terça-feira, 1 de março de 2011

Notícias de Carmona (Uíge)

Ao reencontrar-me com os cenários que eu sonhei ainda criança, não posso, afinal, deixar de sentir uma tristeza enorme pela quimera que eram os meus sonhos de então.
Carmona desiludiu-me.
É uma cidade inferior a qualquer das outras capitais de distrito que eu conheço. Evidentemente, tendo nascido ainda não há um dúzia de anos, a quando do surto do café, está adiantada; mas em comparação com as outras capitais de distrito – exceptuando Novo Redondo e Salazar – fica atrás delas. Aqui, em Carmona, leva-se uma vida social de luxo. As “altas individualidades”passam a tarde e a noite na piscina jogando a dinheiro e bebendo. O Governador é um major, bastante novo. Um autentico imberbe, sem envergadura para Governador.
Não sei como aguentaremos Angola com estes tipos à testa dos distritos. O Presidente da Câmara é irmão do Governador o chefe da PSP, o sobrinho.
Não, estas coisas não estão bem assim. Não me restam dúvidas de que tudo isto vai de mal a pior.
Tudo isto é uma grande aldrabice. Angola está a precisar de uma grande vassourada nos cargos mais altos.
Choca-me o estado de atraso em que vejo a minha terra.
Ouço os chefes falarem das dificuldades essenciais com que lutam os postos, das rebeliões dos nativos, da falta de gente branca e honesta, pois que a Metrópole o pouco que tem mandado é só do piorio. E revolto-me contra tudo isto. Passei por povoações onde não há nem luz eléctrica nem água. Vi garotos sujos chafurdando no chão; ouvi dizer que há dias em que falta água para beber e o único mantimento possível, são conservas em lata.
Tudo isto é um horror.
Há uma contradição paradoxal entre a terra, generosa, e nós os homens, que bem pouco estamos a fazer por ela.
E eu não sei conter-me. Não há sítio onde não chegue e tente logo inteirar-me das condições de vida; depois…nem queiras saber o que digo!
Pois não tenho razões para protestar?
Há por aqui, fazendas de café em milhares de hectares produtivos; essas fazendas estão adstritas a capitalistas metropolitanos que nunca cá vieram e só têm aqui os seus administradores ou gerentes. No fim do ano recebe-se a massa e pronto! Que interessa a eles fixarem-se à terra e progredirem? Bem lhes importa! Claro, como pagam as contribuições ao Estado, este também deixa estar tudo assim.
É uma miséria para uns, e uma riqueza para outros. Há ainda muita coisa a fazer. Muito mais do que até hoje fizemos, isto é se houver tempo para as fazermos…

Carmona ( Uíge) 19 de Julho 1959