Passos Coelho ganhou as eleições para a presidência do PSD sem margem para dúvidas. Até se poderia dizer “a leste nada de novo”, pois as sondagens davam-no já como claro vencedor por uma percentagem à roda dos 60%.
É de realçar também a elevada participação eleitoral, mas é igualmente certo que o noticiário da semana já dava conta do enorme afluxo de militantes que acertavam o pagamento de quotas para efeitos eleitorais. Deste ponto de vista também não ocorreu novidade de maior.
A partir de agora, a grande dúvida parece centrada na badalada questão da unidade: que o PSD é um partido balcanizado, que é um partido “saco de gatos”, e mais isto e mais aquilo.
De facto, de há vários anos para cá, o PSD tem sido, em maior ou menor grau, esse partido. Mas não o foi sobretudo por divisões programáticas ou por clivagens ideológicas: fundamentalmente, foi-o por permanentes e desgastantes questiúnculas de poderes pessoais e de facções internamente organizadas ao redor de pequenos “cabos de guerra”, aquilo a que se poderia apelidar de mini-máfias….
Lembram-se do “eu vou andar por aí” de Santana Lopes? Lembram-se das repetidas críticas televisivas de Menezes a Marques Mendes? Lembram-se da exigência pública do próprio Passos Coelho a Ferreira Leite, antes das legislativas, no sentido de que se esperava dela uma maioria absoluta para o PSD? Sabia-se quem criava a divisão, sabia-se quem organizava a cizânia interna, sabia-se de onde vinha o bota-abaixismo permanente e destrutivo. E por isso justificadamente se dizia ser o PSD um partido incontrolável, ingovernável e não credível.
A melhor e talvez última imagem pública deste tipo de PSD foi a da intervenção, no último Congresso do Partido, do presidente da Câmara Municipal das Caldas da Rainha, ao declarar vaidosamente que para ganhar eleições ele tinha mentido aos eleitores do seu município! Imagino que ele e Sócrates devam entender-se bem!...
A questão da unidade não se vai colocar a partir de agora: Ferreira Leite, Paulo Rangel, Aguiar Branco regressarão pacificamente aos seus cargos de deputados nacionais e europeu e aí terão uma intervenção política livre e responsável, mas nunca contra a direcção que Passos Coelho organizar. Os apoiantes respectivos diluir-se-ão e o próprio grupo parlamentar não oferecerá problemas de maior à nova liderança, uma vez que muitos dos deputados foram apoiantes de Passos Coelho. Quanto aos desordeiros do costume, será o próprio Passos Coelho a suavizar-lhes as ânsias pela forma mais apropriada, que é a da distribuição de poderes internos e de atenções redobradas…E a tranquilidade reinará, até porque há um cheiro de poder que anda no ar.
Eis, pois, sumariamente referidas, as razões por que seria capaz de apostar singelo contra dobrado que não se colocará a Passos Coelho a questão, que para outros líderes foi magna e intransponível, de operar uma unidade básica no Partido. E reconheça-se que os seus primeiros gestos ajudam também a tal propósito.
Não significa isto que não vá ter problemas sérios. Claro que vai.
O primeiro reside exactamente em colocar, a seu tempo, nos lugares que merecem, e nada mais, a “tralha” de apoiantes do chamado “aparelho partidário”, que lhe proporcionou a vitória. Eles serviram para isso, mas não servem para mais nada, ressalvadas as sempre devidas excepções.
Ora, isto implica a consecução de uma linha estratégica bem difícil: a de ir abrindo o PSD ao que de melhor tem a sociedade e aí ir captar simpatizantes ou novos militantes, pessoas sérias, competentes, decentes, reconhecidas no seu mundo profissional, seja qual for. Ou seja: voltar a ter um vasto corpo de quadros e técnicos, com ideias, projectos, saberes, sem os quais não se torna viável forjar propostas políticas para os problemas que afligem o Estado, a sociedade, os nossos concidadãos. Claro que isto exigirá ir deitando fora uma boa parte da “tralha” que agora o levou ao topo do partido, mas que ele sabe que não servirá para o levar ao Governo. Não vai ser fácil, mas terá de o fazer por imperativo de sobrevivência política.
A segunda linha estratégica que se colocará a Passos Coelho respeita ao seu relacionamento com o Presidente da República. Não creio que vá encontrar nela particulares dificuldades: Passos Coelho sabe que não poderá deixar de apoiar com vigor a recandidatura de Cavaco Silva e não ocorrerão interferências recíprocas nas respectivas funções. O próprio exercício do papel de líder do maior partido da oposição permitirá a Passos Coelho ir percebendo que o Poder não se alcança com precipitações ou arroubos. Terá de interiorizar, por isso, que em caso algum o PSD pode ser, e ser visto pela maioria da opinião pública, como o grande causador de instabilidade política ou o promotor principal de irresponsabilidades face aos interesses nacionais.
Eis as razões, em síntese, por que não acompanho em grande parte as análises políticas que vejo alastrarem nestes instantes. Mas é verdade que muita água falta ainda correr sob as pontes…