terça-feira, 14 de setembro de 2010

A Maria faz hoje12 anos

Hoje, dia 14 de Setembro, a nossa neta Maria faz 12 anos.
No dia 12, a nossa filha Ana escreveu as palavras que deixo aqui, no Ouvidor do Kimbo:

São 5 meses, hoje.

Não há dia em que não te fale.

Não há dia em que não tente escutar o que preciso que me digas.
Cedo, na serenidade da casa.
Tarde, no derreter do dia.

E sempre, na inquietação da vida.

Não há dia em que não queira recordar-te, mas quase sempre me ficam as palavras guardadas.

Quase sempre me fica o gesto preso e o olhar incerto, quase sempre fico sem me mexer por dentro, como que a guardar o medo de sentir esta dor da tua ausência.

São cinco meses. Novos em folha, nesta vida que tudo tem de primeira vez, porque tu não estás por aqui. E são 5 meses de muitas conversas,muitas descobertas de ti e desejos que ficam agora guardados no segredo.

domingo, 12 de setembro de 2010

O Ouvidor do Kimbo


Recordamos 12 de Abril. O tempo não pára. Não faz pausas - para sentir, para pensar, para recuperar pequenos nadas que se foram perdendo ao longo da vida. Só a saudade faz com que tudo pare no tempo.
Este é um blogue de estórias. De um passado, que se fez presente.
Hoje, queríamos contar uma pequena história, recente, que se passou com o blogue.
Uma tarde diz-me o Henrique alarmado:
O Ouvidor do Kimbo desapareceu. Desapareceu? Como?
Desapareceu, não está lá. Telefona ao Senhor Ferreira. Tenho que perceber o que aconteceu.
Era verdade. O desenho com o título tinha misteriosamente abandonado o seu lugar.
Deixámos mensagem ao Senhor Ferreira. Telefonamos ao João e ao Nuno.
E é o Nuno que a partir de agora toma a palavra.

NÃO!

Não pode ser. Como é que isto aconteceu?

«A imagem desapareceu Nuno. Não sei o que aconteceu»

«Não sei mãe. Diz ao pai que no meu computador também não aparece a imagem do blogue». Diz ao pai.

Não!

Um segundo antes não estava lá e no segundo depois apareceu.

Não sei o que se passou. Mas eu que na correria dos dias ainda não tinha visto essa imagem e as tuas palavras, parei. Sentei-me no teu kimbo e estive à escuta do que dizia o Ouvidor.

À escuta das palavras da tua vida. De África e da política. Agora mais de África que do resto. No meio do Kimbo senti-me em casa e no meio da tua inteligente ironia via as imagens que para muitos já desapareceram.

O João e a Mariana dormiam e eu ria com gosto pela felicidade de ser pai. Por ter um pai como o pai.

Não! Desta vez não vou calar. Não vou deixar ser o ar a levar o que não disse. Afinal nem preciso de dizer, é só escrever:

«Olá Papá – Finalmente consegui passar pelo seu Kimbo e ouvir o que nos tinha (a nós como povo) para dizer. Fantástico! Quase acordava o João e a Mariana com algumas gargalhadas a respeito do «gangue do multibanco a governar Portugal» ou do «livro dos extraterrestres que alguns andam a ler»
Mas o tom sério de alguns posts (é assim que se chama certo?) fazem do seu blogue leitura obrigatória (e a partir de agora diária…). Precisamos mesmo que as referências deste país nos guiem para encontrar melhores actores, pois este filme que nos têm mostrado ultimamente é de 3ª categoria. Espero que não acabe em Terror que de Comédia temos tido muito.
Do filho cada vez mais orgulhoso (e invejoso de não estar tecnologicamente tão actualizado…)
Nuno.

Escrevi as palavras. Não sei se as leu. Sei que ficaram para sempre. Sei que as levou no seu coração

Eu não as disse.

