sábado, 7 de janeiro de 2012

SINTO-ME BEM QUANDO ESCREVO


Referindo-se ainda ao despontar dos movimentos de “libertação” das ex colónias, e ao desânimo por sentir que o seu Mundo estava posto em causa:
"Gosto de dar mais importância ao que vejo do que ao que sinto. Na generalidade, sinto-me bem quando escrevo, mas, está-me cá a parecer que não estou a ser capaz de expor as minhas ideias. Mal sabes tu a quantidade inúmera de problemas com que me tenho deparado na metrópole – problemas  que nunca se me tinham posto, que me surgem abruptamente e aos quais, bem ou mal, eu procuro dar solução imediata para não perder tempo; problemas que passam pela mudança de vida e de ambiente e que vão, infelizmente, ao ponto de eu ter de discutir comigo próprio a minha felicidade pessoal, chegando, por  fim, ao absurdo de condições estranhas à minha vontade me impedirem os meus ideais e de, de um momento para o outro, “graças” àquelas injustiças que se fazem, me ver “enrascado” por… gostar da minha terra… ( não é preciso mais pois não?) E é muito possível, se eu  não conseguir demonstrar o contrário, que tenha os meus ideais barrados por obstáculos que serão absolutamente intransponíveis. Tu não sabes e nem por carta ou telefone tos posso contar, todos esses problemas. Eu vi-me num ambiente completamente estranho frente a casos que nunca se me puseram, e dado que os amigos não querem ou não podem auxiliar-me eu tive que resolver sozinho.
Sejamos sinceros para connosco e para com os outros: todos nós fomos uns autênticos “nulos”, uns incapazes, uns falhos de poder e de força de vontade. Esse desalento e desconfiança que nos avassalaram produziram resultados que estão bem à vista e que, mau grado, já não se podem mudar.
E, desalentados, agarramo-nos então às recordações do passado, como se elas fossem suficientes para nos fazer viver. Não, não pode ser assim.  Se os outros não querem, ou não podem lutar pela continuidade dos seus ideais – eu posso e quero. Saibamos construir, no momento, um passado para o futuro – prescindiremos de viver do “outro” passado. Saberemos viver onde quer que seja, mesmo que tudo esteja contra nós."

Lisboa 1958