Dei uma olhadela por comentários de blogues que aprecio e fiquei com a sensação de que vários bloguistas cujos escritos eu não consideraria nem de esquerda, nem de direita radical, não apreciaram por aí além a entrevista de Cavaco Silva à jornalista Judite de Sousa, da RTP. No fundo, o que criticam ora com maior acutilância, ora com mais suavidade, é a extrema contenção de Cavaco nas suas afirmações, a sua interpretação dita minimalista dos poderes presidenciais, a falta de “sal e pimenta” de que estavam à espera depois de tudo quanto parece ter-se passado desde o inesquecível “caso do Estatuto dos Açores” até agora, com Sócrates em queda acelerada e muito desgastante (politicamente falando, esclareça-se…).
Pois eu não compartilho dessas opiniões. Só as têm, aliás, os que se esquecem, nas suas análises, de duas características quase que genéticas de Cavaco Silva: é um político basicamente institucionalista; e é um político para quem os interesses do País estão sempre em primeiro lugar. Claro que quem quiser pode não acreditar nisto, e, não se acreditando, é perfeitamente natural que não se tenha apreciado as declarações de Cavaco Silva.
Por que digo que Cavaco é basicamente um institucionalista? Porque jamais sobreporá às regras de cumprimento do seu estatuto presidencial quaisquer interesses, estratégias ou atitudes que ponham em causa a interpretação que dele tem feito: um Presidente para todos os portugueses. Não me espanta, por isso, que não se lhe ouça a mais ligeira alusão crítica ao Primeiro-Ministro, em público. Não me espanta que não se aproveite da entrevista para criticar o conteúdo do PEC, antes instigue Governo e oposições a um sério esforço de concertação política para o aprovar, de modo a que os mercados financeiros internacionais não penalizem com taxas de juro mais altas os interesses nacionais, das empresas e das famílias -no que claramente demonstra colocar os interesses do País acima de quaisquer outras estratégias. Enfim, recusa claramente a ocorrência, nas actuais circunstâncias, de uma crise política que se somaria à crise financeira, económica e social que já sofremos, e coloca na instância própria – o Parlamento – o ónus que lhe cabe: se quer derrubar o Governo, pois que apresente uma moção de censura. Não se poderia ser mais institucionalmente escorreito.
Faltou à entrevista aquele rasgo de alma que deveria apontar-nos os “amanhãs que cantam” no meio desta negritude de espírito em que o País parece ter tombado? Talvez…Não seria justo esquecer, porém, que Cavaco Silva não se tem cansado, ao longo dos anos que leva de mandato, de apelar insistentemente aos sentimentos de resistência das nossas gentes, de tentar mostrar o que o País faz de melhor, de instigar ao trabalho, ao esforço e à não acomodação dos cidadãos. Não se lhe pode exigir é sol na eira e chuva no nabal…
Estão certos, porém, os que afirmam que não houve novidades mediáticas na entrevista à RTP (e até nesta escolha televisiva mostrou o seu institucionalismo…). Não houve, porque esse é o estilo próprio do Presidente. Salvo num ligeiro pormenor: agora é claro que Cavaco Silva mantém íntegras todas as condições políticas para se recandidatar à Presidência da República. Houve quem fosse dormir descansado, como eu, houve quem tivesse ficado com azias….