Escrevi-as nas entrelinhas:

«Amo-te Pai»

.



quarta-feira, 8 de setembro de 2010

ORGULHO



Não sou herói, nem santo, nem pioneiro,
Não desbravei os matos nem sertões,
Não passei febres, sedes, aflições,
Nem tenho cicatrizes de guerreiro;

Mas guardo na minha alma ecos distantes
De brados e soluços e gemidos
Que andam nos ermos de África perdidos,
Contando os seus segredos fascinantes…

Sei que não tenho falas de profeta
e nem sequer, talvez, serei poeta,
Para esculpir em verso um pensamento;

Mas sei que trago dentro do meu peito
A mesma alma desse povo eleito
Que fez o Império pelo sofrimento!


( J. Galvão Balsa, in “Oiro e Cinza do Sertão,”Angola 1959)

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Notas Ultramarinas - A Juventude e o Ultramar

Muita gente – em especial a gente adulta – ainda não se apercebeu devidamente da necessidade imperiosa de criarmos na juventude uma mentalidade ultramarina. A que propósito? – Perguntar-me-ão cepticamente aqueles que não entendem estar a razão da nossa existência dependente do ultramar. Quanto mais não seja – responder-lhes-ei já – para que possamos sobreviver como uma nação que, de há cinco séculos a esta parte, não tem um cunho exclusivamente europeu. E para quantos, por ignorância ou indiferença, se não decidiram ainda a tomar a peito o problema, eu vou pô-lo em termos propositadamente simples e angustiantes: que será então de Portugal – Portugal Europeu, Africano, e Asiático – se as gerações de amanhã quando chamadas a tomar sobre os ombros o pesado encargo de guiar o País, não trouxerem da sua mocidade uma visão, tanto mais esclarecida quanto possível, do que nos impende prosseguir em terras do Ultramar? Há alguém tão imprudente que esteja pronto a duvidar do preço alto com que teríamos de pagar o erro da inexistência de uma juventude votada ao valor mais alto da Nação? E porque não é bom iludirmo-nos a esse respeito melhor será prevenirmo-nos a tempo e horas, perante uma falha que se faz sentir agudamente.
Ainda há dias, «O Século», em artigo intitulado «Conhecimento de Uma Realidade», chamava a atenção para o facto de ser necessário ministrarmos às gentes da Nação mais completo ensino sobre a vida do nosso ultramar.
Que nos seja permitido, agora, focar o mesmo aspecto com especial menção à juventude.
Recuso-me a admitir, naturalmente, que a actual geração não esteja em condições de lutar como outras o fizeram, pelo engrandecimento da nossa terra; duvido imenso, porém, que a generalidade possua a mais rudimentar bagagem de conhecimentos ultramarinos. Consequentemente, seja-me lícito perguntar: como pode a moderna geração erguer amanhã um Portugal Melhor, se ela caminha para esse fito na ignorância das maiores aspirações que palpitam nas unidades ultramarinas? Sim – como pode a juventude cumprir no todo a sua missão, se a maior parte considera ainda o Ultramar como uma oportunidade de «última análise»? É mais certo um moço metropolitano debater com afoiteza, o último filme de Hitchcok, do que responder ainda que ao de leve, a qualquer pergunta sobre povoamento africano. Pergunto se não seria de inteira justiça e de indestrutível lógica administrar-lhes um ensino tão vasto sobre eles como a que possui sobre o último Benfica – Sporting.!!
Se perguntarmos a um moço do ultramar onde ficam Braga, Leiria, ou Covilhã, desde já sou capaz de apostar em como uma esmagadora maioria responderá automaticamente: na Metrópole. Em contrapartida, se inquirirmos dos rapazes metropolitanos onde se situam as terras portuguesas de Malange, Porto Amélia ou Cacheu não evidenciarão eles a mesma maioria de acerto, se não encontrarmos até um número lato que fique gaguejando assustadoramente…
As perguntas permitem-nos exprimir o desnivelamento de conhecimentos que as juventudes daquém e dalém mar reflectem acerca do Ultramar e da Metrópole, respectivamente.
Todo o moço de qualquer das parcelas do nosso ultramar, sabe decerto, o que significam Ourique e Aljubarrota: quantos porém serão os rapazes naturais da Metrópole, que tenham notícias dos feitos igualmente brilhantes praticados no célebre «Triângulo da Resistência», Muxima-Cambambe-Massangano? Não consigo entender, decididamente, a razão porque a descrição de tantas façanhas não alinhou ainda nas páginas da História que é ensinada aos moços das escolas primárias!
É mínimo o conhecimento que a juventude exprime acerca das províncias ultramarinas. As causas? Devemos ir buscá-las, com coragem e isenção, à falta de um incentivo maior e à ausência de propaganda. É uma necessidade vital dar a todos os portugueses um tão completo ensino sobre o ultramar como se lhes dá aos assuntos da Metrópole. Na actualidade, sente-se tão impressionantemente a necessidade desse ensino, que, a não o ministrarmos em grande escala e na devida oportunidade, ficaremos com uma ferida aberta por muito tempo.
Estou crente que muita coisa se pode fazer em defesa da juventude e em prol do nosso ultramar.
Tudo o que se possa levar a cabo com esse fito, nunca o julguemos em demasia. É mister, rapidamente, oferecer à juventude todos os meios adequados a proporcionar-lhe um muito melhor conhecimento do ultramar português. Jamais me cansarei de repetir que, com urgência, é preciso enfrentarmos o problema e dar-lhe a solução julgada a mais viável.
Daí o meu pedido de apoio ir mais particularmente ainda, para quantos, por sua posição ou seu esforço, estão em condições de auxiliar o fortalecimento da unidade das camadas jovens de Portugal. A esses, permito-me pedir que não façam sofrer delongas ao problema, porque está atrasada a mentalidade ultramarina da nossa juventude e porque aos olhares cobiçosos, que se lançam para a nossa África, também é de conveniência nacional opormos-lhe uma perfeita unidade das massas jovens do nosso País. Tanto bastaria para que angustiadamente, um só rótulo ousasse apor ao problema: urgente.

