Saudades das noites da minha terra, o Tempo não mas mata, a Distância não mas diminui - o Tempo mas faz reviver, a Distância as faz aumentar. Noites de Angola!!! Noites negras, ou de luar, de silêncio ou de batuque, de amor ou solidão, eram sempre noites da minha terra. que tão longe me ficou para meu mal.
Noites de Angola são só… noites de Angola! Não há no mundo em redor, eu sinto-o, poesia mais bela e prosa mais altiva do que essas horas intermináveis, em que a vida é simplesmente a vida, e Deus è Deus e eu era só eu e mais ninguém do que eu e fosse outro.
Nem há ninguém, tampouco capaz de as descrever e passá-las à imortalidade no documento ou na expressão de qualquer arte. Elas são, por natureza, insusceptíveis de reprodução, imortais como a alma da minha terra, a chama viva e infinda que perpetuará Angola pelo decorrer afora dos séculos. Angola não morrerá enquanto as noites da minha terra forem as noites de Angola!
Neste Portugal do Continente, a noite é triste e fria, com uma chuva choramingas pingando horas afio nos vitrais da minha janela. A tarde é parda, a noite escura, a manhã sem sol - e não há vida, nem poesia, meu amor, porque a vida, a poesia e a beleza sentem-se na noite que é noite ou sabe ser noite! – E as noites da Metrópole não são noites, porque não têm vida, beleza nem amor – não têm nada sem ser chuva ou tristeza.
Saudade meu bem Saudade… Saudade infinda e dolorosa daquelas noites da minha terra, tão diferentes entre si e ainda mais diferentes das noites das outras terras. Quem sabe porventura, o que há de Beleza verdadeira e de Poesia rítmica nas noites de Angola? Quem conhece essas noites como eu as conheço? Pouca gente, decerto! Porque sentir a imensidão da noite não é olhar para o céu escuro e dizer é «belo». Não, assim não! Eu amo as noites da minha terra de outra maneira. Lembro-me bem da sensação que me possuía inteiramente ao olhar a noite, o céu e a lua rechonchuda, a terra queda e imensa, a desdobrar magia terras em fora, no silêncio, no peso enorme que se evapora do chão e vai ares acima e nos choca, nos faz sentir pequenos perante a Mãe Natureza. Ah, não há, meu bem, não há noites como as de Angola! Noites silenciosas, plenas de paz, de concórdia entre os homens, de felicidade e sortilégio; noites claras com a lua a rebolar-se lá no alto, e a espreguiçar a sua luz pelas distâncias sem fim, sem principio, dos campos da minha terra; o rio correndo mansamente, rumorejante, como canto vagabundo que de margem em margem leva a sua trova de amor; o batuque dos negros a escancarar-se matos adentro, tum-tum, pam-pam, monocórdico, saudosista, choroso…. um pirilampo que esvoaça e deixa no negrume da noite, a restea efémera de um lampejo vivaz: uma sensação de amargura a chorar na alma, um sorriso de felicidade a brincar nos lábios - e a terra essa terra magestosa, incomparável na sua plenitude, o mundo, a vida, Deus e eu – e eis a noite tropical da minha terra como eu a sinto, como eu a quero e amo doidamente!
É preciso «viver» essas noites; é preciso deambular só já noite velha pelas planícies ermas pelos recantos desconhecidos, para se poder saber o que é uma noite de Angola. É preciso estar só, sentir amor por essa terra, ter poesia dentro de nós! Como é possível equiparar a solidão ao bulício de Lisboa: a paz dos campos ao vai-vem destas ruas a abarrotar de gente; o grito longínquo de uma hiena ao gargalhar estúpido de quem passeia no Rossio? Não, não se pode. Não se pode porque noites de Angola são noites de Angola e nada mais. Amo-as! Amo-as porque são a realidade visível do conceito abstracto de Beleza, Poesia Amor…Amo-as porque me fazem sentir criança, me purificam a alma, e me obrigam a deixar correr lágrimas pelos erros que eu cometo!A gente metropolitana nunca saberá o que significa uma noite tropical. Tenho pena deles! Viver nesta terra é semelhante a estar numa prisão sem grades palavra!
Não há campos imensos e desertos por onde os olhos possam divagar, nostálgicos e abarcar a grandeza da terra adormecida; não há silêncio como o das noites Angolanas, em que o ressoar de uma pessoa ecoa com estrondo, e o murmúrio de um riacho, parece acorde de violino; não há tambores ao longe, a gemer baixinho a tristeza do negro prisioneiro; não há uma lua bonacheirona, agora, sentimental, depois, a beijar a terra de mansinho, não há um imbondeiro a chorar, na imensa solidão do solo, não há uma «mulemba» a sussurrar cantante; não há poesia, não há Beleza nem Paz e Amor – nem sequer há um moço envolto numa capa negra a desfiar prosas pelas plagas solitárias da sua terra!!!
Oh, noites de Angola! Noites de magia tropical, de sedutora beleza e perfume inebriante! noites puras e sensuais ao mesmo tempo, em que a alma ingénua de uma criança se possa aliar ao sangue quente da mocidade! Noites que não têm principio nem fim, porque nasceram não se sabe quando, e morrerão só quando deixarem de ser noites de Angola.
Noites da minha terra! Noites que são pedaços de mim próprio, porque na pureza do ar está a pureza da minha alma e, na sensualidade do mistério que as envolve, está a sensualidade do meu sangue quente desse sangue que eu sinto ferver dentro de mim!
Noites de Angola! Noites da minha terra! Poemas imorredoiros de Amor e Paz, escritos pela Mãe Natureza, destes à luz da vossa sombra a alma eternamente enamorada que eu sou!
Noites de Angola – porque tão longe me ficastes?
Saudade meu bem Saudade……
Lisboa 1958