terça-feira, 8 de junho de 2010

O outro de mim próprio

Há em mim dois «eus» - um extremamente sensível, sentimental, terno e poético; outro- realista, ambicioso, duro nos seus conceitos, inflexível nas suas ideias, apto para enfrentar a vida e lutar contra a parte má do Destino.

Eu sinto-os dentro de mim, e – caso estranho eles não lutam um com o outro, porque são adaptáveis a circunstâncias diferentes e, até, digamo-lo, completam-se um ao outro.



O primeiro está pronto, sempre, a sonhar em qualquer hora, em qualquer lugar, a chorar por uma miséria que veja, a sofrer com os maus bocados.
O outro ajuda a caldear as ilusões da mocidade com a realidade da vida, opõe o sentimentalismo à força da inteligência, ajuda a vencer sonhando.
A maioria das pessoas que me conhece só sabe do rapaz intelectual, vencedor, brilhante; uma minoria conhece o outro de mim próprio e mesmo essa minoria não o conhece completamente.

Às vezes estranho-me: sendo tão sentimental como sou, sou capaz de sentir a minha alma encher-se de ternura ao olhar uma criança de rosto inocente, ou a apreciar uma paisagem que me agrade; mas também sou capaz de apontar um culpado e dizer «faça-se-lhe justiça» mesmo que essa justiça seja desagradável para ele.

Sou extremamente sensível e extremamente duro ao mesmo tempo. Lisboa sublima-me os dois aspectos que sempre existiram.

Qual deles vencerá? Nenhum decerto porque hei-de ser eternamente um rapaz apaixonado pelo que é Belo e um Homem que luta com força e impõe a sua vontade.

Lisboa 1957