quarta-feira, 16 de junho de 2010

A Mão e a Escrita

Quem se debruça, entusiasmado, sobre as páginas em branco de um livro qualquer para deixar correr a pena em estiradas de rabiscos e garatujos, não pensa, um minuto sequer, em fazer boa ou má literatura, suficientemente capaz de agradar a quem, porventura, algum dia resolver devassar, distraído ou atenciosamente – e mau grado nosso – o que se escreveu num momento de exaltação inconsciente. E então – sublime hora de paradisíaco! – a pena escorrega, livremente, pelo emaranhado confuso de ideias e pensamentos, tingindo as folhas de traços e riscos que, na maior parte das vezes, não possuíam a mais pequena sequência lógica, que se possa conceber.
Nebula-se a mente, tolda-se e entorpece-se o espírito embaciam-se as letras que fogem à nossa frente, e o aparo chia e espaparra-se, impiedosamente maltratado pela mão que o aperta com nervosismo, próprio desse momento de turbilhão, em que se pretende fugir à crua e nua realidade da época que se atravessa.
Mas… que fazer! - o gosto de se escrever é plena e totalmente satisfeito e completado, e as mãos não encontram no seu caminho demolidor, fronteiras altaneiramente potentes para se oporem ao desejo que se não contem, e ao desabafo que se expande em linhas tortas por fugidas incoerentes.
Quem, como o autor destas linhas tortas por direitas reconhece, a sua impotência literária para levar a cabo a sempre espinhosa tarefa de escrever algo que não será, no futuro, só de sua única pertença – sente-se apiedado por si mesmo e pelos outros, mas espera o soar da hora triunfal, com aquela confiança inabalável que deve ser apanágio de quem tem um só dever, e uma só consciência a baterem num só peito.

28 de Fevereiro 1957


Há 17 anos a primeira neta e a Mão do Avô