quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Fala de Diogo Cão às portas do Zaire

Deste lado da história
o rio morre aqui.

Do mar sabemos nós e aos capitães
a fama da conquista.

Faço-me ao sul
porque pertenço ao norte
e a costa só me serve é para cumprir
tarefas de demanda.

Meu fim é circular ir mais além.
Por isso eu sei de estrelas
direcções
e nada sei do ganho
que se projecta e ganha.

Cumpro tarefas sim porque viajo.
Nada me aguarda
feita a descoberta.
Fronteiras mesmo
só as deste mar e sei vivê-las

noutras distâncias.

De deus empreendi que é lá onde eu estiver.
Sou eu
porque navego
quem lhe constrói a face.

Ao rei e a vós
só dou notícia do rumo horizontal.
Pois que saber da vertical sageza?


Ruy Duarte de Carvalho in «Lavra» 1972

Reino do Congo - Reis do Congo

1482. Diogo Cão parte de Lisboa. Missão: explorar a costa a seguir ao cabo de Santa Catarina.
1º Objectivo: descobrir um grande rio que o levasse ao Nilo e à Abissínia.
2º Objectivo: estabelecer contacto com o lendário rei Prestes João das «Índias».
Nos últimos dias de Abril, Diogo Cão, nota diferença na água do mar - havia uma forte corrente vinda da costa. Anda um pouco mais e encontra terra de ambos os lados: encontrara o rio Zaire. Diz a História que isto se passa a 23 de Abril dia de S. Jorge
Na sua margem esquerda ergue o primeiro padrão de pedra e dedica-o ao santo.
Toma contacto com os nativos que aparecem em pequenas pirogas feitas de um tronco de árvore. Fica a saber que no interior a muitas léguas da costa numa localidade denominada Banza ou M’Banza Congo vivia o rei daquela gente Nzinga Nkuvu. Os «Tam-Tam» levam a notícia da chegada dos brancos. O nome de Portugal começa a ser usado pelos indígenas de um modo deformado: Mputugale, Mputu ou Puto designação que prevalece, durante séculos, em todo o território africano.
O grande sonho do nosso Rei D João II era a conversão das populações indígenas. Em 3 de Maio de 1491 o primeiro Rei do Congo torna-se cristão e recebe o nome de João e o seu filho mais velho o nome de Afonso. A história do reino do Congo é vasta e conhecida. Em 1955, faleceu D. Pedro VII a quem o governo oferecera um automóvel.
Sucede-lhe D. António III que morre em Julho de 1957.

Este texto serve só para introduzir um pequeno filme de Banza Congo, feito pelo nosso pai no início da década de 60, que mostra, o manto, a coroa, outras insígnias reais dos Reis do Congo,assim como algumas ruinas históricas.
Recomendamos, para quem estiver interessado, a leitura da «História do Congo Português» do Major Hélio A. Esteves Felgas. Este livro foi publicado em Carmona em 1958.
É uma excelente fonte de informação.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

FDMO

A 30 de Janeiro de 1964 termina a Licenciatura em Direito na Universidade de Lisboa.

Faz estágio na magistratura até Setembro desse mesmo ano. Por motivos pessoais desiste da magistratura e ingressa no Fundo de Desenvolvimento da Mão de Obra, organismo autónomo criado no Ministério das Corporações em 1962, como técnico de 3ª classe.

João Pereira de Moura era o Director do FDMO.

Faz estágios de especialização, em direito do trabalho, na OIT e na OCDE. Em 1966 é nomeado Técnico de 1ª classe, em 1968 Chefe de Divisão da Contratação Colectiva, em 1970 Director dos Serviços do Trabalho. Em 1971 tem nomeação definitiva na categoria.

Ao fim de sete anos sente que esgotara a sua capacidade de intervenção, e começa a ficar impaciente.

Publica: em 1969 «A Regulamentação das Relações Colectivas de Trabalho», em 1971 o «Regime Jurídico das Relações Colectivas de Trabalho».

