segunda-feira, 29 de agosto de 2011

UM ESTOICO ?

Este pequeno texto revela a alma e a essência do Henrique. O modo como toda a vida encarou as adversidades: com dureza, fechado em si próprio, sozinho, numa muito dura fuga em frente, sem mostrar nem amargura nem sofrimento - fosse físico ou moral.

Quando, no último ano da sua vida, lhe dizia:” não vás, ainda não estás em condições de sair,” respondia-me invariavelmente: “sabes muito bem que não posso, tenho a secretária cheia de processos.” Não desiludir quem nele acreditava, ver reconhecido o seu trabalho, manter o comando e o respeito da sua equipe, foi sempre uma característica muito própria, e que está bem patente nas linhas que escreveu, após a primeira grande desilusão da sua vida.

"Desde que me chumbaram, tenho uma vontade louca de lutar. Lutar, pura e simplesmente Uma luta que me obrigue a tirar de mim próprio, sem ajuda, os pedaços necessários para me erguer de novo. Para eu renascer nessa luta. Ser eu próprio, com as minhas desilusões, com a minha ânsia de vencer, de me impor a bem ou a mal. Está certo, eu falhei pela primeira vez na minha vida. E lutei sozinho, afinal. Lutei sozinho desde o minuto seguinte à fixação da pauta, até hoje, até amanhã, até ao momento em que possa mostrar a toda a gente que eu sou eu e mais ninguém é como eu. Eu lutei sozinho para me encontrar como eu era, lutei para não me desviar do meu caminho e estou certo de que o estou conseguindo. Eu não caí. Eu não baixei a cabeça em sinal de desfalecimento, antes a ergo mais alto, porque o orgulho enorme que sinto pela minha forma de reagir e de lutar supera o orgulho que qualquer pode ter por tirar 13 ou 14 a Introdução. Eu serei capaz de tudo, menos de uma coisa: apagar a nódoa que tombou, fazer toda a gente ter a mesma admiração que tinha por mim. Sei que isso é impossível. Um chumbo sobre os ombros é uma carga demasiadamente pesada para quem é brioso. E só sinto isto. Que me roubaram alguma coisa: talvez a fé que eu tinha na fé que tinham por mim.

Eu preciso encontrar à minha volta um ambiente de confiança; preciso de trabalhar para os outros, de erguer uma obra que os outros admirem, de lhes dedicar essa obra. Gosto de tornar as pessoas felizes com o que faço, gosto que me entusiasmem, que me digam sinceramente só que eu posso. E indiquem-me algo para fazer que eu consigo-o. Consigo-o, de certeza."

Lisboa Outubro de 1958