Sempre foi um homem comedido, alérgico a polémicas ou
afirmações contundentes, durante todos os nove anos em que esteve à frente da Provedoria de Justiça. Exerceu uma magistratura de valores intemporais, mas tão escassos agora, nesta sociedade ‘consumista e egoísta dos nossos tempos.’
“ O Provedor tem que saber situar-se no país real. E o
país real, revela que o quotidiano da nossa Administração não oferece ao
cidadão, frequentemente, aquilo a que tem direito: eficácia, qualidade,
eficiência, integridade, competência, imparcialidade, legalidade e justiça.
Por isso, o Provedor acaba por ser, em larga medida, o
repositório da reivindicação do cidadão, o correio electrónico da sua
indignação, o registo telefónico da sua frustração, umas tantas outras vezes, até
o confessionário da sua angústia e desespero, escutados em audiência pessoal.
E, todavia, verifica-se que também os cidadãos trabalhadores
da função pública reagem vigorosamente contra o Estado-empregador, por violação
dos seus direitos ou por situações de injustiça. O cidadão-funcionário, ele
próprio, manifesta exuberantemente a sua insatisfação e o seu protesto contra a
administração que o emprega e que utiliza a sua força de trabalho – ou seja, a
sua individualidade como ser humano.
Neste complexo contexto das actuais sociedades, o
Provedor de Justiça tem que assumir uma magistratura de valores, que a invasão
mediática, consumista e egoísta dos nossos tempos vem tornando frágeis e
nebulosos; tem de exigir eficácia a si próprio, quer dizer, impor-se o ‘savoir
faire’ sem o qual perde a autoridade da razão; e tem sobretudo, de fazer com
que os poderes públicos saibam aplicar a Lei e praticar a Justiça – ou seja,
tem de ‘faire savoir’.
Este é
um programa intemporal. Procurarei mantê-lo vivo, emprestando-lhe o meu rosto e
o meu estilo, mas preservando a essência que tem de ser sempre a do Provedor do
cidadão.”
Excerto de uma intervenção feita no “Curso de
Verão sobre Direito da Função Pública”. Universidade de Lisboa – Faculdade de
Direito. 13 de Julho de 2001