Decididamente o Henrique não gostava de chuva, ou pelo menos da nossa chuva de Lisboa. Dizia ele que chuva, só a chuva africana. A nossa, um incomodo e um transtorno. Era um problema, vestir a gabardine. Tinha sempre uma desculpa: ou o carro estava perto, ou a chuva não era assim tanta, ou o Senhor Eduardo trazia o guarda chuva, enfim tudo eram pretextos para a gabardine ficar pendurada no mesmo lugar de sempre. Não gostava de constrangimentos e pelos vistos a dita era um constrangimento. Claro, à noite, de regresso a casa dizia: apanhei chuva, já me constipei!
No dia em que o Henrique morreu, estava um dia bonito, morno, de sol como ele gostava.
Um dia em que ele poderia ter saído para os seus 45 minutos de passeio. No dia seguinte o tempo tinha mudado: estava frio, chovia, o vento era gelado. O Nuno, igual ao Henrique no que diz respeito a constrangimentos de vestuário, apareceu quase em mangas de camisa. Dissemos-lhe: veste o casaco do Pai, aquele que ele comprou para substituir a malfadada gabardine, sabes, quase não o chegou a vestir. O Nuno vestiu o casaco do Pai e deixou-nos um texto de amor que temos guardado no coração.
Visto o teu casaco
NÃO!
No dia em que o Henrique morreu, estava um dia bonito, morno, de sol como ele gostava.
Um dia em que ele poderia ter saído para os seus 45 minutos de passeio. No dia seguinte o tempo tinha mudado: estava frio, chovia, o vento era gelado. O Nuno, igual ao Henrique no que diz respeito a constrangimentos de vestuário, apareceu quase em mangas de camisa. Dissemos-lhe: veste o casaco do Pai, aquele que ele comprou para substituir a malfadada gabardine, sabes, quase não o chegou a vestir. O Nuno vestiu o casaco do Pai e deixou-nos um texto de amor que temos guardado no coração.
Visto o teu casaco
NÃO!
Não me fica nada mal. Visto o teu casaco que tu quase não tiveste tempo de vestir e não me fica nada mal.
A roupa que me vestiste ao longo da vida não me fica nada mal. Visto o teu casaco. Visto a tua pele.
Agora eu sou pai. Agora já não sou filho. Agora tu não estás. Agora eu sou pai sem pai.
Visto a tua pele. Espero que me fique bem. Quero vestir a Mariana e o João Miguel com a mesma roupa que tu me deste. Que lhes assente bem, porque cada um tem o seu tamanho, as suas texturas e cores preferidas. Mas que lhes assente bem na sua pele. Que os aqueça pelas noites frias da vida e os liberte na felicidade dos dias de calor.
Tenho tanta pena que tenhas morrido e de não estares cá para eles te poderem viver. E para me poderes ajudar a vesti-los. Mas a roupa que lhes vou dar vai fazê-los lembrarem-se de ti. Quando olharem para as suas roupas ao espelho vão ver o que é mais importante. Vão ver na sua pele dedicação, seriedade, convicções e amor. Muito amor.
Como tu fizeste connosco.
Ainda me lembro do casaco que nos trouxeste da América lá tão longe nas memórias e que me assentava tão bem. A mim e a todos. Como não falhavas nos nossos números, nós que somos tantos, tão diferentes e em constante crescimento e mudança.
Mas tu conhecias o nosso corpo como a nossa alma. E por isso nos assentava tão bem.
Visto o teu casaco. Visto a tua pele.
Permanece em mim.