quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Senhor Governador do Distrito Exmª REV; SNR. Bispo da Diocese Exmas AutoridadesSenhor Governador do Distrito

Mais de meio século de pesado cativeiro, sob o domínio esmagador do Leão de Castela, não foi suficiente para anular um patriótico sentimento nacional, fruto arreigado de uma gloriosa tradição vincada durante séculos contínuos à força da espada e da Fé.

As grandes obras são, na generalidade, o produto de abnegação e sacrifícios de milhões de homens :

A Restauração é o resultado eloquente de milhentas privações de um bendito punhado de portugueses de grei! Marcado com o timbre de eras passadas, o ano de 1640 constitui uma das páginas mais emocionadas e altivas de uma Raça indómita, um dos mais brilhantes capítulos da vida mundial que, por si só, define peremptoriamente a índole de uma Nação sem par na Humanidade.

Remontemos a essa conturbada época, autêntico sudário de desabono, em que o país, asfixiado pela usurpação alheia, se revolvia em estertores de moribundo.
Pelas cinco partidas do globo, em que à custa de suor e sangue, se mantivera imaculado o pendão secular, o poderio português decompõem-se velozmente, tragado por adversários implacáveis – denominadamente holandeses e ingleses – que, mau grado, desbarataram a nossa soberania, reduzindo-nos a pouco menos que mártires.

Por toda a parte do território pátrio se verifica a mesma visão de desamparo e indiferença, como se, deliberadamente, se votasse o reino à incerteza desoladora do Destino. Campos armados, herdades em ruína, a agricultura em abandono assustador – tal é o descalabro pungente que nos é dado verificar com desconsolo.

Encargo mais vexatório era o do contínuo levantamento de contingentes portugueses, que, em paragens distantes, iam verter o seu generoso sangue por uma causa que não era a sua; exigências das mais pesadas eram os impostos fiscais que o reino pagava, obrigatoriamente, ao soberano espanhol, envolvido em uma guerra de desperdício. A miséria das finanças atingira o rubro.
Não havendo dinheiro para se pagar aos soldados, deambulavam estes pelas ruas da cidade, mendigando o caldo gratuito com que matar a fome, sombras irreconhecíveis daquela disciplina militar, que fora apanágio do exercito português.
Os domínios ultramarinos, impossibilitados de auxílio ou de socorros urgentes, tombavam com dignidade, saqueados, em especial pela pirataria holandesa, que já ousara devassar os mares orientais, esse “Mare nostrum”, ainda há tão pouco tempo orgulhosamente patrulhado pelas caravelas da Cruz de Cristo.
Semelhante situação, tão deprimente para um povo que tinha atrás de si uma das mais fulgurantes tradições, fez desabrochar um sentimento legítimo de revolta, de rebeldia indissolúvel e de dever indeclinável, que irá desmoronar o fictício pedestal, em que repousa o vergonhoso cativeiro de 60 anos. Muito embora agonizante Portugal vai erguer o seu clamor de indignação perante essa série de crimes de Lesa – Pátria, levando de vencida, a descendência menos digna do usurpador tirano.

Minhas Senhoras;
Meus Senhores:

As legítimas esperanças, que animam cada vez mais os patriotas, avolumam-se de dia para dia, transformando-se em torrente caudalosa, vibrante de impaciências separatistas. Aproveitando-se inteligentemente da ampla perspectiva mundial, avassalada pela guerra dos 30 anos, os portugueses empenham-se em que a obra gigantesca da ressurreição nacional passe do campo das aspirações para o das realidades. Tem aqui papel meritório a sagaz perspicácia do cardeal Richelieu, empenhado em fomentar uma acção anti-castelhana. E é assim que, em 1628, se dá aquele 1º assomo de rebelião denominado de “Motim das Maçarocas”, em que regateiras e marujos se solidarizaram no mesmo estado de espírito geral; depois é Évora, o Alentejo e o Algarve, o país em peso, na revolta do Manuelinho, clamando contra uma ditadura de sofrimentos e humilhações: É a alma nacional que ergue imperiosamente, para restituir à Pátria o ceptro arrebatado em Ourique e Aljubarrota.

Agravada a situação na Catalunha, fomentadas as adesões contra a prepotência castelhana resolvem os revolucionários arriscarem-se na empresa, que não admitia mais hesitações. Entre quatro paredes mudas, a conspiração toma vulto sem notas divergentes, calorosamente aplaudida por João Pinto Ribeiro, a alma generosa dos patriotas. Com eloquência e fervor, se convida o Duque de Bragança, aparentemente apático a chefiar o movimento; e não obstante a indiferença enganadora a que se votara foi ele, por direito e unânime escolha, o verdadeiro chefe dos portugueses. Não fora o seu espírito cauteloso e feitio prudente, talvez se se tivessem malogrado os intentos dos conspiradores. Felizmente, à providência prouve que o rumo traçado fosse coroado do mais esplendoroso êxito. Aliás, já era impossível hesitar, vacilar ou retroceder: o caminho estava apontado inexoravelmente. E os revolucionários vão para a frente, confiantes em Deus e na imortalidade da Pátria - Mãe. Estava feita a revolução!

Meus Senhores:

Dizer o que se passou nessa manhã pura e alegre do 1º de Dezembro, é-me impossível porque a tanto não me permite o engenho. Aliás obra tão gigantesca como essa, é impossível de descrever em frases de estilo rendado.
De tudo, porém, uma certeza consoladora nos resta: nessa imorredoira manhã, Portugal ressuscita do seu letargo hibernal em “aleluia” ardente e festivo. Destemida e temerária “a ínclita geração de altos infantes” erguerá o pendão da liberdade, para caminhar afoitamente no caminho da honra.
E a roda dos tempos estaca hoje, para prestarmos a devida homenagem a esses egrégios avós, votados pela História à lei da Imortalidade; curvemo-nos pois, respeitosamente, em reverencia agradecida aos bravos de 1640, que, em condições precárias, não se acobardaram perante a chusma intrusa, e com temeridade, ousaram terçar lanças pela LUSA - PATRIA

(Discurso proferido na sala do Teatro “Odeon” de Sá da Bandeira com a presença das mais altas individualidades do Distrito, no dia 30 de Novembro de 1956)