Na próxima hora, na antena 1, Ana Sousa Dias
conversa com o Provedor de Justiça, Dr. Nascimento Rodrigues. Lisboa, 5 de
Junho de 2005.
Ana Sousa Dias - Nascimento Rodrigues, nascido no Luso, em
Angola, este ano é o ano do 30º aniversário da Provedoria de Justiça, de uma
Instituição que tem um papel muito importante na Justiça em Portugal, embora
esteja fora, digamos, do sistema de Justiça.
Nascimento Rodrigues – “É verdade”.
A.S.D.- É uma Instituição que só nasceu depois do
25 de Abril, só era possível depois do 25 de Abril.
N.R.- “Necessariamente. Só em regime democrático é que pode
existir o Provedor de Justiça, ou o Ombudsman. Porque é um órgão com uma independência
total, eu diria que é da sua própria essência, a independência perante os
outros poderes, o poder executivo, o poder legislativo, e, portanto, só em
regime democrático é que ele tem razão de ser. Se não fosse em regime
democrático ele estaria subordinado, com certeza, ao poder executivo, e isso já
não seria um Provedor de Justiça”.
A.S.D. - Ao ler a documentação que tinha para
preparar percebi que não há sequer recurso de uma decisão do Provedor de
Justiça.
NR – “Não. Não há”.
ASD- É eleito pela Assembleia da República, por um mandato
de quatro anos e também não pode ser demitido, pelo Governo, nem pela própria Assembleia
da República.
NR – “Nem pela própria
Assembleia da República. A lei estabelece quais as são as circunstâncias em que
pode haver uma cessação antecipada do mandato do Provedor de Justiça. São
circunstâncias normais. A morte, a impossibilidade física permanente, perda de requisitos
de elegibilidade pela Assembleia da República, mas não prevê, e isso é curioso,
de facto, não prevê que a própria Assembleia possa demitir o Provedor de
Justiça. Devo dizer, para ser verdadeiro, que, em alguns outros países
europeus, não é assim. Está prevista, expressamente, a possibilidade de o
Parlamento poder fazer cessar,
antecipadamente, o mandato do Provedor de Justiça através de uma eleição nos
mesmos termos em que elege o Provedor de Justiça, Mas também confesso que, na
prática, não conheço nenhum caso, em nenhum país europeu, em que o Provedor de
Justiça tenha sido demitido pelo parlamento que o elegeu”.
ASD- A minha questão não
era achar que era um direito excessivo. Não é isso. De facto é uma
particularidade. Não é costume esta situação
NR- “Não, não é costume.
Também dei-me dizer-lhe uma coisa: não penso que isso seja muito importante do
ponto de vista conceptual ou de legislação, porque, na prática, se houver um
desagrado manifesto e mais ou menos contínuo, da Assembleia da República, do Parlamento,
face ao Provedor de Justiça, é evidente, que ele tem que tirar as consequências
políticas, ou seja tem que renunciar ao lugar. Isso para mim é evidente”.
ASD- Já alguma vez sentiu que havia alguma má vontade…
N.R.- ”Nenhuma, nenhuma.
Ainda bem que me faz essa pergunta, porque penso que isso é importante para os
ouvintes. Aconteceu comigo, e tenho a certeza que aconteceu com os meus
antecessores. Não há a mais pequena pressão, seja de que tipo for, face ao
Provedor de Justiça quer por parte do executivo quer por parte da Assembleia da
Republica. Nenhuma influência, nenhuma pressão. Na prática, o Provedor de
Justiça é efectivamente independente.”
ASD - Pensou que
ia acontecer assim quendo aceitou em 2000?
NR – “Pensei. Pensei. Em primeiro
lugar, tinha conhecimento razoável de como é que as coisas se tinham passado em
Portugal ao longo destes anos, e, em 2º lugar, nunca aceitaria um cargo desta
natureza se por ventura fosse submetido a pressões.”
ASD - É que há uma grande desconfiança por parte da
população em relação a todos os cargos políticos e em relação à Administração em
geral. Essa sua confiança no cargo que depois exerceu, uma confiança que
existia à partida, é no mínimo interessante.
NR –“ Não, não é, porque o Provedor de Justiça é
mesmo assim em todos os países democráticos. É uma instância completamente
independente, uma instância que não tem poderes, esta é outra característica
fulcral do Provedor de Justiça. Ele não tem poderes, não pode mandar, e,
portanto, daí um certo distanciamento em face aos poderes públicos, aos poderes
políticos, portanto. Não, não me admirou muito que fosse assim.”
Lisboa, 5 de Junho de
2005.