Mas a chuva não é isso. A chuva na minha terra, também bate forte, de vendaval, cai pingo grosso, trovão de voz grossa, relâmpago de estarrecer. Mata gente, mata gado, revolteia a terra, põe-lhe os intestinos à mostra. Também podíamos dizer - esta chuva é muito má.
Não ligo. Não sei porquê, a chuva de cá é diferente da chuva de lá. Cadê a diferença? Ah meu irmão, diferença muito grande.
Quando a chuva começa a despejar, aqui, ouço os carros dos bombeiros, mais os carros da polícia, mais as gentes que se ajustam e falam e falam, mais as rádios e as televisões, mais diz que diz p’ra todo o mundo ouvir.
Mas, na nossa terra, meu irmão, quando a chuva passou e já não quer zangar-se connosco, a gente fica parado. Cadê dela? Nunca se sabe se ela volta. Às vezes volta. Furiosa. Mil vezes a despejar litros de água, riscos de fogo no céu, arvores tombadas, cubatas levadas no ar, a chuva diz que está zangada. Mas, depois da chuva, aí está a diferença, meu irmão: na nossa terra, a gente abre a porta e sente o cheiro da terra: é um cheiro penetrante, que enche de vida e de futuro, vem das «chanas» sem fim, dos guelengues que saltam, dos pirilampos que piripilam, das hienas que uivam horrível, dos sapos que coacham nos pântanos, das estrelas que estão lá no horizonte, luzidias.
E, depois da chuva da nossa terra, há esse silêncio: o silêncio da vida e do futuro.
Aqui, nesta Lisboa cinzento - pardacenta, o que existe? Sinto que estou a morrer entre os carros de bombeiros, a protecção civil, todo um governo que me quer proteger.
Meu irmão: vamos fugir, deixem-me morrer como eu sou! Deixem-me morrer na minha terra, sem tubos, sem antibióticos, sem análises bacteriológicas.
Docemente, a olhar para a minha terra de África, deitado no chão. A dizer o que sou, não sou nada: amo-te a ti, amo a minha África.
A fotografia foi tirada em Sá da Bandeira, há 4 anos, em frente à casa onde viveu nos tempos do liceu.
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