Há um episódio que nunca esqueci. Numa das suas viagens à OIT, 1966, traz um livro intitulado «Les Congés Payés». Recordo-me: até ter o livro bem lido e digerido, não deu atenção a mais nada.Tenho que acrescentar - a empregada doméstica teve direito a férias remuneradas. Penso que foi a única no país inteiro. Faceta relevante da sua personalidade e que o acompanhou a vida inteira - o valor fundamental da justiça social.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Genebra Junho de 1992


1992. Portugal preside, pela 1ª vez na história da Organização Internacional do Trabalho, à sua Conferência anual. A 3 de Junho, o Henrique é eleito por unanimidade presidente da 79º Conferência Internacional do Trabalho em representação do nosso país.
A 19 do mesmo mês, num discurso dirigido ao Director – Geral do BIT, agradece todo o apoio que teve ao longo da Conferência, lembrando, que foi na OIT, que aprendeu os valores do tripartismo, do diálogo, da democracia.
E continua:
Apoio, para que tudo funcionasse com eficácia e tranquilidade, de dezenas e dezenas de pessoas, cujos nomes e cujos rostos não pude conhecer pessoalmente.
É sobretudo para estes, Senhor Director-Geral, que lhe peço que transmita a minha profunda gratidão. Peço também ao Presidente do Sindicato dos funcionários do BIT, aqui presente, que seja o meu porta-voz junto destes cabouqueiros, destes obreiros anónimos
.
E acrescenta:
Mas quero agradecer-lhe mais uma gentileza: a de me permitir falar em português, que não é só a língua do meu país. O português é a língua de Portugal, de Angola, do Brasil, da Guiné –Bissau, de Cabo-Verde, de São Tomé e Príncipe, de Moçambique: é uma língua universal.
Nesta língua universal, Senhor Director-Geral, há uma palavra difícil de traduzir: saudade. A saudade é um misto de nostalgia e de sentimento de perda de algo que nos é querido. Eu já tenho saudades desta Conferência. Estou certo de que, até ao último minuto da minha vida, lembrar-me-ei desta Conferência onde todos foram tão gentis
.

Tenho bem presente ainda, na minha memória, a luta diplomática que o Henrique teve que travar. O argumento era só um: se Portugal vai presidir, durante um mês à Conferência, então o Presidente tem que falar em português. Como se compreende, este facto obrigava a tradução simultânea de português para um sem número de línguas, o que envolvia custos, e logística, fora do contexto habitual. Nunca desistiu desde que foi indigitado. O Português foi utilizado nas sessões do Plenário e nas principais comissões da Conferência, prática que desde então se mantem. Lutar até ao fim, em defesa de convicções, era uma característica muito sua.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Luanda 2006


Hoje queria contar uma pequena história passada em Luanda a 11 de Outubro de 2006.

O Henrique tinha sido convidado pelo, recentemente eleito, Provedor de Justiça de Angola.
O Dr. Paulo Tjipilica tinha interesse que ele abrisse, com uma conferência, um Workshop subordinado ao tema: Mandato e Função do Provedor de Justiça «Ombudsman».
Este Workshop, organizado pela Provedoria de Justiça de Angola, tinha o alto patrocínio das Nações Unidas e, reunia, todos os Provedores de Justiça e Defensores dos Direitos Humanos do continente africano
«Como ser um bom Provedor de Justiça» foi o tema que escolheu para a conferência de abertura. O debate foi extraordinariamente rico e estimulante. Decorreu sem qualquer dificuldade até ao momento em que um participante faz a seguinte pergunta:

Que resposta dá um Provedor de Justiça a um cidadão Angolano que reclama pelo facto de ter sido durante anos, funcionário publico ao serviço de Portugal, e não receber qualquer pensão de aposentação?

Na sala fez-se um silêncio expectante. O Presidente da mesa visivelmente atrapalhado tenta responder em vez do Henrique, talvez para evitar algum constrangimento da sua parte. O Henrique interrompe o presidente e toma a palavra dizendo:

Respondo, como respondo aos meus concidadãos, que, em Portugal, se dirigem ao Provedor de Justiça reclamando a devolução dos seus bens e haveres, confiscados pelo governo Angolano, após a descolonização: Este problema não é um problema de Provedores de Justiça. Este problema é um problema entre Estados.

