quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

NATAL E ANO NOVO

"Natal e Ano Novo… como se de facto, eles continuassem a ser para mim o mesmo que os passados Natais e Anos Novos… que hoje são velhos! Não já não o são. É extraordinário, é fantasticamente extraordinário, como, olhando para trás, eu sou levado a concluir que um simples ano, talvez 15 meses, possa operar uma mudança tão radical na minha maneira de sentir e no meu modo de agir. É fantástico, meu Deus, como uma dezena e meia de meses conseguiu ofuscar, num ápice, tudo aquilo que tinha um cunho de quase sagrado para mim. Natal e Ano Novo calavam bem fundo dentro de mim. Eram, para os meus anos de menino e moço, dois verdadeiros símbolos de maravilha, de paz, de felicidade. Era um verdadeiro sonho – especialmente o Natal – que a realidade me oferecia para eu sonhar a meu belo prazer. O Natal em especial, calha bem à meninice. Talvez por já ter deixado de ser menino, tenha deixado de ser também o Natal aquilo que outrora era. Porque de facto, há dois anos que eu já não tenho Natal. Que Deus me perdoe se Ele vê a minha afirmação como uma ofensa, mas bem sabe que não me refiro, naturalmente, àquela felicidade extrínseca e àquele bem estar natural que Ele sempre tão generosamente, me tem dado. Sim, meu Deus, Vós sabeis que não me lamento, por me faltar mais ou menos uma prenda. Bem sabeis Senhor, quanto Vos agradeço tudo o que me tens dado e que milhares, sabe-se lá se não milhões de rapazes não têm: pão para a boca, barriga farta e corpo agasalhado. Não, Senhor, certamente que eu não ponho em dúvida quão excessivamente feliz para ser verdadeiro, eu tenho sido neste aspecto. Nunca me faltou o pão que me matasse a fome e a roupa que me abafasse o frio; nunca me faltaram uma casa, mesmo onde sei que não é a minha casa, e um mimo de lar; nunca, Senhor – e quanta felicidade não é já essa! - eu soube o que era a miséria e o desgosto por algo que me faltasse. Se pobres são aqueles que não têm nada disto, rico, imensamente rico sou eu, Senhor. Mas nem só de pão vive o homem e nem só de abrigo e alimento de dinheiro e fartura é feita a felicidade.

Aquela felicidade íntima, que mais parece calmaria no espírito, paz na alma ou dor de alegria no coração, essa sim, vai-me fugindo aos poucos lentamente, tão lentamente como vão indo os meus verdes anos de adolescente."

Lisboa Natal de 1958