terça-feira, 30 de outubro de 2012

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA EM PANTANAS


Diário de Notícias, 19 de Novembro de 2000, – Entrevista Nascimento Rodrigues

“ Assume-se como um homem pouco dado a mediatismos e faz questão de se apresentar como um africano de gema. Não só por ter nascido em Angola, esclarece, mas porque teve a hipótese de percorrer e conhecer todas as ex-colónias portuguesas em solo africano. O gosto pelo continente ficou-lhe no sangue e transporta-o para todo o lado.”

Preocupação. “Não quero que a Administração Pública encare o provedor de Justiça como um guerrilheiro, um bloqueio ou um homem que a aborrece”

Quem procura mais os serviços da Provedoria?

Nascimento Rodrigues – “ O maior volume de reclamações vem dos funcionários públicos contra o Estado-patrão. Todo o funcionalismo público incluindo as Forças Armadas. Queixam-se das condições de trabalho, dos concursos, de não terem sido promovidos, de não lhes contarem a antiguidade… Ora, se se queixam ao provedor é porque não encontram, dentro da sua própria casa, satisfação para as suas queixas. Isto diz-nos que o Estado é mau patrão. Se a administração de uma boa empresa não se preocupar com os trabalhadores e não tiver uma boa política de recursos humanos entra em pandemónio. Olhando para o número de queixas concluímos que a administração pública entrou em pantanas na gestão dos seus recursos humanos.
Há sectores da Administração Pública, seja central, seja autárquica, que são muitíssimo relapsos na resposta a dar ao Provedor. Estes casos acontecem com demasiada frequência revelando uma falta de cultura democrática por parte de alguns sectores da nossa Administração.
Gostava de ser encarado como um agente de cooperação, até porque não tenho poderes decisórios vinculativos. A Administração Pública tem de perceber que não estou aqui para condenar ninguém. Se sou encarado como força de bloqueio não resolvo os problemas dos cidadãos.
De pouco vale que a lei diga que as entidades públicas têm o dever de cooperação com o provedor e que a infracção pode dar lugar a processos disciplinares ou a crime de desobediência (que eu tenho o poder de comunicar ao Ministério Público para efeitos criminais). Mas não tenho ideia que alguma vez o provedor tenha colocado ao MP uma denúncia por crime de desobediência. E, no entanto, há uma infracção muito frequente a este dever de cooperação. A verdade é que não podemos continuar a resolver os assuntos com “ofício para lá, ofício para cá”… Por telefone, novamente por ofício… Isto não pode continuar, porque é o cidadão que está a ser prejudicado”.

Diário de Notícias 19 de Novembro de 2000