terça-feira, 16 de abril de 2013

O ESTADO SÃO ELES


Transcrevo, com a devida vénia, um excerto do editorial do Expresso de dia 21 de Fevereiro de 2009.
“ Por vezes, em pequenos sinais a que nem damos importância, vemos o desprezo com que a classe política é capaz de tratar os direitos constitucionais dos cidadãos.”
“(…) Vejamos, por exemplo, o que se passa com o provedor de Justiça. A figura do provedor, prevista na Constituição – a lei fundamental do nosso país – é, por definição, o defensor dos cidadãos perante os abusos do Estado. A sua função é obrigar o Estado a rodear-se dos cuidados necessários para não atropelar a autonomia e os direitos próprios dos indivíduos. Num Estado democrático, a figura do provedor deveria ser encarada como fundamental. Mas não o é no nosso. Mais de sete meses depois de expirado o mandato do provedor actual, Henrique Nascimento Rodrigues, PS e PSD não encontram o nome de um substituto. E não encontram, porque a guerra ou birra partidária se sobrepõe à própria concepção do que deve ser o Estado de Direito. Nesse sentido, os cidadãos são tratados como súbditos de um regime de partidos que não consegue gerar um consenso aparentemente tão simples como nomear uma figura íntegra e séria que esteja envolvida na defesa dos direitos individuais contra os abusos do Estado, do Governo, das regiões, das autarquias. E, apesar de incapacidade tão confessa, sabendo-se perfeitamente que sem um entendimento entre os dois partidos não haverá possibilidades de eleição de um novo provedor, não se vislumbra, em boa verdade, nem da parte do PS nem da do PSD, qualquer remorso ou desculpa que redima essa falha. Os dois partidos procedem com toda a calma do mundo, como se o interesse do Estado fosse coincidente com os seus interesses. Como se, ao fim e ao cabo, o Estado fossem ‘eles’.
Na agenda mediática, esta história surge com um pormenor. Por um lado, porque em Portugal tudo o que diz respeito à defesa de direitos individuais, sobretudo se o opositor é o Estado, é visto com certo desdém. Por outro, porque o provedor-cessante não é dado a grandes mediatismos, nem a punch lines que encham manchetes de jornais e aberturas de noticiários.
No entanto, para quem quiser uma prova cabal do menosprezo com que são tratados assuntos da mais fulcral importância na nossa ordem constitucional, não poderia encontrar melhor exemplo. Um órgão que visa – com se escreve na Constituição – “tratar as queixas que os cidadãos apresentam por acções ou omissões dos poderes públicos” não é importante… Pode ir com calma…”