terça-feira, 16 de agosto de 2011

AQUI PELO SUL

Aqui acabaram com as milícias e as patrulhas. Vive-se em completa paz, uma paz que os olhos vêm, mas eu não sei se os olhos não nos enganarão. Se nos quiserem atacar, as portas estão abertas, como se diz. Esta mesma negligência custou-nos, no Norte, para cima de um milhar de vidas. Parece que a lição não nos serviu de nada.

Cá pelo Sul, parece que nada de anormal se passa em Angola! É como se o Norte não nos pertencesse! As pessoas fazem a vida de sempre talvez até mais pacatamente, pois à noite não se vê vivalma nas ruas. Eu acho que toda a população devia estar mobilizada, pelo menos moralmente. Se houver uma surpresa, os civis não têm preparação. Cada um devia saber o que fazer em caso de necessidade. Como as coisas estão, o mais provável é que cada um se meta debaixo da cama, logo que haja algum alarme.

Parecemos estar mais longe dos acontecimentos que na metrópole. Não sabemos de nenhuma novidade, além do noticiário radiofónico.

Já foram reocupadas diversas povoações e pelas notícias depreende-se que os terroristas estão a apanhar em cheio. Contudo… contudo o tempo das chuvas aproxima-se e estamos longe da pacificação total, ainda que fosse relativa.

Rádio Brazaville noticiou que estavam no Congo ex-Belga (onde por certo lhes farão a necessária doutrinação) cerca de 100.000 refugiados pretos de Angola. Ainda que o número possa ser exagerado, é de admitir que estejam muitos . Teremos por certo, que consentir no seu regresso, e nessa altura é muito provável que já venham com ideias avançadas. Há muita gente que está a ficar optimista com as vitórias que o exército tem conseguido ultimamente.

Não me deixo embalar por esse optimismo, porque acho que a etapa mais difícil ainda está para vir. Já te disse que por aqui se vive, na aparência, como antigamente. Esta gente até se alheia do que vai pelo Norte! Mas o problema é mais difícil do que se crê. Não vejo possibilidades de uma emigração em grande escala; pelo contrário, o que se nota é …imigração. E isto é certo: façamos o que fizermos, não nos aguentaremos muitos anos só com 200.000 brancos. É um impossível lógico. Ora, supondo que ainda podemos aguentar-nos por mais 5 ou 6 anos, como é que nesse espaço de tempo vamos meter cá dentro 500.000 brancos, mínimo imprescindível?

O discurso do Adriano Moreira não foi, por cá, acolhido com muitas manifestações, pois em relação à população branca poucas reformas traz. As juntas de povoamento há muitos anos que deviam estar criadas e a nossa economia está tão mal que se duvida que elas possam canalizar imediatamente para Angola os milhares de europeus de que necessitamos.

Por muito bons que sejamos jamais aguentaremos Angola e Moçambique com este número de europeus ou pouco mais. E se não se enfrenta categoricamente esse problema, eu não ponho as mãos no fogo.

Não sei, e, com a campanha internacional contra nós, não lhe vejo jeitos de as coisas correrem bem.

14 de Agosto 1961