terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

OMBUDSMAN E DEMOCRACIA


 Na próxima hora, na antena 1, Ana Sousa Dias conversa com o Provedor de Justiça, Dr. Nascimento Rodrigues. Lisboa, 5 de Junho de 2005.

Ana Sousa Dias - Nascimento Rodrigues, nascido no Luso, em Angola, este ano é o ano do 30º aniversário da Provedoria de Justiça, de uma Instituição que tem um papel muito importante na Justiça em Portugal, embora esteja fora, digamos, do sistema de Justiça.
Nascimento Rodrigues – “É verdade”.
A.S.D.- É uma Instituição que só nasceu depois do 25 de Abril, só era possível depois do 25 de Abril.
N.R.- “Necessariamente. Só em regime democrático é que pode existir o Provedor de Justiça, ou o Ombudsman. Porque é um órgão com uma independência total, eu diria que é da sua própria essência, a independência perante os outros poderes, o poder executivo, o poder legislativo, e, portanto, só em regime democrático é que ele tem razão de ser. Se não fosse em regime democrático ele estaria subordinado, com certeza, ao poder executivo, e isso já não seria um Provedor de Justiça”.
A.S.D. - Ao ler a documentação que tinha para preparar percebi que não há sequer recurso de uma decisão do Provedor de Justiça.
NR – “Não. Não há”.
ASD- É eleito pela Assembleia da República, por um mandato de quatro anos e também não pode ser demitido, pelo Governo, nem pela própria Assembleia da República.
NR –Nem pela própria Assembleia da República. A lei estabelece quais as são as circunstâncias em que pode haver uma cessação antecipada do mandato do Provedor de Justiça. São circunstâncias normais. A morte, a impossibilidade física permanente, perda de requisitos de elegibilidade pela Assembleia da República, mas não prevê, e isso é curioso, de facto, não prevê que a própria Assembleia possa demitir o Provedor de Justiça. Devo dizer, para ser verdadeiro, que, em alguns outros países europeus, não é assim. Está prevista, expressamente, a possibilidade de o Parlamento poder fazer cessar, antecipadamente, o mandato do Provedor de Justiça através de uma eleição nos mesmos termos em que elege o Provedor de Justiça, Mas também confesso que, na prática, não conheço nenhum caso, em nenhum país europeu, em que o Provedor de Justiça tenha sido demitido pelo parlamento que o elegeu”.
ASD- A minha questão não era achar que era um direito excessivo. Não é isso. De facto é uma particularidade. Não é costume esta situação
NR- “Não, não é costume. Também dei-me dizer-lhe uma coisa: não penso que isso seja muito importante do ponto de vista conceptual ou de legislação, porque, na prática, se houver um desagrado manifesto e mais ou menos contínuo, da Assembleia da República, do Parlamento, face ao Provedor de Justiça, é evidente, que ele tem que tirar as consequências políticas, ou seja tem que renunciar ao lugar. Isso para mim é evidente”.
ASD- Já alguma vez sentiu que havia alguma má vontade…
N.R.- ”Nenhuma, nenhuma. Ainda bem que me faz essa pergunta, porque penso que isso é importante para os ouvintes. Aconteceu comigo, e tenho a certeza que aconteceu com os meus antecessores. Não há a mais pequena pressão, seja de que tipo for, face ao Provedor de Justiça quer por parte do executivo quer por parte da Assembleia da Republica. Nenhuma influência, nenhuma pressão. Na prática, o Provedor de Justiça é efectivamente independente.”
ASD - Pensou que ia acontecer assim quendo aceitou em 2000?
NR – “Pensei. Pensei. Em primeiro lugar, tinha conhecimento razoável de como é que as coisas se tinham passado em Portugal ao longo destes anos, e, em 2º lugar, nunca aceitaria um cargo desta natureza se por ventura fosse submetido a pressões.”
ASD - É que há uma grande desconfiança por parte da população em relação a todos os cargos políticos e em relação à Administração em geral. Essa sua confiança no cargo que depois exerceu, uma confiança que existia à partida, é no mínimo interessante.
NR –“ Não, não é, porque o Provedor de Justiça é mesmo assim em todos os países democráticos. É uma instância completamente independente, uma instância que não tem poderes, esta é outra característica fulcral do Provedor de Justiça. Ele não tem poderes, não pode mandar, e, portanto, daí um certo distanciamento em face aos poderes públicos, aos poderes políticos, portanto. Não, não me admirou muito que fosse assim.”
Lisboa, 5 de Junho de 2005.