domingo, 23 de outubro de 2011

“PRIMAVERA MARCELISTA”

Já vimos que, após a licenciatura, e, até 1974, o Henrique exerce funções de técnico do FDMO primeiro, e, depois de Director de Serviços do Trabalho no Ministério das Corporações e Previdência Social.

Qual a sua visão política deste período da nossa vida colectiva? Em 23 de Fevereiro de 1983 em entrevista ao jornal “A Capital” diz o seguinte:

Eu tinha, nessa altura, 28 anos e, portanto uma grande capacidade interior, própria da idade. para sonhar e idealizar um mundo mais livre e uma sociedade mais fraterna. Foi a essa luz que encarei a ida de Marcelo Caetano para o Governo como a possibilidade de uma abertura progressiva para um regime de partidos, de tipo ocidental, e para uma sociedade mais igualitária.

Foi ainda a essa luz que os acontecimentos de Maio de 68, em França, me surgiram como um grito colectivo de regeneração profunda de uma sociedade de injustiças, em que já não se acreditava.

E à mesma luz, uma vez mais, a repressão na Checoslováquia foi, para mim, o esmagamento de ideais de liberdade e de dignidade humana, que a experiência então tentada nesse país corporizava por uma via especificamente nacional.

Há, nestes três acontecimentos tão diferentes, dois traços de certo modo comuns: por um lado, a tentativa de criação de uma diferente conformação político-social em liberdade; por outro o falhanço dessa esperança. A França não perdeu é certo, o seu quadro de liberdades públicas e cívicas. A Checoslováquia foi espezinhada pelas botas soviéticas e Portugal teve de encontrar no 25 de Abril a saída oportuna e realista do problema colonial, e da consequente democratização do regime.

Julgo que, na fase inicial da governação de Marcelo Caetano, a maioria dos meus amigos e companheiros acreditava que “as coisas iam mudar” e empenhavam-se nessa mudança. O sentido essencial da mudança apontava para um regime democrático, de liberdade de partidos e associações, de liberdade de reunião e expressão, de liberdade de imprensa e de legalidade do Estado, enfim, como disse para um regime de tipo europeu.

Mas havia evidentemente, diferenças quanto à prefiguração do rosto económico e social adveniente da evolução. Uns colocariam mais o acento no controlo do poder económico, na reforma estrutural da economia e no aprofundamento dos direitos sociais. Outros dariam mais atenção a uma tónica de liberalização económica e social em liberdade. E, é claro, havia também os que não acreditavam ser viável a mudança do regime por forma pacífica e evolutiva.

Mais tarde, quando se verificou que Marcelo Caetano estava capturado pelos que sempre se tinham oposto à mudança, grande parte dos que, na fase inicial, tinham acreditado com esperança e empenho, passou para a oposição declarada ou para a resignação resistente.