sábado, 15 de outubro de 2011

FARIM, 24 DE SETEMBRO

Hoje tive um dia muito cheio (sobretudo, entrevistas) até á hora de jantar. Depois houve uma destas habituais interrupções de energia eléctrica, que só foi retomada agora, 11.30.

Tudo tem excedido as minhas expectativas. A maneira como tenho sido recebido e me têm tratado é extraordinária. Continuo com o Mercedes e motorista sempre às ordens bem como o “oficial do protocolo”. Mas, para além de tudo sensibilizou-me muito o que se passou no dia 24, Dia da Independência. Fui até Farim e, aí assisti a um comício do PAIGC comemorativo da data. Era o único branco presente… e ainda por cima português.

Anunciaram ao povo quem eu era (fiquei na mesa de honra) e aplaudiram. Houve ataques à guerra colonial ao colonialismo, mas distinguiram sempre o Povo Português. Não há ódio nem feridas e o português é querido.

Isto é extraordinário e para mim, nesse dia, no contexto concreto que vivi, devo dizer que foi dos momentos que recordarei para toda a vida.

Mas houve mais. Regressamos a Bissau por volta das 16.30 e às 18 estava convidado para o Cocktail que o Presidente da República oferecia.

No Salão, protocolo rigoroso: o PR recebia cumprimentos em 1º lugar dos membros do governo e Comité Central do PAIGC, depois os Embaixadores Estrangeiros, depois os representantes das diferentes organizações internacionais, depois os representantes das organizações de massas (mulheres, juventude etc…).

Qual não é o meu espanto quando me “obrigam” a integrar-me no 1º grupo - ou seja, membros do Comité Central do PAIGC e também do governo – à frente dos embaixadores, do representante da OIT etc.. Só te digo que sentia as orelhas quentes dos olhares de surpresa e de inveja (visível) da assistência.

Mas… a surpresa maior estava ainda para vir. Às 20h as pessoas começam a despedir-se e recebo o recado de que o PR quer despedir-se de mim numa sala à parte. Ele sai e fico à espera. Levam-me para a sala ao lado. Aí converso um pouco com alguns dos ministros. O PR começa a sair do palácio, a pé, fazemos “comitiva”. Ele vai-se despedindo, ao longo do caminho, dos seus ministros e a mim e ao ministro do Trabalho não dizia nada. Comecei a pensar que ele dava “gaffe” e se ia embora sem se despedir. Claro que só depois percebi. Conduziu-nos à sua residência particular, onde entrei eu, o 1º Ministro o do Trabalho e Negócios Estrangeiros. Estive lá duas horas, a conversar e a beber champanhe (do melhor claro). Isto só contado de viva voz, mas garanto-te que foi inesquecível.

Bissau 26 de Setembro 1983