Parece uma história sem interesse, mas não é. É claro que a pergunta tinha sido feita com a intenção de colocar o ex-colonizador em dificuldades. Em 2006 quantos anos tinham passado após a descolonização? 31-32. Quantos angolanos estariam na sala, ex funcionários públicos de Portugal em condições de se candidatar a uma pensão de reforma? Como se depreende não interessava a resposta mas formular a pergunta. O Henrique deu a única resposta séria que podia ter dado. Sem calculismos, sem se preocupar com o politicamente correcto.
Tinha a grande qualidade de ser, em política, coerente e profundamente honesto. Este modo de estar na vida trouxe-lhe inúmeros dissabores e alguns ódios de estimação. Mas é também por isso que será sempre lembrado e respeitado.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Palavras do Dr. Miguel Veiga

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Perfil de um Homem Livre

Dizem que os primeiros cinco anos de vida são determinantes na formação do carácter e personalidade de um indivíduo. Se lermos, com cabeça e sem emoções, o 1º post deste blogue, ficamos com a certeza - aquele menino branco do kimbo, será um homem livre.
Livre de preconceitos, livre no pensamento, livre na acção. O Henrique foi de facto um homem assim.
Em Agosto de 1974 dirige o Gabinete de Trabalho da CIP. Estranho, para um homem da área sindical não é? Não, se nos lembrarmos que à época, os patrões de pequenas e médias empresas não dormiam duas noites seguidas no mesmo sítio, e a central sindical única tinha sobre os trabalhadores um poder incontestado.
Em 1974- 1975 a trabalhar com o Professor Mário Pinto entra na luta contra a unicidade sindical encabeçada por Salgado Zenha.
Não aceitava que o sindicalismo fosse uma correia de transmissão dos partidos. Sempre se opôs ao funcionamento de uma estrutura partidária com finalidades sindicais ou laborais. Aliás como jurista, entendia, apoiado nas convenções da O.I.T. e nos pactos dos Direitos do Homem, que a acção sindical devia ser distinta da acção partidária.
Nunca gostou de exercer a actividade parlamentar. Muitas vezes me disse que o nosso parlamento, tinha um ambiente «concentracionário». Não por falta de liberdade dos deputados, de modo algum, mas por se concentrarem demasiadamente sobre si próprios . Viviam no parlamento e perdiam a capacidade de ouvir.
É com um grito de liberdade - contra um parlamento virado sobre si mesmo, que, em Junho de 2009, renuncia ao mandato de Provedor de Justiça

terça-feira, 14 de setembro de 2010

A Maria faz hoje12 anos

Hoje, dia 14 de Setembro, a nossa neta Maria faz 12 anos.
No dia 12, a nossa filha Ana escreveu as palavras que deixo aqui, no Ouvidor do Kimbo:

São 5 meses, hoje.

Não há dia em que não te fale.

Não há dia em que não tente escutar o que preciso que me digas.
Cedo, na serenidade da casa.
Tarde, no derreter do dia.

E sempre, na inquietação da vida.

Não há dia em que não queira recordar-te, mas quase sempre me ficam as palavras guardadas.

Quase sempre me fica o gesto preso e o olhar incerto, quase sempre fico sem me mexer por dentro, como que a guardar o medo de sentir esta dor da tua ausência.

São cinco meses. Novos em folha, nesta vida que tudo tem de primeira vez, porque tu não estás por aqui. E são 5 meses de muitas conversas,muitas descobertas de ti e desejos que ficam agora guardados no segredo.

domingo, 12 de setembro de 2010

O Ouvidor do Kimbo


Recordamos 12 de Abril. O tempo não pára. Não faz pausas - para sentir, para pensar, para recuperar pequenos nadas que se foram perdendo ao longo da vida. Só a saudade faz com que tudo pare no tempo.
Este é um blogue de estórias. De um passado, que se fez presente.
Hoje, queríamos contar uma pequena história, recente, que se passou com o blogue.
Uma tarde diz-me o Henrique alarmado:
O Ouvidor do Kimbo desapareceu. Desapareceu? Como?
Desapareceu, não está lá. Telefona ao Senhor Ferreira. Tenho que perceber o que aconteceu.
Era verdade. O desenho com o título tinha misteriosamente abandonado o seu lugar.
Deixámos mensagem ao Senhor Ferreira. Telefonamos ao João e ao Nuno.
E é o Nuno que a partir de agora toma a palavra.

NÃO!

Não pode ser. Como é que isto aconteceu?

«A imagem desapareceu Nuno. Não sei o que aconteceu»

«Não sei mãe. Diz ao pai que no meu computador também não aparece a imagem do blogue». Diz ao pai.

Não!

Um segundo antes não estava lá e no segundo depois apareceu.

Não sei o que se passou. Mas eu que na correria dos dias ainda não tinha visto essa imagem e as tuas palavras, parei. Sentei-me no teu kimbo e estive à escuta do que dizia o Ouvidor.

