quinta-feira, 10 de junho de 2010

Dia de Portugal de Camões e das Comunidades


Mais de três séculos e meio decorreram já sobre a morte do príncipe dos poetas portugueses, mas o rodar dos tempos e o advento das novas gerações não conseguiram ainda julgar um forte sentimento de admiração pelo homem que cantou com engenho e arte incomparáveis, as glórias imperecíveis da Raça Lusa. Por todo o território pátrio se levam a efeito, hoje, manifestações de carácter patriótico, em comemoração da imorredoira data do 10 de Junho, que assinala a entrada, nos anais da imortalidade, do Poeta Nacional; e o Dia da Raça, quis o nosso liceu frisá-lo com mais esta sessão cultural, que vem expressar, conquanto modestamente, a consideração e o nosso preito de homenagem póstuma a Luís de Camões, e terá, assim, solenização adequada ao seu significado histórico, fazendo arreigar no espírito da juventude a admiração consciente pelo Vate que serviu a Pátria com amor e lealdade.



Sr. Reitor



Srs. Professores



Caros Colegas

 
 
 
 
 
 
 
 

Uma obra de génio é sempre o produto de um homem de dotes notáveis, que logra pintar com fina personalidade, um momento de circunstâncias excepcionais da humanidade; e « Os Lusíadas», que constituem o expoente máximo da nossa literatura, não poderiam ser excepção à regra, e direi antes que a confirmam plenamente, no desenvolvimento de uma rema de interesse universal.

Todo o século XV tinha sido um constante aclamar de marinheiros, que ousadamente penetravam as vias até então nunca usadas; um acentuado cantar de heróis que venciam infiéis e gentios, e transplantavam para as mais remotas plagas a soberania Lusitana e o culto da Fé Cristã. E os ecos vibrantes das navegações entraram sec. XVI adentro, abeirando-se da época em que viveu Camões ganhando em fama com as ressonâncias da lenda que começa a aureolá-los.

A vida nacional de antanho, agitada, inconstante e ansiosa, dia a dia reclamava imperiosamente um cantor para os feitos assombrosos dos que «ao mundo foram dando novos mundos»: e o poeta surgiu, com uma pena de rara sensibilidade e um espírito de ritmo variado, forjando o poema heróico, de fé nacionalista, tecido em torno de uma viagem náutica de repercussão internacional. Subterfúgio lógico para uma época que inicia a Idade Moderna, toda a epopeia está crivada de referências à geração dos descobrimentos, à novidade das navegações e aos fenómenos do mar, frequentemente experimentados pelos mareantes, e aos quais o próprio Camões, no seu peregrinar pelo Oriente, teve ocasião de assistir.

Mas, o Homem não seria só um épico de crença exaltada mas também um lírico de impetuoso temperamento, que nos aparece como um poeta sentimental, um romântico antecipado. A sua lírica – que, segundo o testemunho de Diogo do Couto, expresso na década oitava, se chamaria «Parnaso de Luís de Camões»- estreita todas as diversas correntes artísticas e ideológicas do século XVI, em Portugal. Resumidamente, poderemos dizer que o assunto capital do lirismo camoniano são as contradições encontradas pelo poeta, entre o ideal apreendido na escola, e na sua cultura livresca, e o lastro pesado das baixezas da vida real. Não se apresenta Camões como um poeta original, mas sim como um talento portentoso, que absorve, com fulgor e brilhantismo todas as correntes do grande século em que viveu.

Como lírico, é um discípulo de Petrarca, conseguindo dar às suas obras um tom pessoal e um cunho individual, de certa impressionabilidade. Após o verso torturado de Sá de Miranda, depois de uma harmonia bastante trabalhada de António Ferreira, surge-nos Camões com um verso sem esforço e aparentemente muito fácil, extremamente variado, abundante de ritmo colorido, conforme os estados de alma e as situações de espírito que pretende exprimir; mas sob esta desenvoltura exterior, esconde-se um grande poder de síntese e de condensação, sendo numerosos os seus versos lapidares, o que nos leva a concluir que a perfeita naturalidade do verso, na parte mais representativa da sua lírica, é fruto de um esforçado trabalho. A mensagem de uma alma, e o grito de um espírito que se encontra deslocado na época, transbordam em vagas de rimas, ora mais calmas e largas, ora mais curtas e ofegantes, que sinalizam a sensibilidade e o estremecimento de um ser que penou as agruras da vida.

Por mares nunca de antes navegados, semeando velas e proas nos caminhos tenebrosos do oceano, terçando lanças por seu Deus e seu Rei, a linhagem de marinheiros e missionários viu o seu valor inestimável doirar-se nas páginas de um livro que há muito transpôs fronteiras, e foi ganhar a coroa de louros merecida nos reinos nos da imortalização. Acordem-se os ecos das trombetas da gloriosa Fama, porque Camões não morreu para a Raça nem para o Mundo: vive ainda, portentoso e inexcedível, nas páginas sagradas dos milhares de edições da sua obra prima de artista. É que a célebre frase de Schlegel, sintetiza o pensamento do orador em relação ao Poeta: «Camões vale por si só, toda uma literatura».


Escrito aos 16 anos de idade, Liceu de Diogo Cão, Sá da Bandeira, 10 de Junho de 1957