domingo, 21 de outubro de 2012

CIDADANIA TRIBUTÁRIA


“ O provedor de Justiça tem reservas quanto à quebra do sigilo bancário sem controlo judicial. Receia atitudes persecutórias da máquina do Estado contra os contribuintes”.

“(…) Há um largo e sentido consenso na nossa sociedade sobre a urgência de adopção de medidas eficazes para o combate à fraude e evasão fiscais. Torna-se imperioso empreendê-lo, por motivos de justiça, de igualdade contributiva e de solidariedade nacional. É nesse enquadramento que se pode entender o propósito de alargar o quadro legal de acesso às contas bancárias.
Cabe, todavia, perguntar: são inviáveis, ou mesmo ineficazes, outras medidas e acções de fiscalização tributária? E porquê?
Caso o sejam – e só então – admito que o direito à privacidade, constitucionalmente consagrado e enquadrado em várias normas, consentirá limitações mais alargadas do que as já existentes. Mas só o deverá consentir no confronto de valores: os que subjazem ao direito de sigilo sobre a situação bancária de cada cidadão e aqueles que sejam de irrecusável interesse público e venham. por isso mesmo, a merecer tutela jurídica, devendo fazer ceder os interesses privados nesse confronto valorativo.
Mesmo assim, tal hipotética “invasão da privacidade” deveria ter lugar, sempre, mediante adequadas garantias legais para o cidadão, que cortem o passo à discricionariedade ou, ainda pior, ao arbítrio da Administração (diferente seria o alargamento do acesso às contas bancárias se permitido mediante decisão judicial).
Ainda que tais garantias sejam instituídas, como parece irrecusável, deve também ajuizar-se sobre se, na prática, poderão vir a ser expeditamente exercidas pelos cidadãos – sob pena de se tornarem em garantias vazias de exequibilidade real, criando, então, insegurança em lugar de transparência e maiores oportunismos de fuga fiscal em vez de acrescidas responsabilidades no exercício da “cidadania tributária”.

Posição do Provedor de Justiça, Nascimento Rodrigues, prestada ao Euronotícias,
Junho de 2000