À escuta das palavras da tua vida. De África e da política. Agora mais de África que do resto. No meio do Kimbo senti-me em casa e no meio da tua inteligente ironia via as imagens que para muitos já desapareceram.

O João e a Mariana dormiam e eu ria com gosto pela felicidade de ser pai. Por ter um pai como o pai.

Não! Desta vez não vou calar. Não vou deixar ser o ar a levar o que não disse. Afinal nem preciso de dizer, é só escrever:

«Olá Papá – Finalmente consegui passar pelo seu Kimbo e ouvir o que nos tinha (a nós como povo) para dizer. Fantástico! Quase acordava o João e a Mariana com algumas gargalhadas a respeito do «gangue do multibanco a governar Portugal» ou do «livro dos extraterrestres que alguns andam a ler»
Mas o tom sério de alguns posts (é assim que se chama certo?) fazem do seu blogue leitura obrigatória (e a partir de agora diária…). Precisamos mesmo que as referências deste país nos guiem para encontrar melhores actores, pois este filme que nos têm mostrado ultimamente é de 3ª categoria. Espero que não acabe em Terror que de Comédia temos tido muito.
Do filho cada vez mais orgulhoso (e invejoso de não estar tecnologicamente tão actualizado…)
Nuno.

Escrevi as palavras. Não sei se as leu. Sei que ficaram para sempre. Sei que as levou no seu coração

Eu não as disse.

Escrevi-as nas entrelinhas:

«Amo-te Pai»

.



quarta-feira, 8 de setembro de 2010

ORGULHO



Não sou herói, nem santo, nem pioneiro,
Não desbravei os matos nem sertões,
Não passei febres, sedes, aflições,
Nem tenho cicatrizes de guerreiro;

Mas guardo na minha alma ecos distantes
De brados e soluços e gemidos
Que andam nos ermos de África perdidos,
Contando os seus segredos fascinantes…

Sei que não tenho falas de profeta
e nem sequer, talvez, serei poeta,
Para esculpir em verso um pensamento;

Mas sei que trago dentro do meu peito
A mesma alma desse povo eleito
Que fez o Império pelo sofrimento!


( J. Galvão Balsa, in “Oiro e Cinza do Sertão,”Angola 1959)

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Notas Ultramarinas - A Juventude e o Ultramar

