“Tenho ficado muito triste com as notícias desanimadoras que me tens dado sobre a nossa Angola e ainda hoje fiquei revoltado ao ler a notícia da exoneração do Deslandes.
É de facto triste a nossa situação e sombrias e sem esperança as alternativas que nos oferecem: a persistência sem glória e errada do actual sistema, a desistência calamitosa dos idealistas pró-negroides de meia tigela!
Entre estas duas caricaturas de verdade e humanismo nós somos como os filhos adulterinos que se abandonam… Não sei, de facto, se tudo se encaminha para a perda pura e simples de Angola, o que é dizer do meu destino.
Mas, o que ainda mais me dói – e dói muito! - é notar que as gentes da nossa terra a abandonam e se põem a recato enquanto é tempo.
Eu não quero dizer que não compreendo - e, mesmo aceito – os motivos legítimos que levam muitos a sair de Angola, eu compreendo e aceito os motivos, relativamente, mas nada pode obstar a que dentro de mim surja esta dor tão grande e tão íntima, que é a de ver a nossa gente, a gente que tem os motivos sérios, saírem de Angola quem sabe se para não mais voltar.
Claro que já não falo naqueles que abandonam Angola por razões materiais, porque esses só merecem o meu desprezo e todo o meu nojo.
Querida Angola, como nós os teus filhos, não merecemos de facto o amor que apregoamos.
É tão triste senti-lo, tão triste perceber que para Angola está indo gente nova, desconhecida, mas está saindo aquela que mais obrigações tinha de aí ficar, ficar até à última, até quando já soubéssemos, de certeza patente, que Angola já não era nossa!
E o que será nosso então? O que poderemos chamar nosso, aqui ou noutro sítio, se nós aqui não plantàmos uma árvore, não erguemos uma casa, não vimos abrir uma estrada, não sentimos a terra nem as gentes?
O que seremos nós senão homens sem Pátria? Sem Pátria, sim, porque a Pátria é aquela que nós amamos acima de nós próprios e não aquela que as leis ou as circunstâncias nos obrigam a chamar assim.
Minha querida Angola, será que de facto nós não nos veremos mais, não mais eu poderei encher o peito do teu ar como um filho enche o corpo do leite de sua mãe? Romantismo? Idealismo? O que interessa o que é, se não podemos ser nós próprios!
A nossa terra, não é só a casa, o ambiente, os amigos. É também a terra em si, algo de telúrico e inexplicável que liga o homem à terra e o faz sentir que ela é sua, que ele não se importa que seja aquela terra a cobri-lo quando morrer.”
Lisboa 25 de Agosto de 1962