sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

UMA QUEIXA…É MUITO FÁCIL


O Henrique é reeleito para o cargo de Provedor de Justiça em 2004. Em 2005 a Provedoria de Justiça comemora 30 anos de existência. Na efeméride, o Henrique concede à jornalista Ana Sousa Dias, da Antena 1, uma longa entrevista. No excerto, que hoje publicamos, revela-se parte do quotidiano da Instituição.

Ana Sousa Dias - Os portugueses queixam-se muito?
Nascimento Rodrigues“ Não faço ideia. Não sei dizer-lhe. A única coisa que eu lhe posso dizer é que a partir da década de 90 se tem assistido a um aumento gradual, a um aumento sustentado, do volume de queixas ao Provedor de Justiça. E é muito fácil, é muito fácil, fazer uma queixa ao Provedor de Justiça. Pode apresentar uma queixa por carta, pode apresentar uma queixa por correio electrónico, pode apresentar uma queixa por tele-fax e também por telefone, (desde que haja aí um controle sobre a autenticidade de quem está a fazer a queixa), e pode ir pessoalmente à Provedoria de Justiça. Portanto isto é muito fácil e ainda por cima é gratuito. O cidadão não paga um cêntimo, para além do selo da carta, eventualmente. Não lhe sei dizer se os portugueses se queixam muito ou não. Acho que se queixam razoavelmente.
A.S.D.- A ideia que eu tenho é que os portugueses gostam muito de dizer mal, de se queixar, mas depois não passam á fase seguinte, não tomam medidas para resolver o problema, ficam a queixar-se.
N.R.“ Não. Não diria isso. Eu diria que o que nós deparamos, muitas vezes, é com uma explicação pouco esclarecedora sobre o motivo da queixa. Vou-lhe ser franco. Muitas pessoas escrevem mal, incluindo pessoas licenciadas. Já recebi queixas de professores que começam por me escrever assim: Senhor Provedor de Justiça, eu sou ‘á’ cinco anos, ‘à’ sem h, um professor, isto não pode ser…!
A.S.D.- Dá vontade de mandar para trás…
 N.R – “Não, não mando, isto não é motivo de recusa, mas é motivo de observação. Mas não era a isso que eu referia, referia-me a queixas de outro tipo, de pessoas que tem alguma dificuldade em se explicar bem sobre o que é a queixa. Porque de facto, aquilo que se nota, e, também por causa disto a beleza institucional do cargo, muitas vezes as pessoas começam a escrever e passam a contar os problemas da sua vida, para finalmente lá para fim, nas últimas linhas, acabaram por dizer: Senhor Provedor  é por causa disto que me estou a queixar, mas antes de se queixarem contam um pouco a sua história, como eu lhe dizia, isto dá beleza institucional ao cargo. Mas para responder à sua pergunta, é mais a dificuldade em exprimirem as razões da queixa. Claro que essa dificuldade depende do nível habilitacional do queixoso que é muito diferenciado, percebemos pelas queixas que temos pessoas com nível habilitacional baixo, e que temos licenciados, o que não significa, como já referi, que seja uma queixa bem apresentada”.
ASD- Estas queixas dizem respeito, essa a função do Provedor de Justiça, a problemas do funcionamento do Estado, embora haja também, ultimamente  queixas de conflitos com privados…
N.R. “Fundamentalmente as queixas têm que dizer respeito às questões de ilegalidade ou questões de justiça. Suponha, que recebeu um notificação da sua repartição finanças, para a deixar bem disposta, que lhe aplica um imposto que é superior aquele que calculou, e, que acha, é devido, em função do código do IRS. Ou se dirige directamente à repartição de finanças, faz uma reclamação, e isso leva muito tempo até ser decidido, ou faz uma queixa ao Provedor de justiça, invocando a ilegalidade que foi cometida. Aí está, a administração pública cometeu um acto ilegal, cometeu uma ilegalidade. É sobre isto que incide a acção quotidiana do Provedor de Justiça”.
Lisboa, 5 de Junho de 2005.