Muita gente – em especial a gente adulta – ainda não se apercebeu devidamente da necessidade imperiosa de criarmos na juventude uma mentalidade ultramarina. A que propósito? – Perguntar-me-ão cepticamente aqueles que não entendem estar a razão da nossa existência dependente do ultramar. Quanto mais não seja – responder-lhes-ei já – para que possamos sobreviver como uma nação que, de há cinco séculos a esta parte, não tem um cunho exclusivamente europeu. E para quantos, por ignorância ou indiferença, se não decidiram ainda a tomar a peito o problema, eu vou pô-lo em termos propositadamente simples e angustiantes: que será então de Portugal – Portugal Europeu, Africano, e Asiático – se as gerações de amanhã quando chamadas a tomar sobre os ombros o pesado encargo de guiar o País, não trouxerem da sua mocidade uma visão, tanto mais esclarecida quanto possível, do que nos impende prosseguir em terras do Ultramar? Há alguém tão imprudente que esteja pronto a duvidar do preço alto com que teríamos de pagar o erro da inexistência de uma juventude votada ao valor mais alto da Nação? E porque não é bom iludirmo-nos a esse respeito melhor será prevenirmo-nos a tempo e horas, perante uma falha que se faz sentir agudamente.
Ainda há dias, «O Século», em artigo intitulado «Conhecimento de Uma Realidade», chamava a atenção para o facto de ser necessário ministrarmos às gentes da Nação mais completo ensino sobre a vida do nosso ultramar.
Que nos seja permitido, agora, focar o mesmo aspecto com especial menção à juventude.
Recuso-me a admitir, naturalmente, que a actual geração não esteja em condições de lutar como outras o fizeram, pelo engrandecimento da nossa terra; duvido imenso, porém, que a generalidade possua a mais rudimentar bagagem de conhecimentos ultramarinos. Consequentemente, seja-me lícito perguntar: como pode a moderna geração erguer amanhã um Portugal Melhor, se ela caminha para esse fito na ignorância das maiores aspirações que palpitam nas unidades ultramarinas? Sim – como pode a juventude cumprir no todo a sua missão, se a maior parte considera ainda o Ultramar como uma oportunidade de «última análise»? É mais certo um moço metropolitano debater com afoiteza, o último filme de Hitchcok, do que responder ainda que ao de leve, a qualquer pergunta sobre povoamento africano. Pergunto se não seria de inteira justiça e de indestrutível lógica administrar-lhes um ensino tão vasto sobre eles como a que possui sobre o último Benfica – Sporting.!!
Se perguntarmos a um moço do ultramar onde ficam Braga, Leiria, ou Covilhã, desde já sou capaz de apostar em como uma esmagadora maioria responderá automaticamente: na Metrópole. Em contrapartida, se inquirirmos dos rapazes metropolitanos onde se situam as terras portuguesas de Malange, Porto Amélia ou Cacheu não evidenciarão eles a mesma maioria de acerto, se não encontrarmos até um número lato que fique gaguejando assustadoramente…
As perguntas permitem-nos exprimir o desnivelamento de conhecimentos que as juventudes daquém e dalém mar reflectem acerca do Ultramar e da Metrópole, respectivamente.
Todo o moço de qualquer das parcelas do nosso ultramar, sabe decerto, o que significam Ourique e Aljubarrota: quantos porém serão os rapazes naturais da Metrópole, que tenham notícias dos feitos igualmente brilhantes praticados no célebre «Triângulo da Resistência», Muxima-Cambambe-Massangano? Não consigo entender, decididamente, a razão porque a descrição de tantas façanhas não alinhou ainda nas páginas da História que é ensinada aos moços das escolas primárias!
É mínimo o conhecimento que a juventude exprime acerca das províncias ultramarinas. As causas? Devemos ir buscá-las, com coragem e isenção, à falta de um incentivo maior e à ausência de propaganda. É uma necessidade vital dar a todos os portugueses um tão completo ensino sobre o ultramar como se lhes dá aos assuntos da Metrópole. Na actualidade, sente-se tão impressionantemente a necessidade desse ensino, que, a não o ministrarmos em grande escala e na devida oportunidade, ficaremos com uma ferida aberta por muito tempo.
Estou crente que muita coisa se pode fazer em defesa da juventude e em prol do nosso ultramar.
Tudo o que se possa levar a cabo com esse fito, nunca o julguemos em demasia. É mister, rapidamente, oferecer à juventude todos os meios adequados a proporcionar-lhe um muito melhor conhecimento do ultramar português. Jamais me cansarei de repetir que, com urgência, é preciso enfrentarmos o problema e dar-lhe a solução julgada a mais viável.
Daí o meu pedido de apoio ir mais particularmente ainda, para quantos, por sua posição ou seu esforço, estão em condições de auxiliar o fortalecimento da unidade das camadas jovens de Portugal. A esses, permito-me pedir que não façam sofrer delongas ao problema, porque está atrasada a mentalidade ultramarina da nossa juventude e porque aos olhares cobiçosos, que se lançam para a nossa África, também é de conveniência nacional opormos-lhe uma perfeita unidade das massas jovens do nosso País. Tanto bastaria para que angustiadamente, um só rótulo ousasse apor ao problema: urgente.

Diário da Manhã 10 de Março 1959

domingo, 5 de setembro de 2010

Notas Ultramarinas - Cataclismo ou Limiar da Epopeia?

O problema africano está a assumir uma importância tal que a não o tomarmos já, como o alvo dos nossos melhores esforços, corremos o desagradável risco de, quando o quisermos fazer, estarmos em condições francamente desvantajosas. Por isso mesmo, uma coisa não me levanta dúvida nenhuma: nós temos de agir, já, antes que as circunstâncias se venham sobrepor aos nossos desejos. Agir - mas com eficiência, decisão inabalável e conhecimento de causa. É um ponto que não deveria admitir contestação, quando, por toda a África, se está estendendo um precipitado movimento contrário à permanência europeia, e de modo algum compatível com a unidade estrutural da nação portuguesa.
Outrora, fomos o primeiro povo a lançar até aos recônditos dos sertões ignorados, uma grande cruzada humanitária: hoje – porque não dizê-lo? - de pouco nos valerá, na prática, arrimarmo-nos a tão brilhante passado histórico, se o não conseguirmos repetir perante os condicionalismos actuais. E porque não repeti-lo, se nós somos a raça mais indicada para cimentar uma portentosa unidade luso africana?
Não podemos pensar, por mais optimistas que o sejamos, na obtenção de um êxito total para semelhante empresa, se ao nosso ultramar não formos dedicando, tanto mais rapidamente quanto é necessário toda a nossa capacidade. Nele existe, sem dúvida, o mais auspicioso potencial de engrandecimento pátrio, razão de onde deriva a necessidade imperiosa de a nossa politica ultramarina se dever revestir de um acentuado cuidado e necessitar por isso de uma realização urgente.
A acção conjunta, de uma esclarecida direcção governamental e da concomitante tarefa de desencadear a unidade nacional, conduzir-nos-á, decerto a um dos caminhos que ora se nos depara: a epopeia; a ignorância da obra e o desmazelo incompreensível a que a votássemos levar-nos-ia ao rumo oposto: ao cataclismo. Creio que não temos o direito moral de escolher - a obra é da nação e para a nação.

