terça-feira, 9 de outubro de 2012

MAIS RAZÃO DO QUE PODER


Um dia, em Junho de 2001, alguém fez esta pergunta ao Henrique:
“ Não deveria caber nas competências do Provedor de Justiça um papel mais determinante na feitura das leis?”
Resposta:
 “ Em meu entender, as competências que nesse sentido me são conferidas pela legislação são suficientes. Repare-se que o Estatuto do Provedor estabelece que a este compete “assinalar as deficiências de legislação que verificar, emitindo recomendações para a sua interpretação, alteração ou revogação, ou sugestões para elaboração de nova legislação”.
“ Normativamente, é quanto basta. O Provedor emite, de facto, recomendações legislativas, é certo que em menor número e com menos frequência do que as recomendações que visam a correcção de actos ilegais ou injustos dos poderes públicos. Mas isso mesmo explica-se e justifica-se pelo facto de o motivo que conduz às queixas dos cidadãos radicar muito mais em ilrgalidades, deficiências ou omissõess de actuação dos poderes públicos administrativos e não tanto em situações onde se revelam necessidades de alteração legislativa, mormente sentidas pelos próprios cidadãos nas suas exposições ao Provedor.
Na realidade concreta do nosso país, o cidadão pede muito mais ao Provedor de Justiça que actue junto da Administração para alterar situações em que se julga ilegalmente afectado, ou injusticiado, do que para lhe solicitar modificações legislativas – sem embargo de também o fazer, claro.
Outra pergunta, o mesmo tema:

“Até que ponto é legítimo sustentar o alargamento do seu papel na matéria da feitura das leis ou do procedimento legislativo?”

Resposta- “ Como já disse, ir mais além do que as actuais competências nesta matéria seria difícil e, até arriscado, porque desfocaria o “ADN” do Provedor de Justiça – ter mais razão do que poder. Não ignoro sugestões que já foram alvitradas com este sentido, como a obrigatoriedade da participação do Provedor de Justiça em procedimentos legislativos mais nucleares, ou na defesa da invalidade de normas jurídicas aprovadas contra o recomendado pelo Provedor, sem que se mostrasse preenchido o dever de justificação expressa de não acatamento das suas recomendações, contemplado no Estatuto vigente. Não creio, porém que isso fosse acertado, porque traduziria uma mutação genética da figura do Provedor. Ganharia, talvez, em poderes, perderia certamente na força do seu distanciamento em relação aos poderes públicos e à natural teia de interesses que subjaz às decisões na delicada tecitura destas. Este distanciamento é essencial à percepção das boas razões, porque é preferível deixar que as razões se entrechoquem, medularmente, nas instâncias que as compõem e normativisam por dever institucional. O Provedor deve estar antes disso, se necessário depois disso, tanto quanto possível não confundido com os poderes na produção legislativa que é da competência destes. Isto dito, proponho uma coisa mais simples: sempre que a iniciativa, e ou o conteúdo substancial de uma dada lei, resultarem de tomadas de posição do Provedor de Justiça, deveria o respectivo preâmbulo assinalá-lo devidamente. Constato que isto não é feito, pelo menos sistematicamente.”
Lisboa 19 de Junho 2001