso mesmo explica-se e justifica-se pelo facto de o motivo que conduz às queixas dos cidadãos radicar muito mais em ilrgalidades, deficiências ou omissõess de actuação dos poderes públicos administrativos e não tanto em situações onde se revelam necessidades de alteração legislativa, mormente sentidas pelos próprios cidadãos nas suas exposições ao Provedor.
Na realidade concreta do nosso país, o cidadão pede muito mais ao Provedor de Justiça que actue junto da Administração para alterar situações em que se julga ilegalmente afectado, ou injusticiado, do que para lhe solicitar modificações legislativas – sem embargo de também o fazer, claro.
Outra pergunta, o mesmo tema:

“Até que ponto é legítimo sustentar o alargamento do seu papel na matéria da feitura das leis ou do procedimento legislativo?”

Resposta- “ Como já disse, ir mais além do que as actuais competências nesta matéria seria difícil e, até arriscado, porque desfocaria o “ADN” do Provedor de Justiça – ter mais razão do que poder. Não ignoro sugestões que já foram alvitradas com este sentido, como a obrigatoriedade da participação do Provedor de Justiça em procedimentos legislativos mais nucleares, ou na defesa da invalidade de normas jurídicas aprovadas contra o recomendado pelo Provedor, sem que se mostrasse preenchido o dever de justificação expressa de não acatamento das suas recomendações, contemplado no Estatuto vigente. Não creio, porém que isso fosse acertado, porque traduziria uma mutação genética da figura do Provedor. Ganharia, talvez, em poderes, perderia certamente na força do seu distanciamento em relação aos poderes públicos e à natural teia de interesses que subjaz às decisões na delicada tecitura destas. Este distanciamento é essencial à percepção das boas razões, porque é preferível deixar que as razões se entrechoquem, medularmente, nas instâncias que as compõem e normativisam por dever institucional. O Provedor deve estar antes disso, se necessário depois disso, tanto quanto possível não confundido com os poderes na produção legislativa que é da competência destes. Isto dito, proponho uma coisa mais simples: sempre que a iniciativa, e ou o conteúdo substancial de uma dada lei, resultarem de tomadas de posição do Provedor de Justiça, deveria o respectivo preâmbulo assinalá-lo devidamente. Constato que isto não é feito, pelo menos sistematicamente.”
Lisboa 19 de Junho 2001