terça-feira, 17 de agosto de 2010

Homenagem a Nascimento Rodrigues


O Henrique nasceu nos longes de África, na Angola que marcou indelevelmente o carácter, moldou a nossa personalidade, marcou o ritmo dos passos e se espelha em tantos dos nossos gestos quotidianos.O Henrique transpôs os umbrais do vetusto Liceu da Huíla, do imaginário Reino de Maconge, nos recuados anos 50 do século transacto, oriundo de Saurimo (?)…
Mais breve o percurso que houvéramos de cumprir, numa ronceira subida da Chela num qualquer “cama-couve”, oriundo da Urbe da Welwítschia, entre a Angra do Negro e as dunas do Namib, extensão informe do Kalahari.
O Henrique, propenso aos Ideais da Justiça, cumpriu o quinquénio da sua formatura na cosmopolita Lisboa.
Nós – para quem o Direito seria só uma das vias para a consecução de um tal Ideal – na incensada Lusa-Atenas, com distintos planos de mundividência, numa convergência assaz interessante.
O Henrique, com uma vida pública notável, foi indigitado Provedor de Justiça. Reunimo-nos de imediato, já que ao Provedor incumbe, como recolector do direito de petição, pugnar pelos interesses e direitos do consumidor, no exercício da sua magistratura de influência.
Nós, na humildade de uma trincheira a que se não confere relevo em País longe dos níveis de tutela que outros bem mais dotados exibem, e com um extraordinário deficit no exercício da cidadania, assediávamo-lo com casos de manifesta agressão ao estatuto do consumidor, mormente os perpetrados pelos monopólios de facto e oligopólios a operar no domínio dos serviços públicos essenciais.
Nem sempre pudemos partilhar das mesmas perspectivas, nem sempre foram convergentes as análises, nem sempre uníssonas as soluções.Mas o Henrique era um Homem sensível, um Homem com uma leitura do Direito iluminada por exigentes preocupações sociais (o direito é para os homens, que não para as coisas), um Homem de convicções, um Homem impoluto, um Homem de carácter.
As diferenças de interpretação ou de aplicação das normas não nos apartaram nem se traduziram em juízos de menos valia da acção do Provedor. No mais que não no específico domínio do Direito do Consumo, cuja cultura mister seria, na perspectiva que perfilháramos, se difundisse pelos quadros da Provedoria.
Tais diferenças não beliscaram sequer a sólida amizade que se forjara nos bancos do agregador Liceu por cuja docência se perfilaram pedagogos da estatura de um Brilhante de Paiva, de um Gastão de Sousa Dias, de um Manuel Viegas Guerreiro ou de um Higino Vieira, de uma Maria Cornélia Teles Grilo ou de um Amaral Espinha, de um Albino de Matos ou de uma Regina Lucas, de um Ramalho Viegas ou um Carlos Negrão, de um Alfredo Lobo das Neves ou de uma Margarida Pinto, para só recordar alguns dos nomes dos que nos projectaram para a vida na placidez da capital da Huíla!O Henrique Nascimento Rodrigues partiu mais cedo.

Publicado em 13 de Abril 2010 por Mário Frota - Blogue Aventar
Fotografia da Igreja de Sá da Bandeira ( Lubango) tirada pelo Henrique em Setembro de 2006.