Diário da Manhã 21 Fevereiro de 1959
A fotografia foi tirada 1966. São 3 sobas do distrito da Lunda com os seus chapeus ornamentados
com missangas. Só as autoridades os podiam usar

sábado, 4 de setembro de 2010

CONSELHO AO RECÉM CHEGADO

Sente com os cinco sentidos
bem humildes
aprende a ver
aprende a ouvir
o pulsar do coração da terra
…esquece esses rumores de guerra…
cheira o aroma que vem do mato
quando chove.
Apalpa com os teus dedos o fruto
ainda verde que o destino guarda
verás que eu tenho razão…
O que não aprendeste
foi a sentir Angola
de dentro para fora
porque ela não mora
no teu coração…
(Poesia de Neves e Sousa, 1970)

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

O HENRIQUE E A CHUVA

Decididamente o Henrique não gostava de chuva, ou pelo menos da nossa chuva de Lisboa. Dizia ele que chuva, só a chuva africana. A nossa, um incomodo e um transtorno. Era um problema, vestir a gabardine. Tinha sempre uma desculpa: ou o carro estava perto, ou a chuva não era assim tanta, ou o Senhor Eduardo trazia o guarda chuva, enfim tudo eram pretextos para a gabardine ficar pendurada no mesmo lugar de sempre. Não gostava de constrangimentos e pelos vistos a dita era um constrangimento. Claro, à noite, de regresso a casa dizia: apanhei chuva, já me constipei!
No dia em que o Henrique morreu, estava um dia bonito, morno, de sol como ele gostava.
Um dia em que ele poderia ter saído para os seus 45 minutos de passeio. No dia seguinte o tempo tinha mudado: estava frio, chovia, o vento era gelado. O Nuno, igual ao Henrique no que diz respeito a constrangimentos de vestuário, apareceu quase em mangas de camisa. Dissemos-lhe: veste o casaco do Pai, aquele que ele comprou para substituir a malfadada gabardine, sabes, quase não o chegou a vestir. O Nuno vestiu o casaco do Pai e deixou-nos um texto de amor que temos guardado no coração.

Visto o teu casaco
NÃO!



Não me fica nada mal. Visto o teu casaco que tu quase não tiveste tempo de vestir e não me fica nada mal.


A roupa que me vestiste ao longo da vida não me fica nada mal. Visto o teu casaco. Visto a tua pele.


Agora eu sou pai. Agora já não sou filho. Agora tu não estás. Agora eu sou pai sem pai.


Visto a tua pele. Espero que me fique bem. Quero vestir a Mariana e o João Miguel com a mesma roupa que tu me deste. Que lhes assente bem, porque cada um tem o seu tamanho, as suas texturas e cores preferidas. Mas que lhes assente bem na sua pele. Que os aqueça pelas noites frias da vida e os liberte na felicidade dos dias de calor.


Tenho tanta pena que tenhas morrido e de não estares cá para eles te poderem viver. E para me poderes ajudar a vesti-los. Mas a roupa que lhes vou dar vai fazê-los lembrarem-se de ti. Quando olharem para as suas roupas ao espelho vão ver o que é mais importante. Vão ver na sua pele dedicação, seriedade, convicções e amor. Muito amor.


Como tu fizeste connosco.


Ainda me lembro do casaco que nos trouxeste da América lá tão longe nas memórias e que me assentava tão bem. A mim e a todos. Como não falhavas nos nossos números, nós que somos tantos, tão diferentes e em constante crescimento e mudança.
Mas tu conhecias o nosso corpo como a nossa alma. E por isso nos assentava tão bem.


Visto o teu casaco. Visto a tua pele.


Permanece em mim.