sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

A FESTA DOS BARRACÕES


2006 foi o ano de regresso, não só  a Luanda mas também ao Lubango, à Sé Catedral de Sá da Bandeira na Praça dos Fundadores, ao Cristo Rei, à Senhora do Monte à fenda da Tundavala, à Serra da Chela, enfim às memórias da adolescência. Refiro a Praça dos Fundadores para lembrar o dia 19 de Janeiro de 1885 - data da criação da Colónia de Sá da Bandeira. Relembro essa data, através doutra: 19 de Janeiro de 1957. O Henrique tinha 16 anos de idade, e foi escolhido para fazer o discurso comemorativo da efeméride, designada por “Festa dos Barracões”. Vamos ouvi-lo:

Remontemos a 1870, data em que se advoga calorosamente a necessidade imperiosa de povoar o leste de Angola. Ao agudo espírito do Marquês de Sá da Bandeira, não passará despercebida a enorme importância económica da Huila (…). Poucos anos volvidos (…) em Outubro de 1884 parte, da encantadora Ilha da Madeira, o transporte de guerra “India”, levando a bordo 222 emigrantes de ambos os sexos com destino à colónia de Sá da Bandeira, recém-criada pelo então ministro Pinheiro Chagas. Atravessando o árido deserto de Moçâmedes, escalada a Chela em estirão de arrojo, eles atingem finalmente, o verde planalto desta região, após uma marcha fatigante por picadas praticamente intransitáveis, alcançando as margens do rio Caculovar, onde deparam como único alojamento, com quatro desmantelados barracões de pau-a-pique! Quantos sonhos se não vinham acastelando com ardor, e quantas desilusões não sofreram, ao constatar tal desconforto? Mas ao momento de desânimo opõe o colono a sua alma de homem simples, mas persistente, ou o forte braço do agricultor, e a energia centuplicada de quem quer e pode!
É neste primeiro ano de existência da colónia que a vida se revela extremamente adversária, (…). É a geada que queima, numa só noite, o trabalho que levara meses; a praga maldita de gafanhotos a destruir, num ápice, uma esperança que prometia fruto; é a semente do trigo que não germina porque o solo é falho de adubos; são as chuvas e o granizo, num coro desvairado de entraves que retarda a labuta incansável pelo pão de cada dia. E se nessa hora (…) o colono tem decidido desertar, sem dúvida que à emigração pessoal se seguiria a debandada colectiva. Mas ele não fugiu (…). E a tenacidade inigualável do camponês anónimo vingou na concretização de um sonho. (…).
…. E o burgo das casas sujas e dispersas, ruas mal alinhadas e lamacentas, vai deixando o seu berço de nascença para trepar pelas encostas dos montes e formar casario bizarro e colorido graciosamente moldado em anfiteatro.”
Dirigindo-se agora aos seus colegas da Academia da Huila, o Henrique termina:
“ Para vocês(…) vão as últimas palavras de um colega a quem foi conferida a honra de, em vosso nome, vir aqui prestar uma homenagem(…). Naqueles venerandos túmulos, repousam os restos mortais dos heróis, que outra vontade não acalentaram do que ver completada a obra, que os fez tombar com a alegria do dever cumprido.
Ombreia com eles no trabalho, age, com afinco de homem de têmpera, lembra-te de que és a esperança e o futuro da Pátria – e sentirás hoje, amanhã e sempre um infindável e justificado orgulho pela tua dignidade de homem e de português”.
Lubango, Sá da Bandeira, 19 de Janeiro de 1957

Fotografias do Henrique, Outubro de 2006. À esquerda - Cristo Rei. À direita - Sé Catedral de Sá da Bandeira, Praça dos Fundadores.