Diário da Manhã 10 de Março 1959

domingo, 5 de setembro de 2010

Notas Ultramarinas - Cataclismo ou Limiar da Epopeia?

O problema africano está a assumir uma importância tal que a não o tomarmos já, como o alvo dos nossos melhores esforços, corremos o desagradável risco de, quando o quisermos fazer, estarmos em condições francamente desvantajosas. Por isso mesmo, uma coisa não me levanta dúvida nenhuma: nós temos de agir, já, antes que as circunstâncias se venham sobrepor aos nossos desejos. Agir - mas com eficiência, decisão inabalável e conhecimento de causa. É um ponto que não deveria admitir contestação, quando, por toda a África, se está estendendo um precipitado movimento contrário à permanência europeia, e de modo algum compatível com a unidade estrutural da nação portuguesa.
Outrora, fomos o primeiro povo a lançar até aos recônditos dos sertões ignorados, uma grande cruzada humanitária: hoje – porque não dizê-lo? - de pouco nos valerá, na prática, arrimarmo-nos a tão brilhante passado histórico, se o não conseguirmos repetir perante os condicionalismos actuais. E porque não repeti-lo, se nós somos a raça mais indicada para cimentar uma portentosa unidade luso africana?
Não podemos pensar, por mais optimistas que o sejamos, na obtenção de um êxito total para semelhante empresa, se ao nosso ultramar não formos dedicando, tanto mais rapidamente quanto é necessário toda a nossa capacidade. Nele existe, sem dúvida, o mais auspicioso potencial de engrandecimento pátrio, razão de onde deriva a necessidade imperiosa de a nossa politica ultramarina se dever revestir de um acentuado cuidado e necessitar por isso de uma realização urgente.
A acção conjunta, de uma esclarecida direcção governamental e da concomitante tarefa de desencadear a unidade nacional, conduzir-nos-á, decerto a um dos caminhos que ora se nos depara: a epopeia; a ignorância da obra e o desmazelo incompreensível a que a votássemos levar-nos-ia ao rumo oposto: ao cataclismo. Creio que não temos o direito moral de escolher - a obra é da nação e para a nação.

