segunda-feira, 7 de maio de 2012

NÃO É SIMPLES GANHAR A VIDA


1988. O Henrique regressa, pela última vez a S. Tomé. O seu ciclo africano está a chegar ao fim.
Depois do terreno desbravado, das sementes lançadas à terra, é altura de encarar outros desafios.
“Não sei bem o que contar-te, pois não há propriamente novidades. Estou instalado na Pousada, claro. A alimentação tem sido um pouco melhor do que a do ano passado, pelo menos há pão, arroz e peixe e fruta. Não há é café e já se esgotou o frasco de Nescafé que trouxe. Mas comprei aqui na loja franca quatro caixas, embora a 900 escudos cada uma! Até agora tenho estado a trabalhar num gabinete do Ministério do Trabalho mas creio que amanhã ou depois passarei para outro edifício. Têm dificuldades em arranjar secretária, cadeira, etc.
A minha vida tem sido muito mais pacata do que o ano passado, o que se torna aborrecido por ser solitário. Já fiz um projecto de diploma e agora vou trabalhar noutros. Começo a trabalhar às 9 até ao meio dia, depois venho almoçar, recomeço por volta das 3 e às 5 acabo e volto para a Pousada. Como vês isto é um repouso… tenho-me sentido um pouco melhor com o tratamento e também, possivelmente, porque não bebo café, vinho e a comida é o mais simples possível, quase sem molhos. Vamos a ver se no aspecto da saúde, eu aproveito estas estadias, estou convencido que sim, sentia-me mesmo precisado de repouso.
O tempo tem estado todos os dias chuvoso, com mais ou menos chuva. Não conhecia S.Tomé assim e acho tristonho. África não o é sem sol. No sábado fui à praia e disse ao motorista para voltar às 5. Começou a chover e fiquei dentro de água uma hora, pois era mais quente do que cá fora e apanhava menos chuva! Mas nem sequer tem estado tempo de sol para praia para meu aborrecimento.
A pedido meu, passei a guiar o jipe. Sai mais barato, pois poupa-se combustível ( em vez de oito viagens diárias são apenas 4) e não estou prisioneiro do horário do motorista. Mas à noite tenho ficado sempre cá em cima na Pousada, pois a cidade ainda fica a meia hora de caminho (que não é fácil) e ao fim e ao cabo também não há muita coisa para vêr ou fazer-se.
Quando regressar, vou ter um mês de Março um pouco agitado. Tenho que ir aos Açores e de novo a Dublin. Enfim, vamos a vêr se vou com forças físicas, que são as mais necessárias.
Diz aos filhos que espero que estudem e tirem boas notas, pois isto de ganhar a vida não é simples nem agradável.”
S. Tomé e Príncipe 16 de Fevereiro de 1988
“Continuo a sentir-me melhor. A vida tem decorrido muito monótona e sensaborona, nada que se compare com o ano passado. Tenho feito só trabalho de gabinete e isso não me entusiasma nada.  Mas, enfim, é preciso calma e saber “semear” para o futuro, se é que vou ter futuro neste âmbito da cooperação com África. O tempo continua tristonho, quase sem sol, e assim não parece África, só que, de facto faz calor. Ontem, então, parecia um dia de pleno inverno em Lisboa – e nós de mangas de camisa!
Tenho repousado, claro, ainda que não durma muito. Mas como regresso à Pousada por volta das 6 da tarde, a partir daí isto é uma calmaria.
S. Tomé 23 de Fevereiro de 1988