Durante o exercício da sua actividade política e técnica, teve sempre uma grande preocupação: pensar os problemas dos outros, senti-los, vivê-los na sua mente, e contribuir para a sua resolução. Foi assim, enquanto jurisconsulto ligado ao Direito do Trabalho, quando contribuiu para o nascimento de um sindicalismo livre em Portugal, quando lutou pelo diálogo social, quando esteve ao serviço da OIT, quando exerceu os dois mandatos como Provedor de Justiça, e, quando se manteve em exercício de funções, esgotado que estava o tempo do seu mandato. Os problemas dos outros eram mais importantes que o seu próprio problema. A Instituição que tutelava, era mais importante que a sua própria saúde. “Prefiro emagrecer, cansar-me, ficar doente : quero apenas, cumprir o que devo.”Estas palavras, disse-as, no dia em que fez 20 anos. Foram os pilares da sua vida. Por elas morreu cedo, mas morreu cumprindo o seu dever.” Todos nós temos uma missão a cumprir ."
Só então teve o direito de sonhar!
"O problema dos rapazes, que, sem qualquer curso, vivem em Sá da Bandeira, é terem uma vida inútil e vazia. É sempre a mesma coisa: dar umas voltas de carro, tomar um café, discutir banalidades: o futuro é o presente: trabalho de burocracia, ordenado certo, o escândalo da senhora de tal… fulano e sicrano… Eu também gosto de uma vida pacata. É mesmo a única coisa que eu desejo. Mas eu quero uma vida pacata e não vazia; uma vida tranquila, mas não banal; eu quero o meu lar, tu e os meus filhos, mas sabendo que estou a construir algo. Eu quero viver e não arrastar-me na vida. É estranho: eu sinto e compreendo esse problema e todavia, não consigo transpô-lo para o papel. Há uma quantidade enorme de questões que eu sinto profundamente e a que não consigo dar expressão escrita. Como aqui o tempo me sobra eu penso. Penso e, sobre tudo, sinto. É bom uma pessoa sentir os problemas, vivê-los na sua mente. Mas melhor seria se eu conseguisse escrever sobre eles e apresentá-los ao público anónimo. Eu gostava de saber escrever bem, eu gostaria de dar forma aos problemas humanos. Talvez assim ajudasse a construir um mundo melhor. Porquê durante tantos anos não quisemos, ou soubemos, compreender os negros e, hoje, quando queremos voltar-nos para eles só encontramos ódio e desconfiança? Será que o coração do homem não sabe perdoar? Porque morreram crianças de berço que nunca fizeram mal nenhum? Porque que é para mim matar é crime e para e para outros matar é uma consequência? Todo o homem tem um problema e os problemas precisam de ser compreendidos para poderem ser resolvidos.
É preciso que cada um tente compreender o outro; mas é tão difícil e deixamo-nos levar pela exaltação de momento… E, depois, dentro de cada homem há uma permanente contradição. Eu não sinto ódio por nenhum homem e a sua cor de pele e o meu desejo mais profundo era que todos nós pudéssemos viver como irmãos, mas, quando penso nos bárbaros que mataram crianças, eu já, concretamente não sinto o desejo de perdoar, antes me avassala a indignação. Teoricamente, um crime não se paga com outro crime, uma injustiça não pode ser seguida por outra injustiça - mas na prática não pode ser assim, é quase impossível fazê-lo. O mundo tem cada problema! Como eu gostaria de ser um grande escritor para aproximar os homens através do que escrevo ."
13 de Agosto de 1961