Diário da Manhã 21 Fevereiro de 1959
A fotografia foi tirada 1966. São 3 sobas do distrito da Lunda com os seus chapeus ornamentados
com missangas. Só as autoridades os podiam usar

sábado, 4 de setembro de 2010

CONSELHO AO RECÉM CHEGADO

Sente com os cinco sentidos
bem humildes
aprende a ver
aprende a ouvir
o pulsar do coração da terra
…esquece esses rumores de guerra…
cheira o aroma que vem do mato
quando chove.
Apalpa com os teus dedos o fruto
ainda verde que o destino guarda
verás que eu tenho razão…
O que não aprendeste
foi a sentir Angola
de dentro para fora
porque ela não mora
no teu coração…
(Poesia de Neves e Sousa, 1970)

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

O HENRIQUE E A CHUVA

Decididamente o Henrique não gostava de chuva, ou pelo menos da nossa chuva de Lisboa. Dizia ele que chuva, só a chuva africana. A nossa, um incomodo e um transtorno. Era um problema, vestir a gabardine. Tinha sempre uma desculpa: ou o carro estava perto, ou a chuva não era assim tanta, ou o Senhor Eduardo trazia o guarda chuva, enfim tudo eram pretextos para a gabardine ficar pendurada no mesmo lugar de sempre. Não gostava de constrangimentos e pelos vistos a dita era um constrangimento. Claro, à noite, de regresso a casa dizia: apanhei chuva, já me constipei!
No dia em que o Henrique morreu, estava um dia bonito, morno, de sol como ele gostava.
Um dia em que ele poderia ter saído para os seus 45 minutos de passeio. No dia seguinte o tempo tinha mudado: estava frio, chovia, o vento era gelado. O Nuno, igual ao Henrique no que diz respeito a constrangimentos de vestuário, apareceu quase em mangas de camisa. Dissemos-lhe: veste o casaco do Pai, aquele que ele comprou para substituir a malfadada gabardine, sabes, quase não o chegou a vestir. O Nuno vestiu o casaco do Pai e deixou-nos um texto de amor que temos guardado no coração.

Visto o teu casaco
NÃO!



Não me fica nada mal. Visto o teu casaco que tu quase não tiveste tempo de vestir e não me fica nada mal.


A roupa que me vestiste ao longo da vida não me fica nada mal. Visto o teu casaco. Visto a tua pele.


Agora eu sou pai. Agora já não sou filho. Agora tu não estás. Agora eu sou pai sem pai.


Visto a tua pele. Espero que me fique bem. Quero vestir a Mariana e o João Miguel com a mesma roupa que tu me deste. Que lhes assente bem, porque cada um tem o seu tamanho, as suas texturas e cores preferidas. Mas que lhes assente bem na sua pele. Que os aqueça pelas noites frias da vida e os liberte na felicidade dos dias de calor.


Tenho tanta pena que tenhas morrido e de não estares cá para eles te poderem viver. E para me poderes ajudar a vesti-los. Mas a roupa que lhes vou dar vai fazê-los lembrarem-se de ti. Quando olharem para as suas roupas ao espelho vão ver o que é mais importante. Vão ver na sua pele dedicação, seriedade, convicções e amor. Muito amor.


Como tu fizeste connosco.


Ainda me lembro do casaco que nos trouxeste da América lá tão longe nas memórias e que me assentava tão bem. A mim e a todos. Como não falhavas nos nossos números, nós que somos tantos, tão diferentes e em constante crescimento e mudança.
Mas tu conhecias o nosso corpo como a nossa alma. E por isso nos assentava tão bem.


Visto o teu casaco. Visto a tua pele.


Permanece em mim.